Muitos Encontros



Capítulo 2: Muitos Encontros

No interior da casa, Harry não poderia encontrar uma surpresa maior nem mais feliz.

Seus tios estavam acomodados no sofá de três lugares da sala, cada um deles com um olhar de profundo desgosto no rosto. Na mesinha de centro, fora colocada uma bandeja de prata com chá e um prato com biscoitos amanteigados em forma de fênix. Harry logo percebeu não poderiam ter sido feitos pela tia Petúnia quando uma das fênix saltou do prato com um pio agudo e começou a bicar as migalhas espalhadas pela mesinha de centro. Os Dursley obviamente olhavam para o prato de biscoitos como se cada um deles fosse uma granada pronta para explodir, e nem nos sonhos mais delirantes de Harry ele imaginou os tios tomando calmamente o chá da manhã com um bruxo. Era simplesmente muito irreal para ser verdade.

Sentado numa poltrona diante dos seus tios, havia um homem alto de cabelos ruivos que Harry imediatamente reconheceu como o pai de Rony, Arthur Weasley. Apesar de parecer bastante cansado, com olheiras em ambos os olhos, o Sr. Weasley tentava em vão puxar conversa com o tio de Harry, comentando fascinado com as maravilhas eletrônicas que ele tinha na sala de visitas. Como era de se esperar, Valter Dursley agia como se não estivesse ouvindo o que ele dizia e meramente olhava ansioso para a porta dos fundos da casa, como se esperasse algo vir daquela direção.

Sentada no encosto da cadeira do Sr. Weasley, havia uma bruxa pouco mais velha do que Harry e que vestia um jeans e uma camiseta preta com uma foto da banda As Esquisitonas. Ela olhava entediada para a sala de visitas à sua volta, e vez ou outra chamava a atenção de Duda fazendo seu nariz se transformar num focinho de porco com uma careta, ato que aterrorizava Duda tanto que ele afundava cada vez mais na cadeira. Seu cabelo rosa-choque espetava-se em todas as direções num corte punk, e Harry tinha certeza que tia Petúnia desmaiaria dali a pouco se fosse obrigada a ficar olhando na direção dela por mais alguns minutos. Harry sorriu ao reconhecer Ninfadora Tonks, que foi a primeira a perceber que ele entrara pela porta da frente.

– Finalmente, ali está ele! – disse ela, levantando-se e cutucando o Sr. Weasley para que se virasse na direção da entrada – Harry! Que bom que o encontramos, já estávamos ficando preocupados com a sua demora! Moody quase saiu em seu encalço pela rua. Disse que iria interrogar alguns trouxas para ver se tinham visto você – acrescentou, sufocando uma risada.

– Hunf. – Rosnou Moody encostado na lareira, com o rosto coberto por um chapéu de abas compridas que escondiam as cicatrizes de seu rosto – Antes prevenir do que remediar o que não tem remédio é o que eu sempre digo. Nunca se pode ter precauções o suficiente. Pelo menos achamos o Potter com todos os seus membros ainda no corpo, o que já é quase um milagre, em vista do que aconteceu... lá fora.

O Sr. Weasley pigarreou baixinho e saudou Harry com um aceno de cabeça, fazendo com a mão um sinal para que Harry não o interrompesse enquanto ele tentava explicar para os Dursley o que é que estava acontecendo. O tempo era curto e quanto mais rápido eles conseguissem sair dali, melhor para a Ordem, ou mesmo para o ferido.

– Senhor e Senhora Dursley – começou ele, servindo-se de uma xícara de chá e parando no meio do movimento para observar os olhos furiosos do tio Valter – hãã... não querem mesmo uma xícara nem um biscoito amanteigado? Minha esposa quem fez – acrescentou com um sorriso que teria sido simpático a qualquer pessoa, mas aos Dursley pareceu uma confissão do envenenamento dos mesmos – Ela é muito boa cozinheira...

– Não tocaremos em nada que venha de vocês – Rosnou tio Valter, o rosto tão vermelho que poderiam ter fritado um ovo na cabeça dele – não aceitaremos nada que sua laia tiver a oferecer para nós, seus maníacos! Quem sabe se essa sua anormalidade é contagiosa? Esta porcaria! – Gritou, apontando para um biscoito de fênix particularmente gordo que tentava em vão pular de volta à bandeja, agitando suas asinhas – deve estar envenenada!

Tonks riu alto e com gosto atrás do Sr. Weasley enquanto Moody continuava olhando para os Dursley, mas girava seu olho mágico em todas as direções e mantinha a varinha firme na mão direita, alerta e em guarda. O Sr. Weasley pareceu desconcertado, mas seus olhos brilharam de fúria diante da ofensa à culinária de sua esposa, e quando recomeçou a falar já não estava sendo tão gentil quanto fora de início. Aproveitando a deixa do Sr. Weasley, Harry foi até Tonks e a chamou até o canto da sala de visitas.
 
– E então, o que houve? – perguntou Harry, tentando falar o mais baixo possível para que seus tios não o escutassem – Onde está o bruxo ferido, o que estava no quintal?

– Lupin e Kingsley foram lá atrás para buscá-lo, para que possamos levá-lo em segurança até o St. Mungus, onde será tratado – disse Tonks, lançando um olhar para os fundos da casa dos Dursley – Teremos que levá-lo na van lá na frente para que não despertemos suspeitas do que aconteceu, e  Mundungus já está lá nos esperando ao volante.

– Mas como vocês vão levar um corpo ensangüentado pela rua até a van sem despertar suspeitas do que está acontecendo? – indagou Harry, olhando para a van lá fora. Vários dos vizinhos abelhudos da Rua dos Alfeneiros já haviam saído de suas casas e haviam assumido suas posições estratégicas para bisbilhotar o número quatro – varrendo a calçada, aparando a grama ou conversando nas cercas-vivas, e alguns lançavam olhares de soslaio para a van na frente do número quatro – Tem muita gente lá fora que pode ver vocês saindo com o corpo!

Tonks meramente balançou a mão para Harry como se estivesse espantando uma mosca incômoda, e disse para que ele não se preocupasse. Neste momento, Lupin e Kingsley apareceram na porta que levava aos fundos da casa, carregando uma maca ocupada pelo bruxo ferido. Ambos estavam vestidos estranhamente, com macacões brancos sujos e largos e camisas verdes-musgo por baixo, e na cabeça usavam bonés com o mesmo símbolo da firma de reforma de sofás que estava pintada no carro. Gazes e talas cobriam o corpo do ferido e ele parara de sangrar, mas em compensação, se assemelhava a uma múmia de tantas bandagens que  tinham cobrindo o seu corpo.

Os Dursley deram um pulo no sofá quando viram os dois puxando a maca para dentro da sala de estar, e o olhar de tia Petúnia correu rapidamente do ferido para o lado de fora da casa, onde era possível escutar crianças gritando e vizinhos fofocando uns com os outros. Com um suspiro de angústia, ela olhou com desespero para o tio Valter.

– Querido, eles pretendem levar esse homem para fora – choramingou ela, agarrada ao braço do marido – pela nossa porta, o que os vizinhos dirão de nós se virem... eles... saindo de nossa casa? – Ela enterrou o rosto na roupa do marido, visivelmente em choque ante a possibilidade de seus vizinhos descobrirem que havia bruxos visitando a sua casa.

Tio Valter se levantou repentinamente, quase derrubando Petúnia no tapete da sala. Ele virou-se para o Sr. Weasley, apontou o dedo em sua direção e disse em tom letal, mas baixo o suficiente para ser ouvido apenas dentro da casa.

– Vocês não vão sair por esta porta levando essa coisa. – disse, apontando para o bruxo ferido na maca. Kingsley, Lupin e Tonks fecharam a cara para ele, e Moody saiu de onde estava e começou a se aproximar – O que nossos vizinhos dirão se virem um corpo sendo tirado da minha casa? Acharão que somos assassinos, ou pior, poderão associar-nos à sua laia! – disse, desesperando-se à menção da própria idéia.

– O senhor está coberto de razão, Sr. Dursley. Não podemos deixar que sejamos vistos saindo com um corpo de sua casa. Seria suspeito demais – concordou o Sr. Weasley, acenando a cabeça para Lupin e Kingsley, que haviam parado perto da porta de saída. Depois se voltou sorrindo para os Dursley e completou – Mas felizmente já estamos preparados para esse inconveniente, não precisam se preocupar.

Kingsley fez um sinal na porta para Mundungus, que estava observando da van estacionada lá fora, e ele correu para a traseira do veículo, abriu as portas e foi na direção da casa correndo com um grande lençol branco nas mãos. Quando chegou até Kingsley, entregou o lençol nas mãos dele e deu uma olhada para dentro da sala de estar, curioso. Quando avistou Harry, deu-lhe uma piscadela e voltou para a van, cujo motor ligou enquanto esperava que todos saíssem. Enquanto isso, Lupin e Kingsley ajeitavam o lençol por cima da maca e, para o espanto de Harry, ele assumiu o formato idêntico ao sofá dos Dursley quando caiu por sobre o homem ferido. Parecia que estariam levando apenas um sofá para o conserto. Enquanto os dois saíam com o sofá/maca em direção à van, o Sr. Weasley levantou-se e acenou para Tonks com a cabeça, como se indicando um momento combinado por ambos, e depois se voltou para os Dursley novamente.

– Ah, sim. Há mais uma coisa que precisamos falar com vocês – disse, um pouco constrangido – Teremos que levar o Harry conosco, espero que vocês não se importem... Garanto que cuidaremos bem dele, e que ele estará saudável e feliz enquanto estiver sob nossa proteção.

O sorriso de satisfação que passou pelo rosto dos tios quando descobriram que iriam se livrar de Harry mais cedo se apagaram à menção das palavras "saudável" e "feliz", e foram substituídos por um sorriso amarelo e desagradável. Mas como agora o Sr. Weasley havia puxado a varinha e Moody se  aproximado, mancando com a perna de pau batendo de forma ameaçadora no assoalho de madeira da sala, preferiram ficar quietos a manifestar qualquer reação. Tonks aproximou-se de Harry e deu-lhe um cutucão.

– Vamos, precisamos arrumar suas malas. Você vem conosco.

Tonks subiu até o quarto de Harry com ele, e com um aceno displicente da varinha recolheu toda a bagagem de Harry, jogando no malão os poucos livros que haviam sido retirados pelo garoto durante sua infeliz semana na Rua dos Alfeneiros. Tonks olhou curiosa para o garoto, como se estivesse surpresa de que ele não estivesse estudando nada durante as férias, mas talvez porque soubesse que os acontecimentos do ano anterior haviam lhe causado muita dor decidiu não falar nada. Pelo contrário, foi Harry que puxou o assunto a conversa com ela.

– Tonks – disse ele, quando Tonks pronunciou o encantamento para carregar o pesado malão de Harry escada abaixo – Porque vocês estão me levando tão cedo este ano, e para onde?

– Bom Harry, a Ordem achou que seria perigoso se você ficasse mais tempo sozinho aqui na casa de seus tios este ano, com o que aconteceu com o Julian e tudo mais...

– Julian? – interrogou ele – Você quer dizer, esse homem que estava no fundo do quintal dos meus tios?

– Sim, ele mesmo. Ele era um membro da Ordem, sabe. Ele estava montando guarda para que nada mal lhe acontecesse...

– E a Ordem já chegou a cogitar a possibilidade de eu não precisar de alguém me protegendo como se eu fosse um garotinho? – rosnou Harry, interrompendo-a furioso.

– Para falar a verdade já, Harry. – respondeu Tonks, não se alterando com a grosseria dele – Mas achamos que um pouco mais de segurança não faria mal a ninguém, não é mesmo? E acho que você deveria pensar que é o pobre Julian que está indo para o St. Mungus, e não você mesmo, não é? E olhe que ele é um auror, assim como eu. – acrescentou olhando-o fundo nos olhos.

Harry silenciou por um momento, meditando as palavras de Tonks. O que quer que tivesse atacado Julian, deveria se algo realmente terrível e perigoso. Não saberia dizer se teria mais chances enfrentando o que quer que fosse aquilo do que Julian, um bruxo instruído e adulto. Mas hoje ele era tudo menos indefeso. Todos os acontecimentos do ano passado, a AD, o Ministério, tudo aquilo haviam forjado os nervos de Harry e o haviam preparado para enfrentar os perigos que o aguardavam no futuro. Não era mais aquele Harry Potter de cinco anos atrás, que entrara cheio de insegurança no Salão Principal para ser designado à Grifinória.

Nenhum dos dois falou mais nada enquanto desciam em direção à sala dos Dursley, e Tonks pousou o malão ao lado do Sr. Weasley com um baque surdo. Moody se aproximou de Tonks e sussurrou-lhe algo no ouvido que Harry não escutou, mas Tonks simplesmente meneou a cabeça negativamente. Sem entender nada, mas visivelmente ciente de que era o assunto da conversa, Harry limitou-se a olhar para o Sr. Weasley em busca de uma explicação para o que estava acontecendo, mas o bruxo simplesmente evitou o seu olhar.

– Bom, creio que esta é a nossa deixa para ir embora – sorriu afetuoso para os Dursley, mas vendo que nenhum deles parecia retribuir o sorriso, prosseguiu decidido a encurtar a conversa – Desejo-lhes um bom dia. Cuidaremos bem de Harry.

Tonks e Moody simplesmente sumiram no ar com o malão do garoto, tão subitamente que Harry assustou-se. O mesmo aconteceu com os Dursley, que pareciam ter esquecido como se respirava tal era o estado de choque que haviam ficado ao ver duas pessoas adultas simplesmente desaparecerem diante de seus olhos. O Sr. Weasley então segurou no ombro de Harry firmemente e brandiu a varinha na direção dos aterrorizados Dursley. Harry então notou que Tonks e Moody ainda estavam ali, mas agora nas costas dos tios e apontando as varinhas de forma ameaçadora para eles.

– Obliviate! – gritaram três vozes em uníssono.

Valter, Petúnia e Duda foram atingidos ao mesmo tempo tão rapidamente que nem tiveram tempo de piscar quando os raios os atingiram nas costas e, no caso de Valter Dursley, no peito. Todos eles assumiram uma expressão abobada no rosto quando o feitiço de alteração de memória fez efeito, a memória antiga sendo apagada pela força da magia. O Sr. Weasley acenou a cabeça para Moody e Tonks, e ambos desaparataram da casa com as coisas de Harry, deixando os dois bruxos a sós.

– Segure-se firme em mim, Harry. Como é a primeira vez que você vai desaparatar, acho que não vai gostar muito da experiência – disse o Sr. Weasley, enquanto segurava Harry com força pelo braço. Harry segurou o pulso do bruxo com toda a força que conseguiu reunir, adivinhando o que estava para acontecer. O Sr. Weasley agitou a varinha no ar e houve um estalo como o de um chicote.

Como o Sr. Weasley dissera, a sensação de desaparatar não era nada agradável. Harry sentiu como se fosse um grande elástico que era esticado cada vez mais, enquanto um borrão de luzes e cores passava ao seu redor e seu estômago começava a revirar. Enquanto via o espaço se distorcendo e seu corpo esticando, sentiu que era realmente difícil continuar segurando o braço do Sr. Weasley, de forma que apertou ainda mais a mão em torno do punho do bruxo. E tão repentinamente como começara, a sensação acabou quando aterrissaram sob o assoalho de madeira de um quarto escuro.

Harry olhou ao redor para o aposento onde estavam e o reconheceu imediatamente. Era o quarto onde haviam ficado no início do ano passado, na Sede da Ordem da Fênix. Estavam no número 12 do Largo Grimmauld.

O rapaz sentiu um aperto no peito, e toda a tristeza que ele tentara sufocar durante as férias de verão retornaram como uma gigantesca onda. Ele olhou para as paredes, cujos papéis de paredes desgastados pendiam sombriamente, a cama que havia dormido no ano anterior, quando o padrinho ainda estava vivo, as janelas fechadas com tábuas. Por um instante, teve a impressão de ouvir a risada de Sirius, que se assemelhava a um latido, ecoar no andar de baixo onde ficava a cozinha.

– Por que estamos aqui? – perguntou ao Sr. Weasley com fúria – Não poderia ter sido outro lugar?

– Sinto muito, Harry. – disse o Sr. Weasley com tristeza – mas Dumbledore disse que você deveria ser trazido aqui antes de qualquer outro lugar, porque este é o lugar mais seguro que temos para você ficar. Sei que esta casa te traz muitas lembranças de Sirius, mas acredito que será melhor assim.

– Dumbledore... ele não seria capaz de entender o que estou sentindo – desabafou Harry, furioso – não foi ele que perdeu a única pessoa próxima de uma família que já teve em toda a sua vida...

– Não, Harry, realmente não estou sentindo a dor que você está – disse uma voz conhecida por trás do garoto – mas era muito importante que você viesse justamente para esta casa hoje. Há assuntos importantes que temos que tratar.

Harry piscou, olhando para a porta. Parado, olhando para ele com aqueles profundos olhos azuis, estava aquele bruxo alto de barbas brancas cuja expressão serena tanto o havia irritado no ano passado. Dumbledore estava parado no arco da porta com um semblante triste no rosto, mas seus olhos tinham um brilho decidido que lhe diziam com todas as letras que ele não aceitaria discussão a respeito de sua decisão.

– Estaremos aguardando você lá embaixo na cozinha, quando você estiver pronto para descer – disse Dumbledore calmamente, olhando diretamente nos olhos do garoto – Estaremos discutindo alguns assuntos importantes que lhe dizem respeito, Harry, e é de vital importância que você desça preparado para ouvir aquilo que temos para lhe dizer.

Dumbledore olhou para o Sr. Weasley, que assentiu com a cabeça a deixou a sala. O velho bruxo aproximou-se de Harry e sentou-se na cama vazia, ainda olhando para o rapaz. Harry não estava interessado em ouvir nada do que eles poderiam lhe dizer, só pensava na tristeza que sentia em estar novamente na casa do padrinho.

– Harry – começou Dumbledore com firmeza – sei que não quer falar sobre isso, e que a dor da perda de Sirius ainda é muito recente, mas você precisa entender que não há mais nada a ser feito. Por mais difícil que seja para você aceitar isso, Sirius se foi, e você precisa continuar a sua vida com a lembrança do bom padrinho que ele representou para você quando ainda estava vivo.

Harry sentiu uma lágrima descer o seu rosto, uma lágrima que representava ao mesmo tempo a raiva e a frustração que sentia. Dumbledore sabia que ele se culpava pela morte do padrinho, por não ter se dedicado o suficiente à Oclumência no ano anterior. Se ele tivesse se esforçado, se ele tivesse levado a sério os avisos de Dumbledore e dos outros professores, ele não teria sido enganado por Voldemort para ir ao Ministério da Magia salvar Sirius. E o padrinho não teria ido salvá-lo das garras dos Comensais da Morte, quando sentiram que era um plano do Lorde das Trevas. E Bellatrix Lestrange não teria atingido Sirius com uma magia e o derrubado através do arco desconhecido, onde ele para sempre estava perdido.

Harry ainda não entendia o que causara a morte do padrinho. Por algum motivo, todos pareciam conhecer o véu negro e saber exatamente o que acontecera a Sirius, mas ninguém havia se dado ao trabalho de explicar a ele para amenizar a sua dor. Harry se virou para Dumbledore, encarando aqueles profundos olhos azuis, e suspirou profundamente, enxugando o rosto molhado pelas lágrimas. Ele se sentou ao lado do velho bruxo e começou a falar.   

– Sim, eu sei que Sirius não voltará mais, mas eu ainda não entendi o que aconteceu naquela noite. Há várias perguntas que eu preciso de respostas, Dumbledore, e me parece que enquanto eu não as souber respostas, não poderei descansar. O que é aquela sala onde estava o arco? O que é aquele véu, e porque e como ele matou o Sirius? Você sabe estas respostas, Dumbledore

Debaixo da longa barba branca de Dumbledore, um sorriso de visível satisfação se abriu e em seus olhos um brilho se acendeu.

– Sim, Harry, nós temos as respostas para as suas perguntas, mas não as darei para você agora. Aguarde todos os membros da Ordem chegar aqui hoje na reunião, e suas dúvidas serão satisfeitas.

Dumbledore se levantou, tranqüilizando Harry com um sorriso afetuoso, e aproximou-se da porta para sair. Quando estava quase do lado de fora, ele se voltou para Harry e disse:

– O Sr. Ronald Weasley e a Srta. Granger estarão aqui em alguns minutos, seus pais decidiram que seria melhor que eles viessem antecipadamente à reunião. Acredito que irá querer falar com eles antes de descer, portanto, os avisarei para subirem ao seu quarto assim que chegarem.

Dizendo isso, o velho bruxo voltou-se e saiu do quarto. Harry ouviu os passos de Dumbledore descendo a escada para a cozinha, onde as reuniões da Ordem da Fênix eram feitas, mas continuou sentado na cama.

Harry não sabia se queria realmente conversar com Rony e Hermione, mas a perspectiva de ter os dois amigos ali com ele conseguiu animá-lo o suficiente para arrancar um sorriso de seu rosto. Pensando que talvez enfrentar a tristeza da falta do padrinho seria bem mais fácil na companhia dos amigos, Harry decidiu que já era hora de deixar a aparência carrancuda para trás. Arrastou o malão para o pé da cama que ocuparia e saiu do quarto em direção à cozinha.

Conforme descia as escadas vendo as cabeças dos elfos domésticos penduradas na parede como troféus, lembrou-se que Dumbledore ainda não lhe dissera o que acontecera com Monstro, o elfo doméstico da família Black que traíra Sirius no ano passado e o levara diretamente para a armadilha preparada por Voldemort. Enquanto devaneava sobre como será que encararia o elfo se o visse novamente, um cheiro delicioso de comida caseira chegou até seu nariz, vindo da cozinha logo abaixo, e fez o estômago de Harry emitir um ruído que muito se assemelhava ao leão da Grifinória.

Quando chegou à cozinha, viu surpreso que havia várias pessoas ocupando as cadeiras em torno da mesa, todas conversando amigavelmente como se fosse uma reunião familiar. A comida estava sendo feita por ninguém menos que a Sra. Weasley, a mãe de seu amigo Rony, e ela cantarolava alegremente enquanto agitava a varinha para o fogão à lenha que ficava no canto esquerdo da cozinha. Panelas de diferentes tamanhos estavam acomodadas no fogão, cada uma exalando um cheiro delicioso de comida caseira que fez o estômago do jovem doer de expectativa e sua boca encher-se de água.

Sentados ao redor da mesa da cozinha estava Kingsley, Tonks e Carlinhos Weasley, um dos irmãos de Rony, e ambos conversavam com um bruxo que Harry não conhecia e que estava sentado ao lado de Carlinhos. Trajava uma velha casaca de viagem preta e girava nos dedos uma varinha de uma madeira negra que Harry nunca tinha visto antes, de onde saíam fagulhas coloridas como fogos de artifício conforme ele a agitava. Ele parecia ser um pouco mais velho do que Harry, mas seus cabelos eram tão brancos que pareciam emitir um reflexo prateado. Os mesmos eram compridos como os de Carlinhos e também amarrados num rabo-de-cavalo. O estranho falou alguma coisa baixo para Carlinhos, e ambos caíram na gargalhada.

– Harry, querido, não precisa ficar aí na porta só olhando! Entre, entre! – disse-lhe a Sra. Weasley, assim que percebeu o garoto parado na porta da cozinha.

A Sra. Weasley atravessou a cozinha e veio ao encontro de Harry, abraçando-o com força e dando-lhe um beijo carinhoso no rosto, o que fez Harry corar. Sempre se sentia assim quando a mãe do amigo o tratava como um filho, apesar de se sentir grato, já que nunca tivera muita gente que se preocupasse com ele, e na ausência dos pais esse era o único carinho próximo do de uma família que conseguia ter.

– Nossa – disse ela, afastando-se de Harry e olhando-o com uma expressão meio aterrorizada – Não o estão alimentando direito naquela casa, Harry querido? Parece um esqueleto ambulante, tão magro que dá para ver suas costelas debaixo da blusa! Sente-se à mesa, o almoço ainda vai demorar um pouco para sair, mas preparo alguma coisa num instante para você beliscar.

Harry se sentou ao lado de Tonks, que o cumprimentou com um sorriso largo e um amigável tapinha nas costas, que fez o jovem se sentir mais confortável a respeito da pequena discussão que tivera com ela na casa dos Dursley. Kingsley e Carlinhos também o cumprimentaram com largos sorrisos quando ele se sentou à mesa, apenas o estranho rapaz o olhou com um sorriso enigmático no rosto, e falou como se perguntasse a todos na mesa:

– Devo presumir, então, que estou diante de ninguém menos que Harry Potter, o jovem bruxo mais famoso deste tempo? – disse ele, olhando para Harry com um olhar estranho que incomodou o rapaz. Havia um brilho nos olhos do bruxo que fez os cabelos da nuca dele se eriçarem – Muito prazer, Harry, estava ansioso por conhecê-lo desde que entrei para a Ordem da Fênix – disse, estendendo a mão direita para o garoto. Harry notou que no dedo indicador da mão dele havia um grande anel prateado que atraiu a sua atenção, mas não conseguia lembra de onde conhecia o brasão do anel.

– O prazer é todo meu – respondeu Harry automaticamente, esticando a mão para o desconhecido, sua voz soando vazia até mesmo para ele. Apesar da mão ser fina e possuir os nós dos dedos saltados, o aperto de mão do desconhecido era forte e sua mão era quente como se o sangue estivesse à flor da pele, o que era surpreendente em vista de que o rapaz era bastante branco – e você é...?

– O meu nome é Lothian, meu caro Harry – disse ele, olhando diretamente para os olhos do rapaz – Lothian Moonwisper. Entrei para a Ordem da Fênix recentemente, nesta última semana para ser mais preciso, indicado por meu amigo Carlinhos aqui – completou, batendo no ombro do rapaz ao seu lado afetivamente.

– Não ligue para ele, Harry – disse Carlinhos, rindo divertido – ele pode parecer meio esquisito a primeira vez que o conhece, mas é uma boa pessoa. Não que eu confiasse minha vida a ele, contudo. – acrescentou com uma expressão pensativa.

Todos riram diante do comentário do rapaz, inclusive Harry. Mas o riso dele não era tão despreocupado e divertido quanto o dos demais, pois havia uma coisa que o intrigava. Quando apertara a mão de Lothian sentiu algo completamente novo em sua cicatriz, diferente da dor aguda que sempre indicava que Voldemort estava por perto ou quando ele se sentia especialmente furioso ou feliz. Sentiu um frio intenso na cicatriz durante o aperto de mão, como se tivessem colocado uma compressa com gelo em sua testa, e o mesmo arrepio percorreu sua espinha como quando olhou o bruxo nos olhos.

Subitamente, ouviu-se um berro dentro da cozinha, e os pratos que estavam sendo retirados da estante pela Sra. Weasley encontraram o chão fazendo um grande estardalhaço. Todos os bruxos da mesa pularam da mesa ao mesmo tempo, sacando suas varinhas e apontando para todas as direções enquanto a Sra. Weasley, a autora do berro, comprimia-se na parede tentando apontar a varinha, tremendo, em direção à porta da cozinha. Ela parecia aterrorizada demais para explicar o que estava acontecendo.

Quando todos viraram para a porta o coração de Harry congelou com a visão que teve, e ele sentiu o chão faltar aos seus pés. Pela porta serpenteava mansamente uma serpente de pelo menos dois metros e meio de comprimento, com escamas em vários tons de marrom. As costas dela eram decoradas com escamas grossas que faziam padrões mais escuros em formato de diamante, e a cada vez que se arrastava pelo chão a serpente produzia um ruído semelhante a um chocalho. Com espanto, Harry se virou para os outros bruxos e viu que todos estavam guardando suas varinhas, com olhares contrariados no rosto, enquanto olhavam para a cobra arrastar-se em direção à mesa de jantar.

Horrorizado, Harry viu Lothian estender a mão da varinha em direção à cobra e acariciar a sua cabeça triangular. A cobra fechou os olhos e abriu ligeiramente a boca enorme, mostrando as terríveis presas venenosas e afiadas, levantando a cabeça contra a mão de Lothian. Ele estava fazendo CARINHO na serpente.

– LOTHIAN! – urrou a Sra. Weasley, tirando Harry do estado de transe em que entrara depois de ver alguém afagando uma serpente muito venenosa como se fosse um coelhinho – Você me prometeu que manteria essa coisa trancada no seu quarto! É um perigo deixá-la vagar livremente pela casa! Teremos mais crianças chegando daqui a pouco, e se ela atacar alguém?

Harry sentiu-se um pouco ofendido pelo comentário. Como assim mais crianças estariam chegando? Ele não era mais criança.

– Molly, não tem por que se preocupar com ela – disse Lothian, visivelmente contrariado com o comentário da bruxa – Ela não atacaria ninguém, já a alimentei hoje e ela é muitíssimo bem treinada. E eu também não quero que ela fique trancada no quarto o tempo todo já que temos tanto espaço disponível na sede da Ordem – acrescentou, enquanto a cobra se enrolava suavemente em seu braço e subia para o seu pescoço, acomodando-se nos ombros do rapaz – Ela está acostumada a ter bastante espaço para rastejar lá onde eu moro...

– Não interessa! - Interrompeu a Sra. Weasley – É muito perigoso deixar uma monstruosidade dessa solta por aí, ela pode arrancar a perna de alguém! – disse ela, tão desesperada que Harry achou que a bruxa fosse desmaiar de tanto nervoso – Você devia era dar cabo nela, ou levá-la de volta para o lugar onde a encontrou!

– Aí já é demais, Sra. Weasley! – disse Lothian, seu rosto se contorcendo em fúria enquanto perdia a paciência com a mulher desesperada à sua frente – Ela não fez nada para você tratá-la assim, e duvido que faça! E ai de quem maltratá-la, vai se ver comigo! – acrescentou, com um olhar que não deixava dúvidas do que iria acontecer.

Conforme a discussão ia se tornando cada vez mais acalorada, a cobra começou a silvar ameaçadoramente para a Sra. Weasley, de forma que a voz dela começou a perder a força e tornar-se cada vez mais desesperada e chorosa. Lothian pareceu ter percebido que a serpente estava começando a perder o controle, porque começou a baixar a voz e acariciar a cabeça da cobra com as pontas dos dedos, acalmando-a.

A Sra. Weasley parecia prestes a ter um ataque de nervos. Tonks olhava enojada para a cobra pendurada no pescoço do amigo, e Kingsley parecia estar decidindo se acudia a Sra. Weasley o se ficava olhando a discussão com uma expressão de constrangimento no rosto. Carlinhos olhava para o amigo com uma expressão de reprovação, mas parecia concordar que a mãe tinha ido longe demais e preferia não intervir na discussão.

– Tudo bem, vou prendê-la de novo no quarto longe de vocês – disse Lothian, por fim, para acabar com a discussão – mas acho que é um preconceito besta de vocês para com a pobre Shairr. Ela é o que é e duvido que algum de vocês encontre algum motivo para reclamar dela durante a nossa estadia aqui na Ordem.

Com isso, saiu da cozinha em direção à escada, deixando um constrangido grupo de bruxos para trás. Harry olhou em volta e viu a devastação que o aparecimento da cobra havia causado na cozinha, antes tão alegre. Os cacos da louça tinham se espalhado pelo chão em todas as direções, arruinando os pratos que outrora haviam pertencido à família Black. A Sra. Weasley desabara em uma cadeira e abanava-se enquanto tentava recuperar o controle sobre os próprios nervos. A frigideira que fritava as salsichas que Harry deveria estar comendo antes do almoço exalava uma fumaça tão preta quanto a capa de viagem de Lothian, e um cheiro de queimado enchia toda a cozinha.

Enquanto Tonks consertava a louça e Carlinhos acalmava a mãe dizendo que o amigo era assim estranho assim mesmo, Kingsley olhou para Harry e ergueu uma das sobrancelhas, balançando a cabeça de forma reprovadora para a situação.

– Sabe, eu não sei o motivo pelo qual Dumbledore e você confiam tanto nesse Lothian, Carlinhos – disse Kingsley baixinho, olhando de forma enigmática para Carlinhos enquanto falava – Não que eu nunca tenha me enganado, mas se há um bruxo que fede às artes das trevas é ele. Convenhamos, quantos bruxos você conhece que sabem fazer o que ele faz? Quantos bruxos decentes você conhece que tenham cobras de estimação? E algo nos olhos dele me dá arrepios.

Carlinhos levantou-se e encarou Kingsley com as mãos cruzadas sobre o peito, numa atitude de desafio. Levantou uma das sobrancelhas e replicou falando baixo, visivelmente para não ser ouvido no andar de cima.

– Lothian pode se parecer com o que você quiser, mas tenho certeza que não há tantas artes das trevas nele quanto no Harry aqui. Tenho certeza que ele odeia tanto Você-Sabe-Quem quanto nós, e que quer vê-lo destruído talvez até mesmo com mais fervor que alguns membros desta Ordem....

– Isso ninguém duvida, Carlinhos, mas acho que os motivos para isto são um pouco diferentes dos nossos. – disse Tonks, mais baixo ainda do que Carlinhos, de forma que Harry deu alguns passos à frente para poder escutar melhor o que ela dizia – Você sabe que ouvi uma história, a respeito da família dele...

– Chega! – disse de súbito uma voz imponente, e a conversa morreu no comentário da bruxa de cabelos cor-de-rosa. Dumbledore acabara de entrar na cozinha.

– Não admito que saiam falando mal de um convidado meu dentro desta casa – disse ele, visivelmente contrariado com a situação – O fato de que ele goza de minha inteira confiança será o suficiente para que vocês o deixem em paz. E que eu não fique sabendo que qualquer outro comentário a respeito da família dele saiu da boca de algum de vocês – disse, num tom de quem termina a conversa e não admite ser contrariado.

E dizendo isso, saiu deixando um silencioso grupo de bruxos inteiramente constrangidos em volta da mesa. Harry olhou para cada um deles, com um ar de interrogação no rosto, e a Sra. Weasley começou a retirar o jantar do fogão enquanto Tonks desastradamente colocava os pratos recém consertados na mesa com um aceno de sua varinha.

– Não é que a gente ache que ele não é uma pessoa legal, Harry... – começou Tonks, hesitante.

– Ele definitivamente é simpático quando conversamos com ele... – emendou Kingsley, tentando parecer confiante no que dizia.

– Mas você viu com os seus próprios olhos, querido – disse  a Sra. Weasley, tentando não parecer contrariada com o que dizia – ele tem alguns hábitos que, bem... são bastante diferentes dos bruxos decentes.

– Mamãe, não há nada errado com o Lothian, ele apenas é uma pessoa excêntrica – ralhou Carlinhos, olhando feio para a mãe – Nada disso quer dizer que ele é alguém que deveríamos desconfiar.

Em seu íntimo, Harry concordava inteiramente com a Sra. Weasley. Se haviam marcas que pudessem ser exibidas para comprovar que um bruxo pertencia às artes das trevas, Lothian tinha mostrado todas elas. Restava saber quanto tempo teriam que viver com aquele rapaz antes dele revelar seus verdadeiros propósitos.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.