Prólogo



Prólogo


 


Tick...


Tick...


Tick...


O ouvido já havia se acostumado com o som da água caindo sobre o chão de pedra fria. Se quisesse dormir naquela noite, o ruído não seria mais uma tortura. Naquela noite, em especial, não havia gritos vindo do corredor da masmorra. Silencioso demais.


Tick...


Tick...


Tick...


Semanas antes ela daria tudo por uma noite daquela, onde pudesse ter ao menos paz para seus ouvidos, dormir e esquecer o medo. Mas agora já não sentia mais medo, não sentia mais incômodo na masmorra fria, e jamais poderia sentir-se em paz novamente.


As correntes estavam cada dias mais largas ao redor dos tornozelos ossudos. Seus cabelos estavam immundos, emaranhados, fétidos. O vestido havia se transformado num trapo encardido, apenas para cobrir o corpo. Havia sido despida à força tantas vezes que a vestimenta não mais lhe importava.


Apenas uma luz turva, cinzenta e enevoada atravessava as grades da janela. A única vista que ela tinha para o exterior era alta demais para que ela pudesse visualizar qualquer coisa do lado de fora. Havia sido trancafiada ali com seus temores e aflições. Mas nada mais ali a afligia, nada poderia fazê-la temer mais nada. Saber que seu tempo estava contado, a fazia se sentir livre.


Só um sentimento a preenchia naquela noite. O ódio que sentia a enchia de liberdade. Só ele lhe havia restado. As lembranças do que vivera antes dali havia sido selecionadas. Em sua mente apenas as que a haviam levado até ali sobreviveram. A cada hora, a cada segundo, apenas ódio a mantinha viva. Apenas aquele sentimento queimava-lhe as víceras na cela fria e úmida. Havia se agarrado a toda a dor e humilhação que havia passado. Havia alimentado aquilo dentro de si. E só se sentiria plena quando sua sentença fosse cumprida e as chamas queimassem também sua carne assim como aquele ódio lhe queimava as veias.


Um sentimento poderoso. Ela sentia as paredes vibrarem enquanto alimentava pensamentos prazerosos e cheios daquele sentimento deliciosamente obscuro. Sangue mágico ainda corria em suas veias e ela sentia toda a sua magia se moldar ao seu novo eu dentro daquela masmorra. Era como se algo dentro dela estivesse só aguardando para explodir e ela iria alimentar aquilo até a hora certa. A hora em que sua carne tivesse virado cinzas debaixo do crucifixo daquela religião trouxa. Ela iria apenas esperar. Ódio... Ódio... Ódio...


Tick...


Tick...


Tick...


 

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