A Estufa dos Catburry



Alguns dias depois, eles se encontravam sentados na mureta baixa de uma casa mais para o final da Rua dos Alfeneiros, aparentemente solitária, o gramado estava alto e havia folhas secas e jornais antigos na soleira da porta, talvez os donos tivessem viajado.  Harry e Aurora tentavam passar o máximo de tempo juntos sem chamar muita atenção,  e aquela árvore frondosa no parque tinha se tornado um esconderijo perfeito de onde conseguiam ter uma visão ampla do bairro e jogar sementes na cabeça de valentões, que nunca saberiam de onde estava vindo o ataque.



Mas estavam  cansados de ter que andar e fazer esforço, visto que alguém parecia ter ligado um aquecedor bem encima de Little Whinging e aumentava um grau a cada dia. Decidiram por ficar  próximos de casa durante o dia e se aventurariam mais pela noite.



— Deixa eu ver se entendi direito. – a garota mordeu o picolé de uva que segurava e continuou a falar com a boca meio cheia – Se seus tios não tivessem te criado como se você fosse um floquinho de poeira impossível de varrer para fora, você seria como o Duda?



— Exatamente. – ele assentiu enfaticamente depois de lamber seu picolé de limão – Não é o pior pesadelo?



— Total! – eles explodiram em gargalhadas – Você é muito amável para alguém que cresceu assim, seus pais deviam ser pessoas maravilhosas.



Harry sentiu um rubor se espalhar por suas bochechas, e uma sensação boa inundar seus pensamentos ao lembrar das fotos que guardava de James e Lily em seu malão.



— Eles eram, sim.



Continuaram a chupar seus sorvetes em silêncio, desejando que uma brisa refrescante passasse por ali logo. Foi com um susto que eles reagiram ao ouvir vozes zombeteiras se aproximando, na esquina. Já sabiam que se tratava de Duda e seus amigos idiotas, e Aurora pensou rápido ao puxar Harry pela mão livre e arrasta-lo para o asfalto, sem saber onde iam se abrigar.



— Se meu sorvete cair, vou enfiar esse palito pela goela daquele gorducho! – ela reclamou enquanto corria, o picolé derretendo na mão.



Harry só percebeu o que ela pretendia quando eles pularam o muro da casa dos Catburry e atravessaram o jardim até os fundos, onde uma estufa  pequena guardava vários tipos de flores e plantas. A garota andou mais de vagar e agachada quando se aproximaram da janela que dava para a sala de estar, até encostar a mão na maçaneta da porta de vidro e empurra-la, arrastando Harry para dentro.



— Aurora, eu não deve... – mas ele foi silenciado por um “shhh” impaciente.



A estufa não era tão estreita, mas a quantidade de plantas deixava um espaço mínimo até para acomodar duas pessoas significativamente pequenas. Apesar disso, o lugar era muito bonito e tinha um frescor agradável, tudo era colorido e cheio de perfumes diferentes, e o céu olhado através do teto de vidro dava uma sensação de liberdade disfarçada.



Eles se encolheram no canto direito da estufa e esticaram os pescoços para poder observar a fresta da rua que ainda ficava visível, assistindo de camarote quando a turma de baderneiros passou, deixando Duda em casa, provavelmente a fome o trouxera de volta.



— Por pouco não servimos de aperitivo para eles. – Harry comentou, aliviado, mas ainda preocupado acerca do fato de ter invadido o jardim de um casal de velhos que realmente não aprovavam a sua existência.



Aurora suspirou e se jogou no chão de terra, sentando com as costas apoiadas num vaso comprido de barro e voltando sua atenção para o sorvete de novo. Ele ficou apreensivo, mas não queria deixa-la, então se sentou de frente para ela, tomando o cuidado de testar seu peso antes de recostar num barril  de madeira que parecia cheio de alguma coisa pesada.



— Não é arriscado ficar aqui? – ele questionou antes de abocanhar o que restava do picolé e começar a cutucar a terra com o palito.



— Não, é hora da soneca deles. – Aurora informou com tédio na voz, acertando o palito de picolé num balde de metal  na extrema esquerda da estufa – Relaxa.



Seus joelhos estavam se encostando de tão apertado que estava, então Harry abriu as pernas o suficiente para que ela encaixasse as dela entre as dele, que eram maiores e não caberiam esticadas. Ele usou os joelhos dela como apoio, e escondeu o rosto entre os braços cruzados para que ela não o encarasse daquele jeito inquisidor que costumava fazer.



Depois de alguns segundos naquela posição, ele sentiu a mão dela pousar em seu cabelo com suavidade. O afago dela era simples e sutil, como se tivesse a prudência de não bagunçar mais ainda os cabelos negros e espetados no alto da cabeça, e Harry ficou imóvel, desejando que aquilo durasse até o final do verão.



Obviamente não iria durar, provavelmente acabaria bem antes, e essa perspectiva fez o coração dele murchar como uma maçã velha. Honestamente, ele já se sentia chateado por ela não ser bruxa, e não poder acompanha-lo até Hogwarts, mesmo que tudo nela fosse mágico e parecesse se encaixar perfeitamente no mundo dele. Ela se encantaria com todas as coisas incríveis que existiam, e ainda havia o fato de que morava em Londres, tão perto da estação de King's Cross e do Ministério da Magia.



A imaginação dele voou longe enquanto recebia o carinho de Aurora, imaginando o momento em que teriam que dizer adeus, e o quê faria para se manter são naquele lugar até o dia 1° de Setembro.



Sentiu a cicatriz arder como se quisesse abrir de novo depois de quatorze anos, e semelhante a uma bofetada de razão em seu interior, ele se sentiu tolo, iludido e vulnerável. Seus amigos de verdade, as pessoas que conheciam tudo sobre ele, estavam juntos sabendo tudo que se passava em seu mundo, e talvez estivessem até se divertindo sem ele. A luz desses pensamentos amargurados, ele afastou a mão de Aurora e se levantou, sem olha-la.



— Harry, o quê foi? – ela perguntou, sem entender a reação súbita dele.



— Eu preciso voltar. – falou sem emoção, e sentiu seu estômago despencar com o peso da impremeditada tristeza que o atingiu – Sinto muito.



Antes que ela se colocasse de pé para impedi-lo, ele abriu a porta e atravessou a grama com passos rápidos, porém cautelosos, uma mão ele levara a testa, onde a cicatriz queimava. Ele sentia que se olhasse para trás, se visse o quão aturdida e solitária Aurora estava, iria desistir e correr de volta.



Mas não queria continuar se enganando, depositando naquela garota trouxa sua afeição, realidade e frustrações, todo o tempo que depois passaria em dobro sozinho, trancado no quarto, se lembrando do sorriso ou do toque dela como se tivesse acontecido em outra vida.



Não queria olhar pela janela naquela noite, nem permitir que Edwiges deixasse a gaiola.



Entretanto, o quê mais o afligia era o fato de que ele não sabia de onde vinha parte daquela raiva que rugia em seu peito e fervilhava sua cicatriz.


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