Sirius



E aqui estou eu, novamente, seguindo o mesmo caminho que quase todas as noites rumava após o sono de meu marido chegar. Uma única coisa, ou melhor, uma pessoa, seria capaz de me trazer até aqui tão tarde assim. Só ele poderia me trazer até essa maldita Ordem da Fênix, que só tem uns traidores de sangue, uns mestiços imundos e uns sangue-ruins nojentos que acham que são sem dúvida alguma melhor do que meu Lord das Trevas.



         Não sei e nunca soube como meus pés eram capazes de me trazer até aqui, simplesmente não conseguia controlá-los e era sempre inevitável. Quando me dava conta, já estava batendo à sua porta. Precisava ficar perto dele e não gostava da ideia de me afastar por mais que fosse a decisão mais correta a ser tomada. Subi as escadas enquanto a chuva lá fora continuava a cair lenta e violentamente trazendo consigo lembranças que prentendia esquecer, provavelmente, para sempre.



         Me lembrei de uma vez em que tomamos um banho de chuva por causa da sua teimosia; recordei dos beijos que nós costumavamos trocar às escondidas depois do jantar e dos tantos "eu te amo" talvez sinceros que saiam dos seus lábios com uma certa facilidade... Aquilo era doloroso demais para mim, embora soubesse que meu coração sempre pertencera à ele e que ninguém, nem mesmo meu marido, seria capaz de obtê-lo.



         A cada passo que dava em direção à escada, meu coração acelerava e a chuva que caia teimosamente lá fora parecia acompanhar o ritmo dele. Como todas as vezes, me sentia nervosa a ponto de quase tropeçar em algum degrau.



Sentia bastante nervosismo por sentir medo de ser pega por algum membro da maldita Ordem, ao mesmo tempo em que estava inquieta por ter certeza de que em algum lugar lá de cima, ele me esperava.



Me sentia temerosa por meu marido acabar descobrindo sobre o que se passava aqui; esperançosa por achar que poderia ouvir mais um "eu te amo" vindo da única pessoa em que fui capaz de amar durante toda a minha vida. Estava deplorável por não conseguir fazê-lo feliz justamente por que sua felicidade dependia da minha, sendo que eu mesma não estava me sentindo tão feliz assim nesses últimos anos...



          Parei em um degrau perto da janela, resolvi me sentar um pouco e apreciar a chuva por alguns instantes. Ele iria me esperar fosse o tempo que fosse... Assim como eu o esperaria também.



         Algum dia ainda iríamos nos entender, e finalmente acabaria com meu casamento com o traste que chamo de marido. Nós poderíamos nos casar... Ter filhos não, pois não sou do tipo maternal e já somos velhos demais para isso, mas por ele até adotaria uma criança... De preferência a menos irritante possível.



         O barulho de gotas batendo na janela acabou mandando meus pensamentos para cada vez mais longe. Agora me lembrava de cada pequeno detalhe que vivemos nessa droga de casa velha e quase abandonada... Acho que os piores de todos foram os dias em que comuniquei à ele o meu noivado e o dia que realizamos o meu casamento aqui.



Talvez pudéssemos ter feito as coisas de forma diferente... Eu podia ter rejeitado o pedido de casamento, podia ter simplesmente fugido antes de dizer sim, ou quem sabe até ter ido embora com meu moreno antes de minha mãe me empurrar para cima de qualquer um.



Sim, pois meu marido não passava de qualquer um com dinheiro... Com muito dinheiro e um sobrenome útil, além de ser sangue puro, o que era muito conveniente para todo mundo. E era disso que minha mãe gostava, principalmente quando se tratava de criar laços.



Talvez se eu realmente tivesse fugido, quem sabe agora estivesse sendo mesmo feliz e amada por quem eu queria e que me queria muito também... O que o moreno sentia por mim era verdadeiramente real, coisa que ninguém mais poderia me oferecer durante tantos anos assim, principalmente depois de tudo o que fiz.



Mas não posso reclamar do que tenho hoje... Sou casada com um homem que fez de tudo para me conquistar, me deu joias, dinheiro, coisas que nem mesmo meu quase amante poderia me dar. E meu marido me amava, do seu jeito torto, mas amava. Isso provocava ciumes em muitas outras mulheres tão ambiciosas quanto eu.



Fosse como fosse, nosso casamento era de fachada. Sempre foi e vai ser uma pura enganação por dinheiro, poder e ambição já que me casei com ele também por causa dos ideais que acreditava e acredito e por ser conveniente na hora de proteger meu antigo amor de infância. Fora que minha mãe iria infernizar minha vida se soubesse do meu caso com o outro... Queria mesmo preserva-lo, então me casei. De qualquer forma ela não ia descançar enquanto não me casasse com alguém a altura.



Rodolfo até poderia me amar, mas ainda assim só estava interessado em me exibir como um lindo troféu na prateleira dele. Assim como eu estava apenas interessada em esfregar na cara alheia que consegui tudo o que sempre quis, mesmo sem todos saberem que tive que fazer sacrifícios para isso...



Eu amava o Sirius, sabia que minha mãe não ia deixar que ficássemos juntos simplesmente por sermos primos, e menos ainda por ele não ter onde cair morto. Fora que mesmo sendo sangue-puro, o moreno não tinha boa reputação graças às pessoas com quem andava. E me casando com Rodolfo, Six não seria alvo de ninguém por minha causa... Poderia proteger a mim e ao meu amor.



Com dinheiro e os comensais da morte ao meu lado, poderia mantê-lo completamente protegido e isso me deixava de certa forma feliz. Mesmo que Sirius e eu nunca tivessemos tido os mesmos ideais e nunca concordassemos um com o outro, só queria poder mantê-lo longe das minhas sujeiras... Fora que nossas diferenças me fascinavam mais ainda.



E por mais bizarro que possa parecer e por mais que o amasse, sentia ódio do Sirius. Principalmente por ele ter me traído como forma de consolo a cada vez que brigávamos, além de sentir raiva de mim mesma por perdoá-lo.



Detestava ama-lo tanto a ponto de isso se tornar uma fraqueza para mim... Cada pequeno detalhe nele me irritava, e nunca acreditei que poderia sentir tanta coisa ao mesmo tempo por alguém. E  mesmo odiando, amando e sentindo raiva, sinto que seria capaz de matar por ele... De fazer qualquer coisa por ele.



Se pudesse abriria mão de tudo o que eu tenho hoje só para ficar com ele, só para sentir um gostinho da antiga paixão que tínhamos...



O problema é que sempre que ele tentou me convencer a fugir, eu desistia. Desistia pois não queria perder tudo o que poderia ganhar... Queria o dinheiro, o status, o meu lugar entre comensais da morte... Acho que no fim nunca podemos ter tudo o que queremos ao mesmo tempo.



Eu, Bellatriz Lestrange, me interesso por dinheiro, poder, prezo os sangues-puros e detesto os traidores de sangue, sangue-ruins e mestiços imundos... Amo meu Lord das Trevas quase mais do que tudo e acredito que ele sempre vai vencer; fora que fui criada para acreditar que amor não existe e felicidade pode ser comprada. Mesmo assim, me sentia estranha por conseguir amar alguém além de mim mesma.



         Já ele, Sirius Black, acredita que Dumbledore é o melhor, que sangues-ruins, traidores do próprio sangue e mestiços imundos são exatamente igual à nós, os sangues-puros, e que a vida é feita de escolhas. Ainda assim Six costumava pensar que eu pudesse ter salvação se escolhesse o lado certo, mas como sempre soube o que queria... Ele praticamente desistiu de me salvar da escuridão.



         Confesso que em certos momentos vejo em seus olhos um sopro de esperança... Ele ainda quer tentar. Ainda quer fugir. Ainda me quer.



         Continuei sentada no degrau da escada perto da janela até sentir que lágrimas corriam pelo meu rosto. Fiquei assim por mais dez minutos e no fim acabei subindo até seu quarto, onde tinha certeza de que ele me esperava anciosamente.



         A cada passo que dava era possível lembrar quantas noites Sirius me esperava, em seu quarto, deitado, observando a parede do teto dele que fora enfeitiçada com um feitiço simples para mostrar a estrela idiota que possuia seu nome, e ela é sem dúvida alguma a estrela mais brilhante no céu noturno... Pertencia à constelação cujo nome era Canis Major. Ou seja, nada mais e nada menos do que a constelação em forma de cachorro. Cachorro. Essa era a forma dele graças à animagia. Só o vi assim uma vez, e foi por acidente aliás.



         Eu amava e detestava o modo como ele sorria a cada vez que olhava para aquela parte do teto... Tão sonhador e pensativo. Provavelmente um lado dele que a maioria desconhecia.



         Odiava o modo como ele arrumava seus cabelos para parecerem propositadamente bagunçados e charmosos, pois isso atraia a atenção de muitas outras por aí. Mas ao mesmo tempo eu amava essa mania dele... Fazia com que parecesse mais sedutor ainda.



         Ah, fora que seus olhos azuis eram as únicas coisas que me fazia derreter embora detestasse isso também, pois era um sinal de fraqueza. Tenho que admitir que aqueles olhos me deixavam mesmo louca... Não que eu já não fosse. Sirius era pior ainda quando estava sem camisa, revelando seus belos e esbeltos musculos, um abdômen definido muito atraente e aquele sorriso metido no rosto. Como eu podia resistir? Não, simplesmente não podia, não queria e nem conseguia.



         Ninguém podia ser pior do que Sirius Black. Na verdade, acho podia sim... Eu sou.



 



Depois de andar mais um pouco, acabei parando enfrente a sua porta e tocando a maçaneta levemente.



O que seria que ele estaria pensando agora? Nessas horas, adoraria poder ser legilimens.



Quando girei a maçaneta e empurrei a porta, ela revelou um quarto com a decoração horrível da Grifinória, com alguns posters de mulheres um tanto... Deixa para lá. Fora aquele enorme brasão estupido que os grifinos tanto amavam. Foi quando olhei para a cama que me lembrei sobre o verdadeiro motivo de estar indo até lá a essa hora, depois do sono de Rodolfo.



Sirius se fora.



Eu o matei.



Matei por que precisava, o fiz por que sei que ninguém mais seria capaz de fazê-lo. E eu mesma não suportaria se outra pessoa o fizesse. Somente Belatriz Lestrange possuia o direito de ver aqueles belos olhos azuis cheios de vida, dor e rancor se esvairem para o nada. Ficarem sem brilho. Se apagarem como uma estrela sem brilho.



Me sentei em sua cama e peguei seu travesseiro. O perfume estava lá. O mesmo que se empregnava em meu corpo a cada vez que me deitava com ele. Pressionei meu rosto contra aquela fronha sedosa e senti seu cheiro. Era tão estranho entrar ali e ver aquela cama vazia, aqueles travesseiros sem seu dono...



Podia sentir sua presença ali. Tudo aquilo era parte dele afinal... Ele estava empregnado em mim também. Seu cheiro, mesmo fraco, estava esquecido e ao mesmo tempo presente no meu corpo.



Foi então que lembrei da noite anterior. Do modo como eu duelava ferozmente com alguns membros da Ordem da Fênix, da forma enlouquecedora como caçava Ninfadora pelos ares para matá-la... Do jeito como Sirius (que estava tão feroz naquela noite) atacou Lúcio. A forma como Rodolfo duelava com Harry (ou seria o contrário? Eu não saberia dizer pois estava voando atrás de Ninfadora), até que Malfoy foi atingido e escolhi me vingar por ele e por Narcisa.



Lembrei do último movimento e palavra do Sirius... Ele estava rindo quando foi atingido pelo meu feitiço. Seus olhos encararam os do afilhado. Não foram os meus que ele olhou, e nunca mais seriam os meus... Nunca mais seria eu e ele. O fato é que seu rosto se tornou frio, sem expressão e sem vida, enquanto seu corpo atravessava o véu e caía sabe-se lá onde. Six ainda foi capaz de trocar o nome do afilhado – Harry – pelo de seu melhor amigo –James – uns minutos antes de morrer.



Aliás, ele podia morrer chamando qualquer um menos eu... A mim Sirius não chamaria nunca mais. Seus lábios levemente carnudos nunca encontrariam os meus outras vezes.



Os berros de Harry Potter ainda soavam em minha mente assim como a música que cantei enquanto corria do garoto até o átrio, "eu matei Sirius Black, eu matei Sirius Black..". Queria me convencer de que ele estava realmente morto... Precisava me convencer.



Um sorriso brotou no meu rosto quando entendi que no fim das contas aquele era o melhor jeito de protegê-lo. Morto ele não poderia ser torturado por ninguém, nem mandado para Azkaban, ou até morrer na mão de outra pessoa não merecedora desse ato.



Ainda poderia encontrá-lo em algum outro lugar algum dia desses... E ele seria meu. Só meu.



Acho que o amigo repugnantemente lobisomem do Sirius tentou segurar o pirralho Potter. Evidentemente ele não conseguiu, e o garoto veio correndo até mim. Saí correndo em direção ao Átrio e comecei com meu mantra... “Eu matei Sirius Black, eu matei Sirius Black...”



O fato é que a última coisa de que realmente me lembro é de sair do Ministério enquanto Milord duelava com o velhote do Dumbledore. E agora eu estava aqui, sentindo a falta do único Black que nunca foi mesmo um Black. Sirius sempre foi diferente de todos nós... Ele valia a pena.



Eu sentia a falta dele, da risada, do sorriso, do corpo, das mãos quentes e bobas acariciando meu rosto, dos cabelos castanho escuros me fazendo cócegas e de todo o conjunto da obra. Sorte que seu travesseiro abafou meus resmungos e minhas lágrimas enquanto me lembrava de cada pequena coisa do meu Sirius.



MEU SIRIUS.



Até por que, se Sirius não morresse, ele nunca seria de mais nenhuma outra mulher de qualquer forma... Eu não deixaria. Seria capaz de fazer qualquer coisa para sabotar os dois. Mas confesso que me sentiria muito melhor se o moreno estivesse vivo, bem longe de mim... Assim poderia estar vivendo sua vida sem nada nem ninguém para atrapalhá-lo.



Sentia um misto de alegria por saber que ele acabaria sendo meu de qualquer forma, e de raiva por ter tido que matá-lo. Nunca mais o veria novamente. Ou pelo menos não viva... e não me importaria de morrer por ele. Sirius valia qualquer sacrifício. Sempre.



 Me sentia culpada por tudo isso, é claro, mas ainda assim foi melhor para nós dois. E eu sabia que ainda ia chorar sua morte por um bom tempo... Quase pude ouvir sua voz me dizendo para ir embora, pois Rodolfo acordaria a qualquer hora e eu devia estar lá quando ele o fizesse.



Quase pude vê-lo vestindo suas calças e me mandando pegar um cigarro para dividirmos, assim como dividíamos a cama, os nossos segredos e todo o resto.



Quase.



Quase mudei de ideia quanto a matá-lo.



Quase poderia saber o que teria acontecido se não tivesse atingido-o.



Certamente esse quase iria me atormentar pelo resto da minha vida.



         Sirius podia estar morto, mas eu tinha a certeza de que fosse onde fosse que aquele outro lado do véu daria, ele ainda estava vivo por lá. E algum dia me juntaria à ele e poderíamos ser felizes sem ninguém para nos julgar...



         Me levantei e deixei seu travesseiro no lugar. Fui até a sua escrivaninha e abri a última gaveta. Tirei de dentro dela uma foto nossa, de quando éramos adolescentes. Ele estava todo sorridente me abraçando pelas costas, enquanto eu ria de alguma besteira sua... Dobrei-a e guardei entre minhas vestes. Sei que com a morte dele, muitas coisas vão mudar... Inclusive a posse da casa. Ela seria de seu único herdeiro vivo: Harry Potter.



         Se o garoto Potter viesse morar aqui, não gostaria que ele soubesse de meu passado com meu Sirius. Era melhor me apagar da vida dele, assim como havia apagado ele definitivamente da minha... E essa foto era uma das poucas provas de que o que aconteceu entre nós foi real. Ela devia ser minha tanto quanto meu moreno foi.



         Dei uma última olhada em seu quarto e memorizei cada pequena coisa em seu devido lugar. Depois disso, sei que nunca mais colocarei os pés nessa casa outra vez... Precisava me lembrar de tudo então.



         Desci as escadas, dei uma última olhada na casa que costumava ser minha também e juro que podia enxergar Sirius em cada pequeno lugar. Junto dele, podia enxergar uma versão mais nova minha. Sabia que eles iam me assombrar para sempre, me deixar na dúvida cruel do que teria sido se eu tivesse recusado Rodolfo, fugido com Sirius em uma das inúmeras vezes em que ele me propós tal ato... Mas essas coisas ficavam melhor assim: mortas tanto quanto meu Black.



         Fosse como fosse, logo Rodolfo sentiria minha falta e me procuraria até no inferno se fosse necessário. Abri a porta sem nem olhar para trás, e quando passei dos limites da propriedade finalmente pude aparatar.



         Cheguei em casa, na minha casa, e subi os degraus da sala. Quando cheguei no nosso quarto, me deitei ao lado de Rodolfo logo depois de ter colocado minha camisola preta preferida. Preto sempre fora minha cor preferida, mas hoje tinha um significado diferente...



       Ele, mesmo não sendo quem eu queria que fosse, virou-se para mim e sussurrou fracamente:



         - Não conseguiu dormir? - Perguntou enquanto ajeitava seus cobertores.



         - Sim, quero dizer, não... Não consegui dormir. Fui dar uma volta pelos jardins. - Menti enquanto virava-me para o lado oposto ao dele.



         - Durma.. - Sussurrou ele e logo em seguida caiu em um sono profundo.



         - Como eu vou conseguir... Como eu consegui? - Sussurrei à mim mesma enquanto sentia as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, sabia que para sempre ia sentir a falta do meu amor, mas alguma hora ia acabar me acostumando.



         Adormeci com seu sorriso grudado na minha memória. Seu perfume impregnado no meu nariz. Com uma cicatriz marcando meu coração.



         Agora eu era dor e mais nada. Sirius tinha sido minha única luz, e agora que ela se apagara... Não tinha salvação para mim.


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