Nem tudo são flores



Empurrou as cobertas com força, pulou da cama e correu em direção ao banheiro do quarto, com as mãos nos lábios. Jogou a cabeça sobre a pia e vomitou. Já era a terceira vez em oito horas, mal conseguira dormir.

“Não devia ter misturado Adraguinas com Cerveja Amanteigada” – pensou, levantando o rosto. Na noite anterior, Rebeca havia saído com as amigas e madrinhas de seu casamento, Hermione Granger e Estela Rise. O que deveria ter sido uma "diversão inocente de garotas" em comemoração ao casamento de Becky, que seria dalí duas semanas, acabou tornando-se em uma noite desastrosa. Entre tantos copos, as garotas saíram de lá vendo não só fadas verdes, mas também gnomos, unicórnios e todo tipo de criatura mágica.

A morena olhou-se no espelho: estava visivelmente doente. Tinha olheiras fundas, o rosto pálido e seus lábios – antes rosados – agora apresentavam um tom bege-estou-de-porre. Como se não bastasse, o que um dia já fora seu cabelo, agora resumia-se à um emaranhado castanho denso, grudento, cheirando à cerveja e cigarro. Ela mais parecia um personagem saído do videoclipe Triller do que uma mulher.

“Tenho que dar um jeito nisso” – pensou, enquanto abria a torneira. Deixou a água farta correr por entre seus dedos, molhando o rosto e pescoço. Dali a algumas horas teria que estar no Ministério trabalhando e esperava-se que, como Chefe do Departamento de Jogos Mágicos, estivesse, pelo menos, apresentável.

O quarto dela, no geral, estava um caos. Em algum momento entre chegar em casa tropeçando nas coisas e pegar o pijama para dormir, Rebeca havia conseguido derrubar metade dos ternos nos cabides e deixar a gaveta de calcinhas cair de ponta cabeça, espalhando a lingerie por todo lado. Ela não sabia ao certo como chegara em casa, mas chegara. Aliás, parando para pensar naquilo por um momento, lembra-se vagamente de ser amparada por alguém ao subir as escadas até o quarto. Alguém familiar

Com cuidado, apanhou um terninho verde musgo com uma blusa branca que ainda estavam apresentáveis, pegou uma calcinha limpa que estava no chão com o pé e voltou ao banheiro. Se trocaria e com um pouco de maquiagem, daria um jeito no rosto.
 


Alguns minutos depois, saiu do banheiro, já arrumada. Era incrível o que um pouco de maquiagem podia fazer à uma mulher. Resolveu deixar os cabelos castanhos e molhados soltos, para variar. Ela adorava usar os cabelos assim, mais Érick, seu noivo e, dentro de duas semanas, marido, os preferia presos. Gostava dela mais séria.

Rebeca não ria muito com Érick, mas, pelo menos, ao lado dele sentia-se segura. Ele era do tipo sério, fechado. Vivia no trabalho e eram raras as vezes em que se falavam durante a semana. Era também, um homem com dupla personalidade: bruxo, que optara por seguir carreira no mundo trouxa, onde o pai era sócio de um jornal com grande circulação na Inglaterra. Ainda que sua vida fosse corrida, eles tinham os finais de semana e feriados juntos, quando não aparecia alguma reunião. Mas isso não a incomodava. Para ser sincera, ela podia dizer que não sentia falta dele. Era livre e sentia-se dona de seu nariz, independente de qualquer homem: isso lhe trazia segurança, algo essencial em sua opinião.

“É esse tipo de relacionamento que procuro”– pensava, todas às vezes que alguém questionava o futuro do relacionamento –“Assim tenho certeza de que não sofrerei por amor. Nunca mais me sentirei de pés e mãos atados. E não estarei sozinha também”.



A casa de Becky ficava na área bruxa de Londres. Era uma casa bonita, razoavelmente grande e bem aconchegante. Os ambientes eram sempre bem iluminados, decorados com tons de pastéis, dando um ar de calmaria e serenidade.

– Pensei em chamá-la, mas achei que deveria descansar. Venha, o café está na mesa. – a mãe chamou, colocando uma travessa de frutas sobre a mesa farta. Por um segundo, Rebeca estranhou a mesa estar tão arrumada sendo que apenas as duas tomariam café. Sua mãe sempre fizera mais o tipo "Coloquei um bule na mesa, duas xícaras, pão e manteiga. E se quiser mais alguma coisa, pegue você mesma". Mas a mesa daquela manhã estava especialmente caprichada. Ao que tudo indicava, estava pronta para chamar a vizinhança inteira para o café e isso a fez sorrir: se sua mãe estava preocupada em montar um banquete matinal, não a encheria com perguntas bobas sobre quantas doses de margaritas tomara. Se sua mãe estivesse distraída, ela conseguiria escapar da “seção tortura” matinal.

– Obrigada mãe, mais já vou. Tenho muita coisa para fazer hoje…


– Deixe-me ver isso. – ela interrompeu, aproximando-se da filha – Vomitou de novo? – a voz da mãe soara séria, daquela forma séria com a qual as mães falam antes de começaram um discurso qualquer. Becky respirou fundo e concentrou-se em não surtar naquele momento, permitindo que sua mãe puxasse o canto inferior de seus olhos, examinando-os.


– Mais duas vezes. – respondeu, omitindo que também estava com muita dor de cabeça. Na verdade, parecia que haviam hipogrifos trotando dentro de sua cabeça.

– Acho que não deveria sair. Vamos, coma alguma coisa…

– Ah, não. – desta vez, foi a vez dela interromper a conversa – Só o cheiro dessa comida já me causa náuseas. E eu estou muito atrasada. – protestou. – Não sabe como o cheiro da maquiagem está me fazendo mal e…

– Rebeca! Você não está… – a mãe interrompeu novamente, olhando-a de uma forma investigativa, escorregando os olhos castanhos e estreitos como um felino à espreita até o ventre da garota. Estranhamente, toda mãe cismava que a filha estava grávida quando sofria algum mal-estar. Constatar aquilo fez a moça a fitar de forma descrente.


– NÃO MÃE, QUE ISSO! – respondeu, incrédula. Rebeca pensou em argumentar a seu favor, mas a mãe foi mais rápida.


– Desculpe.. Mas também, agora não tem importância. Se casa em duas semanas mesmo – concluiu, dando de ombros enquanto voltava para a mesa.


Aquela atitude fez a jovem relaxar. Uma discussão àquela hora não seria uma boa idéia. Não com sua cabeça explodindo como se tivesse sido atingida por um balaço à cada passo que dava. 


– E quanto ao Érick, falou com ele sobre o buffet? - a mais velha começou, sentando-se à mesa.

– Ainda não, mais vamos almoçar juntos hoje. Trataremos desse assunto…

– Se ele tiver tempo para você, claro. – a mãe completou, sentando-se e puxando o bule de chá, com pose de dona da razão. Bingo. A seção tortura havia começado.

– Mãe! – a morena protestou novamente, revirando os olhos nas órbitas – Você sabe que ele é muito ocupado, só isso. Coitado, pára de implicar com ele!

A mãe olhou-a por cima dos óculos retangulares e colocou o cabelo preto para trás. Ao contrário do marido Jhonatan, Sue e Rebeca eram brasileiras. Sue havia nascido no Brasil por acidente. Seus pais – escoceses orgulhosos – estavam em uma excursão pela Amazônia quando uma jiboia atacou a esposa que, com o susto, acabou apressando o parto. Assim, Sue nascera brasileira e fizera questão de que a filha também o fosse.
Ao contrário disso, Jhon, como era chamado, nascera no condado do Surrey, em um pequeno vilarejo à apenas 40 minutos da agitada Londres. Em oposição a esposa, não era de uma linhagem bruxa, mas foi convocado à Hogwarts no mesmo ano em que os pais de Sue aguardavam a tradicional carta para a escola escocesa.


– Você sabe que nunca fui a favor desse casamento, Rebeca. Ele não tem tempo para você. Não vão ficar muito tempo juntos e, além do mais, para casar é fácil. Depois, quando quiser se separar, vai demorar anos. Sabe como é a burocracia trouxa.  – ela recitou o velho sermão, fazendo a jovem revirar os olhos nas órbitas.


“Merlim, como ela consegue continuar a repetir isso mesmo depois de todos esses anos?” – pensava, inquieta. Para a sorte de Sue, Becky não estava mesmo em condições de discutir. Desta forma, optou por uma saída rápida.


– Mãe, não vou discutir isso com a senhora, não de novo. Estou atrasada... Mais tarde conversamos. Amo você! – as palavras saíram atropeladas, quase que ininteligíveis. Dizendo isso, beijou a mãe e aparartou antes que ela pudesse impedí-la.

Sue repousou a xícara com elegância sobre o pires de porcelana e sorriu, da mesma forma com a qual as mães sorriem, como se soubessem de algo que não sabemos.

– E você, aceita uma xícara de chá, querido? É o mínimo que posso fazer por trazê-la para casa em segurança ontem à noite. – comentou com simpatia, girando o rosto em direção à cozinha. Um homem alto de olhos verdes voltou, trazendo consigo uma fornada fumegante de bolinhos de abóbora. Ele os colocou de forma meio desajeitada sobre a mesa, parando para arrumar os óculos de armação redonda no caminho. Sue apressou-se a encher outra xícara até a borda, ignorando o fato dele ainda não ter aceito o convite. Em seguida completou – Venha, sente-se Harry. Temos muito a conversar.

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