Defeitos de Personalidade

Defeitos de Personalidade




Se eu me lembro bem, tudo aconteceu em um domingo durante as férias de verão. O tempo estava extremamente quente para os padrões londrinos, então decidi fazer algo diferente naquele dia em especial - pensei em, só para variar um pouco, fazer uma caminhada no parque que havia perto de casa.


Eu ficara as férias praticamente inteiras enlatada em meu quarto, virando e revirando as páginas dos meus livros escolares para revisar todo o conteúdo que já fora passado durante o último ano letivo e para adiantar um pouco o que veríamos neste novo semestre.


Meu pai revirava os olhos, mas creio que, no fundo, ele estivesse orgulhoso da filha que, segundo ele, havia puxado o cérebro da mãe; meu irmão de quatorze anos, Hugo, por outro lado, bufava pelos cantos ao me ver enfiada em meu quarto e implorava para que eu fosse jogar Quadribol com ele e meus primos na casa de minha avó Molly. Acredito que, a princípio, minha mãe também tenha ficado orgulhosa por ver meu empenho nos estudos, mas depois de um mês sem ter feito outra coisa sequer, ela começou a se preocupar comigo.


– Rose, por favor, querida... Saia um pouco com seu irmão, vá tomar um ar fresco lá fora... Você já ficou tempo demais dentro deste quarto! Nunca te vi mais sem bronzeado na vida!


– Daqui a pouco eu vou, mamãe. Prometo. - Eu costumava dizer, sem sequer tirar meus olhos do livro de Transfiguração. Além disso, eu tinha mania de ficar mordiscando levemente a ponta do lápis e de ficar colocando minha franja que caía insistentemente em meus olhos para trás - eu nunca gostei de franjas compridas para o meu tipo de rosto...


No entanto, além de meu irmão e de minha mãe, ainda havia mais pessoas que vinham para perturbar meu momento de solidão, reflexão e estudo. Lily Luna vinha constantemente ver se eu continuava viva; às vezes, Albus vinha somente para me fazer companhia - como o ótimo primo que era - e ficava calado (muitas vezes, dormindo), encarando firmemente o teto de meu quarto; Teddy Lupin também fazia suas aparições, mas somente quando meu tio Harry Potter vinha junto, e entrava no meu aposento para bagunçar meus cabelos e tentar chamar minha atenção ao mudar a tonalidade dos dele.


Mas ninguém era tão chato quanto James Sirius.


James era o inferno em pessoa. Eu só costumava perceber sua presença quando era tarde demais - o que, por acaso, acontecia justamente quando ele abria minha porta com um estrondo tão forte que eu não duvido que a vizinhança inteira poderia ouvir. Além disso, em seus plenos dezessete anos, ele começava a pular em cima de minha cama para tentar alcançar o teto, desarrumando toda a roupa de cama; vinha para o meu lado e questionava todos os problemas que eu resolvia, todas as frases que eu grifava nos livros e cada anotação que eu fazia.


Não há outra forma de dizer a não ser esta: ele me enlouquecia. No sentido mais literal existente possível da palavra.


E foi exatamente por causa de James que eu resolvi descansar somente naquele dia. Pela primeira vez durante as férias, meus tios avisaram que estariam vindo e trazendo James junto de si (parece que Albus tinha algum marcado algum compromisso com um amigo e James insistira em vir junto). Quando minha mãe falou 'aproveite e saia com Jay, Al, Hugo e Lily', eu simplesmente não pude reprimir:


– Uhm... Na verdade, mamãe, eu já tenho planos para hoje.


Ela arregalou os olhos visivelmente. Nunca a tinha visto tão perplexa em toda a minha vida.


– Planos?! - Ela praticamente saltou de alegria. - Que tipo de planos?


Acho que ela queria que eu saísse a qualquer custo - até esquecera de Albus, Hugo, Lily e James. Senti-me um pouco culpada ao ver o quão preocupada ela estava...


Mas eu disse um pouco.


– Uhm... Eu estava pensando em dar uma volta no parque. Preciso esfriar um pouco a cabeça. Feitiços demais, você sabe.


Ela sorriu, os dentes brancos reluzindo.


– Oh, mas com certeza que eu sei! - Ela piscou. - Você irá sozinha, querida? Quero dizer, sem seu irmão ou seus primos? - Balancei a cabeça vigorosamente. - Ah. Bom, não há nada que eu possa fazer, certo? Afinal, já consegui tirar você deste quarto - talvez seja pedir demais que você leve alguém junto de você, eu acho.


Assenti.


É, com certeza, é pedir demais.


Principalmente se esse alguém for meu querido primo Jay, que é a principal causa para eu estar agora indo para aquele maldito parque. Só porque ele está indo para a minha casa.


Ah, me deem um tempo, por favor!


Fui chutando pedrinhas o caminho inteiro até o parque. Ele não era muito longe de casa - umas três ou quatro quadras de distância, eu diria -, mas, para uma pessoa que está tão enfurecida como eu, o caminho pareceu eterno. Chutar pedrinhas foi a terapia de última hora que eu mais precisava naquele momento.


Isso é, até eu, acidentalmente, acabar chutando uma bem na canela descoberta de alguém.


Abrindo um parêntese aqui, eu gostaria de esclarecer que eu não sou a pessoa mais coordenada do mundo, apesar de também não ser uma catástrofe ambulante. Quero dizer, eu já fiz parte do time de Quadribol - o que significa que alguma coordenação eu devo ter - mas acabei saindo para me focar nos estudos. No entanto, eu já era conhecida na escola não só por causa das minhas notas, mas também por conta dos inúmeros tombos memoráveis que acabei tendo em frente à multidões de alunos. Acho que isso já diz por si só que tipo de pessoa eu sou. Fechando parêntese.


Eu juro que não tive a mínima intenção. A não ser, é claro, que a pessoa fosse James - aí, sim, eu teria feito e ficado alegre por ter acertado o alvo. No entanto, a pessoa definitivamente não era meu primo. Em primeiro lugar, porque ela não tinha aqueles cabelos desgrenhados e de um tom de ruivo acobreado. Em segundo, porque os olhos da pessoa não eram castanhos como os de tia Gina. E, em terceiro e último lugar, porque eu sabia que meu primo não estava com ninguém.


E aquela pessoa, com a mais absoluta certeza, estava com alguém.


Mas eu não esperava que ela fosse a pessoa mais improvável de encontrar em um parque trouxa próximo de casa, ainda mais fazendo coisas estranhas com uma menina que eu jamais vira na minha vida, apesar de ser muito bonita. Quero dizer, com a aparência dela, eu poderia ser muito bem uma modelo... Ela tinha cabelos negros descendo lisos e como uma cascata por suas costas, um rosto fino e delicado que parecia ter a textura de uma pétala de flor, não muito alta e tinha olhos violetas. Violetas mesmo.


Eu continuaria encarando descaradamente a beleza da garota, invejando-a internamente, se não tivesse percebido antes de qualquer coisa aquela pessoa desprezível bem ali. Naquele momento, toda minha inveja pela menina-dos-olhos-violetas instantaneamente desapareceu. Simples assim — Puf!


Porque, debruçado sobre ela, prensando-a contra uma árvore, estava Scorpius Malfoy, com seu olhar gélido, superior e desprezível.


Como sempre.


Eu estaria mentindo se dissesse que a rivalidade entre nossas famílias teve alguma contribuição no ódio mútuo que nós sentimos. Ninguém ficaria surpreso se, no primeiro dia de aula do primeiro ano, uma Weasley e um Malfoy se digladiassem nos corredores de Hogwarts. Mas, todos ficariam extremamente chocados se vissem os mesmos Weasley e Malfoy andando lado a lado pelos corredores e conversando como se fossem amigos desde sempre.


Com Albus Severus Potter no meio, é claro.


E foi mais ou menos isso o que aconteceu no dia dois de setembro do nosso primeiro ano em Hogwarts. Eu, Scorpius e Albus éramos amigos. Sim, amigos daqueles que ficam grudados o tempo todo fora das aulas — isso se devia ao fato de eu ser corvinal e Albus e Scorpius sonserinos — e que, se não fosse pela pessoa mais razoável do trio, teriam se metido em diversas encrencas.


Tio Jorge e James ficariam tão orgulhosos...!


No entanto, posso dizer que eu debandei do trio. Para Albus e Scorpius, não havia razão alguma para isso. A única diferença entre eles, porém, é que Albus entendeu que eu queria ficar sozinha — embora não soubesse o porquê —, enquanto Scorpius ficara com ódio e guardara um rancor tremendo por eu tê-los “abandonado”, como ele disse.


Com o passar do tempo, ele passou a me irritar e a rivalizar comigo.


Como eu já disse, não sou uma pessoa coordenada motoramente. Sou péssima em qualquer esporte que não seja Quadribol — isso porque minha família praticamente inteira me obrigou a aprender para continuar com a tradição. Esse é um dos meus defeitos mais perigosos. Vocês sabem, eu posso acabar machucando alguém com todo meu desastre.


Mas eu não diria que esse é o meu pior defeito.


Oh, não. Com certeza, não.


O meu pior defeito é que eu não tenho a mínima paciência com pessoas que me irritam.


E Scorpius Malfoy me irritava tanto quanto meu primo James pulando em cima da minha cama feito um chimpanzé.


Principalmente quando ele mostra aquele seu sorrisinho medíocre.


— Ora, ora... Veja quem temos aqui, Linie... – A garota o olhou com os olhos indagadores. Certo, ela não era mesmo de Hogwarts. — É nossa querida Rose Weasley.


Rá! Querida é a vó!


— Digo o mesmo a você, Malfoy. – Franzo as sobrancelhas, encarando-o com o máximo de raiva que eu posso. Aquele garoto consegue despertar o pior de mim. Idiota. — Mas o que diabos você está fazendo aqui?


Ele arregala os orbes cinzentos, parecendo espantado.


Hipócrita.


— O que você quer dizer com isso, Rose? Que eu saiba, este parque é um lugar público e, portanto, eu posso muito bem vir aqui para, você sabe – Ele lançou um olhar estranho na direção da menina morena, que não notou. — me divertir.


Não aguentei. Explodi.


Eu disse que não era paciente.


— Seu nojento! – Exclamei, aproximando-me nervosamente dele. Peguei a tal de Line pelo pulso e a puxei para longe de Scorpius que, desta vez, realmente ficou surpreso, encarando-me como se não estivesse acreditando no que eu acabara de fazer. — Sangue-puro filho da mãe! Está se aproveitando da coitada da garota! Você é o pior de todos, Malfoy!


Então, eu fiz.


A cena passou rápida pelos meus olhos. Tão rápida que eu nem percebi. Quando vi, já tinha feito. A mão levantada. A ardência na palma. A marca vermelha surgindo nos rosto de Scorpius. Seu rosto, normalmente pálido, passando de pasmo para vermelho de raiva.


Oh-ow.


— Agora você conseguiu, Weasley! – O louro me pegou pelos pulsos com firmeza, puxando-me para perto de si e me chacoalhando. Em seguida, senti minhas costas batendo fortemente conta o tronco da árvore em que, antes, Line estava apoiada e minha cabeça girou com o impacto. — Sua pequena sangue-impuro... Você realmente conseguiu me irritar.


Mordi meu lábio inferior para não deixar escapar um gemido. Não daria aquele prazer para ele. De relance, pude ver a morena atrás de Scorpius, com as mãos em cima da boca, levemente aberta. Acho que ela nunca esperaria uma reação tão violenta do garoto. Então, sem mais explicações, ela saiu correndo.


Simples assim.


E eu salvei a maldita da lábia do porco aqui e ela foge.


Rose, você é uma pessoa boa demais para o mundo de hoje... Por que será que eu não fiquei em casa?! Nada disso teria acontecido se...


Ah, sim. James.


Tenho que me lembrar de matá-lo assim que eu voltar para casa.


Isso é, se eu já não estiver morta até lá...


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