Capítulo único





 


Conto da Barca do Inferno


Aquela era uma tarde tempestuosa. Não por seu tempo exatamente, afinal o céu estava tão azul quanto as águas do manancial mais puro, mas pela discussão acalorada que se dava na proa do navio que enveredava-se cautelosamente pelas águas pouco desbravadas da Escócia.


– Albus, é insano! – já se esgotava seu estoque de réplicas e justificativas diante da problemática daquela reunião – Ainda não compreendo porque você me omitiu o fato de que garotos que mal saíram das fraldas fossem se meter em algo que não lhes diz respeito.


– E como está tão certo de que isso não cabe a eles também, meu jovem? Você bem sabe que somente lá poderemos encontrar o artefato perdido para destruir as horcruxes restantes, visto que modos seguros para destruí-las são escassos, especialmente agora que o paradeiro da Espada de Gryffindor é desconhecido.


– Disso já sei, o que não compreendo é o porquê de os três irem conosco. Isso é arriscado mesmo para adultos, diretor! – e este riu da inquietação de seu pupilo. Seus olhos cintilaram sabiamente, como se pudessem contar uma história por si mesmos.


– Já ouviu falar de Excalibur, não, Severus? – Dumbledore quase pôde perceber o cérebro do professor diante dele trabalhando furiosamente, tentando estabelecer quaisquer relações lógicas entre as duas coisas.


– É apenas lenda, Albus, não... – o ancião espalmou a mão, e Snape silenciou-se imediatamente, permitindo-lhe que continuasse.


– Quando examinei o anel de Gaunt, que me rendeu isto – estendeu o braço e ergueu a manga de suas vestes, exibindo a dano em sua outra mão, enegrecida –, rastros poderosíssimos de magia me foram transmitidos. Um deles me chamou a atenção e me evidenciou que Tom tentou retirar a espada de Lacônia quando jovem. Ele procurava uma arma que o guiaria imensuravelmente como um líder poderoso e, para concretizar seu escrutínio da vida, ‘fabricou’ horcruxes, visando constituir sua imortalidade.


– Diferente de Excalibur, que tornaria Rei aquele que a retirasse da rocha, a Espada de Lacônia nunca recebeu qualquer ser humano, bruxo ou não, como seu mestre! Mesmo alguns chegariam à insanidade pelo poder que o artefato irradia. Se o que você tanto defende é a verdade, ouso dizer que a maquiavelia do Lorde das Trevas se deu por causa dela. Ou vai me dizer que você tentou retirá-la também, tornando-se esse velho senil e de ideias tão alucinadas que o mundo conhece?


Dumbledore somente riu, divertindo-se com o humor sombrio do Mestre de Poções.


– Nunca ousei tocar a espada, tampouco tentei vencer as barreiras poderosas que habitam o local. Para entrar lá, necessitaríamos de alguém com a Marca Negra. Você, mesmo que já tenha sido descoberto como espião, ainda a guarda em seu antebraço e é nosso passaporte para lá.


– Você quer dizer que Magia Negra é o passaporte para o local, materializada na Marca. – não era bem uma pergunta – Não compreendo porque você se assegura de que se trata disso. E ainda não respondeu o que lhe questionei primeiramente: o porquê do Trio de Ouro seguir-nos nessa viagem.


Dumbledore repentinamente mudou a direção de suas vistas, postando-se contra a brisa suave que desarranjava os fios de sua barba tão alva. Severus percebeu um brilho diferente no olhar do velho homem que, mais nostálgico do que o normal, lhe explicou.


– Apenas um coração puro e o amor são capazes de despertar o poder da Espada para que reconheça alguém como seu dono. Assemelha-se à espada de Gryffindor, atendendo ao chamado daquele a que pertence por direito. A Espada de Lacônia me lembra do que Nicholas e eu visamos estabelecer para a Pedra Filosofal: um ser que, embora seja poderoso, transborde em ganância jamais conseguirá retirá-la da rocha. Lembra-se de Tom, que tentou usar Harry para conseguir a Pedra?


– Você e essas baboseiras de ‘um coração puro’. Isso não passa de fantasia, Albus!


– O que enfrentaremos não é um conto de fadas, mas vai além da nossa vã realidade, Severus.


Esta última frase encerrou o demorado diálogo, que visivelmente foi ganho pelo ancião, apesar das poucas conclusões e bases concretas sobre seu plano.


Deixando o – visivelmente pensativo – professor de Poções onde estava, Dumbledore foi reforçar alguns dos feitiços de proteção que se deteriorariam com o passar do tempo, como o que impedia que fossem vistos, um risco que não poderiam correr.


Uma hora depois retornou à proa, surpreendendo-se por ainda encontrar Snape ali, absorto.


– Algum problema, Severus?


Logo que foi retirado de seus devaneios, o professor sentiu-se no dever de averiguar:


– De acordo com nossas expectativas, as oscilações das águas se darão quando atingirmos uma pequena elevação em pedra no centro do Mar Báltico. Só não compreendo sua certeza sobre esse ser o ponto ideal.


– Fluidos como a água caracterizam-se como portais, isso é comum mesmo na intitulada ficção trouxa. É por esta razão que ela é o meio que nos transportará.


– E posso saber qual a diferença entre este mar e qualquer outro?


– O Mar Báltico é a maior zona de água salobra do mundo, pelo contraste entre os muitos rios e o Oceano Atlântico. Diria eu que é o cenário perfeito para uma zona de transição entre nossa realidade e o desconhecido.


– Ainda não estou convencido.


Dumbledore se divertia com o ceticismo do professor, mas explicou-se:


– Como lhe disse antes, meu garoto, o anel me permitiu enxergar, através de seus rastros poderosos de magia, um cenário muito parecido com o que encontraremos. Estaremos numa das regiões mais frias do globo também, uma conjuntura que desencorajaria muitas pessoas, para começar. É esta a intenção de quem deixou a espada ali: somente alguém com bravura para enfrentar barreiras e tenha boas intenções seria merecedor dela.


– Se é o que diz... – acenou rapidamente com a cabeça e saiu. Era sua hora de checar o Trio e também repassar instruções que recebera do velho diretor mais cedo.


Abriu subitamente a porta da cabine em que estavam, sobressaltando os três, que se silenciaram imediatamente ao tomarem a visão intimidadora do homem mais velho diante deles, mesmo que estivessem longe da escola.


– Descobri que o diretor os convenceu a participar dessa loucura sem lhes contar muita coisa e, ao que me parece, a tarefa de explicar-lhes sobre isso ficou para mim.


– Por que tem que ser logo ele, e não Dumbledore, a fazer isso? – Ron sussurrou ao ouvido de Harry. Hermione, que ouviu cada palavra, pisou com gosto o pé do ruivo, que tentou a muito custo disfarçar uma careta de dor.


Snape levantou uma sobrancelha ao anotar a interação dos amigos e prosseguiu, tentando ser o mais breve possível em sua fala:


– É provável que estejamos diante de um cenário repleto de realidades que nunca vivemos e que tenhamos vários imprevistos. Não importa o que nos aconteça, não poderemos voltar atrás, Dumbledore deixou bem claro. É hora de fazerem jus à Casa de vocês e enfrentarem seus medos, pois, acreditem, tudo virá com o objetivo de nos fazer desistir de nossa busca.


Após mais algumas instruções dadas pelo homem, Harry e Ron se entreolharam e o Mestre de Poções viu em Hermione um olhar que ele conhecia perfeitamente bem: ela queria perguntar alguma coisa, mas estava receosa em fazê-lo.


Acabando com o dilema da garota, ele mesmo deu voz a ela:


– Deseja saber algo, senhorita Granger? – sua voz parecia monótona, mas a verdade é que por dentro Severus apreciava imensamente sentir os olhos castanhos dela cravados em sua figura.


– Senhor, por que tantos desafios e a necessidade de Magia Negra para se chegar a um lugar em que somente uma pessoa de intenções puras seria capaz de tomar a espada?


– É uma pergunta que me faço constantemente, senhorita, e acredito que é por este motivo que o diretor reuniu pessoas tão diferentes em prol de um objetivo comum. A verdade é que não há maiores explicações. Minha conclusão é a de que quem quer que tenha alocado a espada ali não esperava que pudesse ser retirada. Ouso dizer que o desejo de seu criador era tornar impossível tal missão e que o poder do artefato morresse junto com ele próprio.


– E não é arriscado mesmo chegar perto dela? Eu me lembro de ter procurado sobre a lenda e...


– Correremos o risco. – ele interrompeu-a, para no segundo seguinte dar as costas aos gryffindors e deixá-los sozinhos.


* * *


– Por que viagens marítimas têm de ser tão demoradas? – Ron perguntou retoricamente, com um muxoxo. Já era o terceiro dia de contato com as águas do alto-mar e o tédio tomava conta da rotina de quase todos eles.


– Dumbledore foi claro, Ronald, não podemos usar a maior velocidade do navio, pois as proteções ficariam mais vulneráveis do que já estão. Em locais imóveis os efeitos dos feitiços são duradouros, já nós, que estamos em movimento, corremos mais riscos.


– Bispo na E-6. – Harry ordenou à peça que se movia automaticamente no tabuleiro de xadrez de bruxo, um dos raros passatempos que possuíam a bordo, para só então encontrar o olhar dos amigos – Temos realmente pouca coisa a fazer, mas a Mione tem razão. E lembrem-se do que o Snape disse: teremos muita ação pela frente e essa tranquilidade toda tende a ser interrompida logo, logo.


– Falando nisso, vou procurá-lo. – a bruxa já se levantava quando uma fala a interrompeu.


– Procurar quem?


Hermione revirou os olhos antes de se virar outra vez na direção dos dois.


– O professor Snape, Ron.


– Vocês têm passado tempo demais juntos, não acha? – o ruivo alfinetou, não muito satisfeito por perceber o quanto parecia aceitável para ela a companhia do Morcego – Rainha na B-1.


– Prefiro deixá-los jogar em paz e, sinceramente, passar algum tempo com ele não é tão ruim assim. Confesso que estranhei a aproximação inicialmente, pois não é de seu feitio agir assim comigo, só que minha opinião dele vem mudando conforme o conheço mais.


– Torre na C-3, xeque. – Harry exibia uma expressão divertida no rosto – Tem certeza de que nos referimos ao mesmo Snape?


– Não brinque, Hermione, estamos falando de um slytherin! – Ron completou a fala do amigo, mas em tom inconformado – Ele é o Seboso, o cara que detestamos desde que pisamos em Hogwarts pela primeira vez. – finalizou, como se estivesse explicando algo simples a uma criança que não compreendia bem o que estava sendo dito.


– Que vocês detestam, me deixem fora disso.


– Hermione, sabe do que está falando? Ele infernizou a sua, a nossa vida desde o primeiro ano! Já pensou na quantidade de pontos que o Snape retirou de nós, por exemplo? – Harry interveio, mais com inconformidade do que com exasperação.


– Fora de sala de aula ele é bem diferente. Claro que o professor não é o maior símbolo de simpatia do universo, mas ele é bem educado comigo, e o perfil sério combina mais com ele.


– Eu não percebi tanta mudança assim. – o ruivo fez uma careta – Continua o mesmo bastardo de sempre. – acrescentou em pensamento.


– Falo de verdade, garotos, ele é bem inteligente e não fica me olhando com expressão de interrogação quando discutimos sobre poções ou qualquer outro assunto. Falando nisso, vocês acreditam que uma das matérias prediletas dele era Aritmancia? Ah! E também conhece bastante coisa trouxa. Sabiam que ele gosta de...?


– Você está tagarelando. – Harry tentou melhorar o clima daquele diálogo, se divertindo com a fala entusiasmada dela.


– Meu palpite é o de que ela está enfeitiçada, sem contar que o Snape pode ter feito uma poção para que a Mione tomasse. – foi a vez de Ron soltar uma piada – O que você arrisca, Harry?


– Não seja idiota! – bufando, e insatisfeita com o novo rumo que a conversa tomou, a bruxa cruzou rapidamente a saída, batendo a porta com força e deixando um Harry chocado e um Ron atordoado para trás.


Ela já se preparava para ir até a popa do navio quando se deparou com olhos negros zombeteiros fitando-a a meia-distância.


– Briguinha de namorados, senhorita Granger? – o professor, com seu humor sempre afiado, provocou-a.


– Ai, meu Deus, você ouviu tudo? – Hermione se desesperou – E nenhum deles é meu namorado. – concluiu em voz baixa, quase inaudível.


– Na verdade não sei o teor da discussão – ele escorou-se lateralmente no mastro do navio, cruzando os braços enquanto a observava –, mas o ruído da porta sendo fechada foi tudo menos discreto.


Ela corou visivelmente.


– Sinto muito.


Ele fingiu que não ouviu isso. Gryffindors e o sentimentalismo desagradável de se desculparem por uma bobagem qualquer.


– A senhorita me acompanha? – ele sinalizou na direção da lateral direta do navio, para que caminhassem juntos por ali.


Ela concordou e passaram a andar timidamente, apenas o rangido da madeira desgastada era ouvido, além do sopro de vento frio do começo de noite e das águas oscilando enquanto desbravavam o oceano azul.


– A senhorita...


– Eu... – disseram em uníssono.


– Damas primeiro.


– O senhor dizia? – as falas se embaralharam outra vez e Hermione riu gostosamente. A garota, entrementes, não foi a única a se divertir com a situação embaraçosa em que se encontravam e o viu erguer os lábios finos a um canto, num sorriso sem dentes.


Enxergando melhor as feições moderadas de seu professor, ela pôde notar que ele parecia bem mais relaxado agora que estavam distantes da Escócia. A rotina tripla de espião, Comensal da Morte e professor deveria exigir muito dele antes. Olhando por esse ângulo, era até compreensível o porquê do estresse que o atormentava nos últimos anos.


Snape também prestava atenção em sua ex-aluna, enxergando o quão madura era para a idade que tinha. Os cabelos castanhos estavam soltos e ela repetidamente os afastava do rosto quando uma rajada de vento desordenava-os. Isso sem contar seus olhos vivos, que propagavam uma sabedoria incomum.


A temperatura conseguia ficar ainda mais baixa depois do pôr do sol, mas nenhum dos dois parecia querer sair dali. Para ambos, mesmo a presença silenciosa conseguia ser agradável.


– Imagino como seria se nós tivéssemos vindo durante o inverno. – Hermione, já de costas para Severus e diante da visão ondulante das águas, comentou aleatoriamente, tendo os braços em volta do próprio corpo para tentar se aquecer. Em vão.


O homem deu alguns passos à diante, parando imediatamente atrás dela. Ele contornou de maneira singela a silhueta feminina com sua capa, e Hermione pôde sentir o perfume amadeirado e o calor agradável que desprendiam do tecido.


Snape demorou as mãos nos ombros da bruxa por mais alguns segundos antes de desaparecer sem dizer uma palavra, deixando-a devaneando sobre as tantas faces escondidas que seu ex-professor possuía e sobre o quanto estava gostando de desvendar cada uma delas.


* * *


Já se completava praticamente uma semana de viagem para eles. Era uma madrugada calma, e o restante do dia caminhava para o mesmo rumo.


Hermione estava na proa, lugar que ela acabara adotando como seu, sempre presentes ali seus pensamentos e raciocínios sobre o que os aguardava, além de costumeiras leituras de livros. Gostava de sentir o vento e ter a falsa sensação de liberdade que os cômodos ditos mais confortáveis nunca seriam capazes de trazer.


Na verdade, todos do navio já haviam encontrado lugares em que se sentiam mais à vontade. Harry e Dumbledore no convés, sempre compartilhando orientações ou praticando novos feitiços. Ron se sentia ainda mais enjoado vendo o mar, o que o forçava a se trancar em seu quarto com seus sapos de chocolate ou a ir a algum salão vago se divertir com alguma das Gemialidades Weasley que trouxera consigo.


Já Snape sempre era visto perambulando por entre os muitos cômodos proporcionados pela magia, independentemente do tamanho exterior que uma localidade aparentasse. Hermione não tinha certeza se era para sempre estar em posição de vigia, ansiedade ou inquietação. Talvez os três. Só sabia que não importava onde ela estivesse, se ele a procurasse para conversar sobre qualquer assunto, iria encontrá-la.


A proa era um ótimo lugar para visualizar a aurora boreal, um evento tão belo e excepcionalmente mágico que somente a oportunidade de vê-lo já havia valorizado a viagem. Tinha que acordar bem cedo e enfrentar o frio que a região sugeria para contemplá-la, mas não se importava. Nunca teve grande facilidade para dormir, tempo que usava para estudar as mais diversas informações, e – embora um tanto cruel – o frio era uma boa companhia.


Um pequeno período de tempo passou com Hermione olhando para o mar, sem realmente vê-lo. Imaginava o que teriam pela frente e se todos voltariam vivos. Só parou de pensar no assunto quando começou a enxergar na superfície um grupo de cisnes negros nadando calmamente em direção ao navio, que, mais do que nunca, parecia grande demais para apenas cinco pessoas.


Não só a cor dos animais lhe chamou a atenção, mas também o fato de aquele não ser seu habitat. Podia ser algo de sua cabeça, porém Hermione começava a acreditar que eles realmente a encaravam fixamente. Era uma hipótese estranha, mas que não lhe causou maior temor, cisnes eram animais inofensivos, não poderiam machucá-la.


A distância que eles mantiveram foi suficiente para que não se chocassem com o casco da embarcação, mas aquele comportamento era esquisito, pois as aves prefeririam manter-se afastadas de um organismo estranho e não se aproximarem enquanto ele não invadisse sua área. Ainda assim, o realmente inesperado aconteceu logo depois.


As asas dos cisnes se transformaram em cavalos alados enquanto suas cabeças e pescoços modificaram-se até tomarem as silhuetas das mulheres que os montavam. Em questão de segundos a paisagem foi modificada. Eram as mais belas criaturas femininas que Hermione já havia visto, vestidas de armaduras de guerra, assim como os instrumentos que carregavam.


A primeira a falar foi a que parecia liderar o grupo, com olhos sérios e cabelos castanhos.


– Nós, as valkírias, mensageiras de Odin, a recrutamos para seguir conosco e participar do Ragnarok, ajudando-nos a defender Asgard na batalha final.


– O quê? Isso não é possível! As valkírias só recolhem grandes guerreiros que acabam por sucumbir em batalha e não pessoas que têm vida pela frente.


– Não reparou na aurora boreal? Éramos nós enviando mensagens, e o que elas diziam é que agora os vivos serão recrutados da mesma forma. Odin acabou por descobrir o futuro, sabe que irá morrer e decidiu mudar isso. Logo, humanos potencialmente poderosos servirão. E você é uma jovem guerreira, irá encaixar-se em nosso grupo com perfeição.


– Sinto muito, mas tenho minha batalha para lutar aqui, que é tão importante quanto a de vocês.


– Essa batalha não depende de você, nós sabemos. E essa é uma convocação, não um pedido. Seu futuro não se entrelaça com a ocasião de que fala. Você não é capaz de mudá-la, somente de morrer por ela. Nesse caso, estamos autorizadas a levá-la.


De alguma forma que Hermione nunca conseguiu compreender, sua mão se abriu, fazendo com que a varinha em sua posse caísse e ela não tivesse maiores chances de defesa.


Hermione gritou de surpresa quando seu corpo começou a sair do chão. Ela era levitada como se não pesasse nada e levada como uma boneca de pano sem vontade própria.


Seu grito acabou por avisar aos outros que havia algo errado. Os primeiros a chegar foram Ronald e Harry que, ao verem as mulheres, também gritaram em uma tentativa de avisar Snape e Dumbledore.


Sem terem certeza do que fazer, mas incapazes de abandonar Hermione, ambos começaram a lançar todos os feitiços que podiam sobre os cavalos e as valkírias. Elas apenas defendiam calmamente, não é qualquer feitiço de um mortal que seria capaz de machucá-las. Dumbledore chegou logo depois, seguido por Severus. O primeiro sabia quem eram, e mesmo sendo um dos maiores bruxos de todos os tempos precisava reconhecer que não poderiam impedi-las, apenas atrasá-las. Já o segundo não se permitiu chegar à razão, sabendo que se chegasse nada faria.


No entanto, os mais variados pensamentos em questão de segundos cruzaram a mente deste homem sombrio, só que contraditoriamente todos espelhavam o que sentia, instintivamente ou não, ao invés de desenrolarem-se na racionalidade que tanto o sintetizava.


Ele não podia deixá-la ir assim, não sem fazer alguma coisa. Ele só esperava que suas ações não fossem capazes de explicar ao mundo, sem palavras ditas, o que sequer ele conseguia reconhecer para si próprio: que enxergava Hermione Granger como mais do que uma aluna.


Sempre havia um álibi, porém: a desculpa de que, sem a garota, cumprir a missão deles se tornaria infinitamente mais difícil. Era tolo demais colocar a culpa em sentimentos quando algo mais sério estava em jogo. Ou assim julgava ele.


O professor correu em direção à Hermione, fazendo algo que os meninos não podiam fazer por não alcançarem e em que provavelmente Dumbledore não pensaria. Ele chegou próximo o bastante para pular, erguer-se no ar e segurar a garota pelo tornozelo. Em seguida alcançou-a pelos braços, até estar suficientemente perto para abraçá-la e cobri-la com sua capa, trazendo ambos à terra firme.


Snape nunca pensara que um dia fosse sentir algo parecido com gratidão por Voldemort, mais especificamente por ter lhe ensinado a ‘voar’, mas era inevitável não senti-lo agora.


Aquela não era uma reação esperada, mas as mulheres nada fizeram além de observar o que se desenrolava.


– Isso não estava na previsão. – sussurrou uma das valkírias para a de cabelos castanhos que parecia ser a chefe – E bruxos que voam por sua própria vontade não é algo que se vê todo dia.


– A previsão acaba de mudar. Essa menina irá sim modificar a guerra dos bruxos. Não diretamente, mas salvando a alma de um dos heróis que está destinado a morrer. – disse outra delas, de olhos preenchidos por um branco puro.


– Por que não a deixamos? Esse bruxo é bom o bastante para querermos entretê-lo em Valhala quando vier a falecer. – uma terceira valkíria contestou, sua voz cheia de malícia.


– Levá-la não é mais uma escolha, irmãs. Só podemos recrutar pessoas guerreiras, mas que não alterem com relevância alguma ocasião. Já não é mais a situação que temos aqui. – pronunciou-se a líder para as outras e, virando-se para o grupo que havia parado e observava sua conversa, proclamou sua despedida:


– O futuro transformou-se, a convocação foi retirada. Partimos em paz, boa sorte em sua jornada. – e, sem esperarem quaisquer respostas, deram meia-volta e voaram até não serem mais vistas.


– Nunca mais verei a aurora boreal da mesma maneira. – Hermione falou em um murmúrio, ainda coberta pela capa e junto ao professor.


– Bem, mais um final feliz. – disse Dumbledore, anediando sua barba.


– O senhor não iria fazer nada? – questionou Harry, encarando-o boquiaberto.


– Havia pouco que eu pudesse fazer. Raramente os deuses cometem o erro de criar mortais que possam vencê-los, e eu não sou um deles. Felizmente... Tínhamos Severus conosco. – e, dando um leve toque no ombro do professor e outro na cabeça de sua aluna, retirou-se. Precisava reforçar as proteções outra vez.


Quando percebeu onde permanecia, Hermione separou-se abruptamente, corando até a raiz dos cabelos, e juntou-se aos seus amigos, que a receberam com alegria.


– Acho que depois dessa merecemos alguns doces e uma cerveja amanteigada. – disse Ron, colocando uma mão na altura do estômago – Vamos?


Harry concordou e Hermione olhou para o professor antes de dizer se ia.


– Aceita uma cerveja, senhor?


– Eu gostaria apenas de ficar sozinho. – ele contrapôs, voltando à sua rigidez comum.


Ela balançou a cabeça afirmativamente, girando o corpo para ir para dentro com os meninos. Mal deu dois passos e logo se virou novamente, apercebendo-se do tecido negro que ainda a envolvia. Assim como quando a protegeu do frio antes, quando ele a pôs sobre seus ombros outro dia, num gesto estranhamente cortês. Lembrando-se do embaraço que foi retorná-la ao professor da última vez, resolveu agir de imediato.


– Muito obrigada. – Hermione aproximou-se e devolveu-lhe a capa, a expressão dele suavizando-se com cada gesto dela – Por tudo. – completou em voz baixa segundos depois. E, sem mais palavras, acelerou o passo para alcançar os garotos, deixando um Severus pensativo, surpreso e ainda capaz de sentir o perfume tipicamente feminino à sua volta, perturbando-lhe os sentidos.


* * *


O crepúsculo pincelava o céu em tons quentes quando uma névoa sem precedentes começou a envolver o navio, desafiando sua tripulação a enxergar qualquer detalhe que não o branco – motivo mais do que relevante para deixar todos em alerta.


A questão era como se uniriam sem causar grande alvoroço ou acidente. Foi pensando nisso que Hermione, junto à proa, acabou por ver de relance parte do que deduzia ser uma cauda.


Mesmo com os olhos nublados, não seria possível confundir a cor púrpura com um azul qualquer, e ela conhecia apenas uma criatura que poderia ter uma cauda púrpura quando assim o desejasse.


Sereias, pensou consigo.


Sabia que não eram criaturas confiáveis, tampouco benevolentes, o que fez com que o alerta em sua mente soasse ainda mais agudo. Precisava achar os outros, porém mal conseguiu dar dois passos quando uma forte luz a impedira de se mover.


Não havia somente sereias rondando-os, ela pôde notar ao olhar para cima, havia mais algo no céu.


Conforme a energia se dissipava, levando embora uma parte da névoa no local em que estava Hermione, um contorno feminino se tornava cada vez mais evidente. Não demorou muito para que estivesse próxima o bastante para que seus detalhes fossem visíveis.


Seria um anjo?


Seus olhos em um tom claríssimo de azul encaravam-na, refreando qualquer chance que ela pudesse ter de sair correndo, às cegas, à procura dos outros.


– Não sou anjo, sou fada – disse, lendo a dúvida nos olhos da garota –, e vim aqui avisá-los do perigo. Tenho uma dívida com o ancião deste navio e não vejo oportunidade melhor que esta de pagá-la. – completou, uma expressão séria emoldurando seu rosto de traços delicados.


– Que perigo? – questionou Hermione rapidamente – Existem sereias aqui, não existem? Elas pretendem nos fazer mal?


– Sim, a morada delas fica na região e, sinto muito, mas faz parte de sua natureza atrair os homens, especialmente os com poder mágico, para o mar. Você é a única mulher, logo é a única que não está em maior perigo. No entanto, há outro detalhe: o lugar para que vão em nada se parece com essas águas límpidas, prepare-se para tempos ainda mais difíceis.


– O que quer dizer? Como é o lugar? O que nos espera?


– Desculpe-me, gostaria de poder ajudá-la, mas o tempo é curto e você precisa ir.


– Ir para onde? Que tempo?


– A luz afasta a névoa, você vê. Corra e salve seu futuro enquanto é tempo, menina. – alertou, deixando nas entrelinhas o sentido verdadeiro daquela fala.


Hermione não entendeu o que a fada tencionava dizer, mas um instinto desesperado não a deixou perguntar, a fez correr com certo cuidado até chegar ao bordo do navio.


Logo viu as sereias, eram três. Duas tinham cabelos quase em chamas, a outra era loira. Mesmo que fisicamente diferentes, suas peles eram da mesma cor e os olhos dum vermelho intenso.


Eram realmente belas, mas Hermione não se prendeu à aparência delas por muito tempo, pois não pôde deixar de reparar na figura estendida no chão e em posição de quase tocar a lateral do navio para lançar-se nas águas.


Sorrateiramente se aproximou, agachando-se ao lado de Severus Snape, que estava concentrado demais nas criaturas à sua frente para notá-la. Isso a irritou, mais do que gostaria de admitir, e a fez encará-las com raiva incontida. Não que as sereias se importassem, apenas riam com graciosidade fingida ao continuarem a atraí-lo.


– Os homens a bordo não servem vocês, por que não vão embora? – tentou soar calma, mas não conseguiu que sua voz tomasse um tom que não fosse ameaçador. A loira somente a encarou, avaliadora.


– Nós decidimos o que queremos, não uma menininha. E vamos levá-lo, os outros também, então por que você não desaparece? – retrucou, com um sorriso confiante.


– Ninguém sairá deste barco. – disse, retirando a varinha do bolso.


– Tarde demais, ele já é nosso. – uma das ruivas se manifestou, começando a puxar o homem enfeitiçado pela gola da capa negra. Hermione foi igualmente rápida e sentou-se em suas pernas, impedindo-as de levarem o corpo inteiro de Snape para dentro d’água.


– Se é assim, não me deixam escolha. Estupore.


A sereia loira foi imersa com a força do feitiço, mas logo voltou para a superfície, desacordada. Percebendo o estado de sua irmã, as outras se transformaram. Dentes agudos surgiram onde havia um sorriso e olhos cruéis tomaram o lugar dos que transbordavam em encanto. Um grito agudo foi lançado, retirando Severus de seu estupor e fazendo-o voltar à segurança da embarcação.


Não demorou muito para que muitas sereias emergissem onde havia somente três, sede de destruição a proliferar-se por seus corpos.


– Você escolheu, garota. Se ninguém sai do barco, ele será afundado. – disse uma das sereias ruivas. Um calafrio percorreu o corpo de Hermione, que não se achava capaz de deter todas elas.


– Ninguém irá afundar nada. – disse uma voz grave vinda do convés do navio.


Dumbledore apareceu, juntando-se a um Severus desnorteado e sem reação e a uma Hermione em posição ofensiva.


O ancião não hesitou ao lançar um feitiço – o qual ela desconhecia por completo – em torno de todos eles. A garota não sabia o que acontecera, mas nenhuma sereia avançou em sua direção. Logo, uma a uma, elas começaram a desaparecer no fundo do oceano.


– As sereias não nos atacaram... Como? – sussurrou ao perceber que todas recuaram.


– Agora elas sequer nos veem – respondia Dumbledore com um sorriso –, preferiram aceitar que nossa mágica era poderosa demais para mexerem conosco.


– Devo minha vida a você, Dumbledore. Mais uma vez. Fui pego de surpresa por elas, bastou um olhar para eu fosse hipnotizado. – falou Snape, começando a se levantar para abanar a poeira das vestes.


– Está enganado, Severus, a senhorita Granger quem o salvou, eu não teria chegado a tempo, havia muita névoa. Agora devo voltar às instruções para Harry, se me dão licença. – com um riso de alguém que acabou de contar uma piada, ele se retirou, deixando uma situação constrangedora para trás.


Minutos se passaram com Snape olhando para o mar e Hermione para os pés, sem bem entender o que a fizera defender seu professor com tanto afinco. Só a lembrança de vê-lo sendo levado era capaz de incomodá-la, ainda mais por criaturas femininas tão atraentes.


– Ao que me parece, sua ajuda foi fundamental, Hermione, pois sem ela eu não estaria aqui. Então seria muito ingrato da minha parte não agradecer. – o professor comentou baixinho, despertando-a de seu transe. Bastou ouvir seu primeiro nome para que a jovem voltasse toda sua atenção a ele, fora o fato de que não era uma imagem muito comum a de Severus Snape mostrando sua gratidão a alguém. Menos ainda a ela, que imaginou o quanto lhe custava pronunciar aquelas palavras.


– Não é verdade, professor. O senhor me livrou nessa mesma viagem de um destino similar, agora estamos quites. – ela tinha seu olhar fixo no dele, e corou ao lembrar-se do que a fada lhe dissera. O rubor em sua face acentuou-se quando se lembrou de que bastava o contato visual para que ele invadisse sua mente, então resolveu despedir-se – Acho que devo ir agora.


Com passos apressados, ela o deixou sozinho outra vez. Uma vaga lembrança de uma luz que levaria ao futuro pairando onde antes estava uma jovem.


* * *


Já se completavam aproximadamente duas semanas com os cinco a bordo. Após mais alguns dias de calmaria insuspeita, o esperado enfim aconteceu.


– Albus! – gritou Snape, que estava no convés e segurava na mão esquerda um binóculo de lentes enfeitiçadas para se enxergar com maior alcance. Dumbledore, do lado de baixo do navio, estava em seu campo de visão e ouviu seu chamado, subindo, o mais rápido que sua idade permitia, para encontrá-lo.


– Algo de estranho, meu jovem?


– Conforme planejávamos, já estamos bem perto. Consigo enxergar elevações rochosas e águas mais oscilantes ao longe. Comunique aos três e proteja-os com escudos de magia, o resto fica por minha conta. – Snape parecia estranhamente calmo ao dizer isso, ainda que possuísse convicção do papel complicado que desempenharia em alguns minutos.


– Desfarei a proteção que impede que sejamos vistos. – o ancião comentou – O Guardião precisa dar-nos passe-livre caso queiramos prosseguir. Se chegarmos ao rochedo sem tal permissão, nos chocaremos diretamente com as pedras ao invés de atravessar o vórtice ali localizado.


Instantes depois o diretor já estava, na companhia do Trio de Ouro, de volta ao convés, de onde poderiam observar o desenrolar de tudo e com a possibilidade de auxiliar Snape, que ficaria exatamente na proa, caso ele se encontrasse em maiores apuros.


– Cuide-se. Tudo ficará bem, eu prometo. – Snape disse à Hermione antes de descer a escada que o levaria ao nível de baixo. A Dumbledore e aos rapazes ele havia dado apenas algumas orientações já compartilhadas com ela mais cedo, então aproveitou a oportunidade para tentar acalmá-la.


Hermione segurava-se na base do leme com inquietação. Nem a promessa que seu professor lhe fizera antes de ir serviu para amenizar completamente seu nervosismo.


A intensidade do vento aumentava drasticamente e o marulho, pelo choque das águas, já ressoava de modo mais apurado em seus ouvidos.


Dumbledore não demorou muito a erguer o escudo de magia que os guardava de ameaças externas, e manter-se em pé passou a ser uma missão muito mais complicada quando a embarcação passou a oscilar com o movimento feroz das ondas.


Quando o amontoado rochoso se tornou claro a olho nu, um vulto negro sem rosto visível destacou-se em meio às nuvens acinzentadas. As similaridades com um Dementador chegavam a ser assustadoras, embora o suposto Guardião fosse bem menor, possuindo o tamanho aproximado de um humano.


Snape permanecia separado dos demais, segurando-se com afinco nas extremidades do navio. Como não abriu mão de suas roupas pesadas, o aglomerado de tecidos negros esvoaçava atenuadamente, assim como seus cabelos da mesma cor.


Quando o perfil obscuro tornou-se sólido e mais claramente visível, uma voz estridente foi ouvida por todos a bordo, apenas com uma diferença: para Dumbledore e os garotos, nenhum som pronunciado fez sentido. Já Snape aparentava ouvir com clareza cada sílaba, pois se mantinha curiosamente compenetrado nos códigos transmitidos.


A Harry, que cobria as orelhas com as duas mãos, lhe veio a lembrança do Torneio Tribruxo e da pista do ovo, que só revelava-se quando imerso em água. O Menino-Que-Sobreviveu deduziu que o meio para se compreender a comunicação era a familiaridade com a Magia Negra.


Assim que a mensagem foi anunciada por completo, seu alvo parecia hipnotizado, para não dizer completamente abstraído da realidade que o rondava.


Severus não se movia, tampouco falava. Seu olhar vazio se fixava na criatura estranha que, logo após tê-lo inteiramente sob seu controle, o ergueu até que suas cabeças, embora não se possa dizer que a criatura possuísse exatamente algo parecido com uma, estivessem num mesmo nível.


Mecanicamente, o braço esquerdo de Severus dobrou-se para frente, permitindo ao Guardião acesso à sua Marca. Da manga negra direita das vestes da criatura despontou uma mão de seis dedos – com aspecto putrefeito, unhas enegrecidas e compridas – que no segundo seguinte tocava o miasma cravado magicamente na pele do professor.


Urros de dor foram ouvidos. Hermione conteve uma exclamação de surpresa e sentiu o coração palpitar numa atividade tão forte que cada batida parecia reverberar em seus ouvidos.


Por um momento esqueceu-se de que estava com seus amigos e Dumbledore e desejou correr para socorrê-lo, mas não possuía a menor ideia do que fazer. Foi quando ecoaram em seus pensamentos as últimas palavras que ele lhe disse: Tudo ficará bem, eu prometo. Esta noção curiosamente a acalmou a ponto de conter o tremor em suas pernas e seu ímpeto de ir até ele.


Os gritos de dor cessaram e deram lugar a uma língua estranha enquanto as mãos do homem e do Guardião se entrelaçavam numa saudação bizarra. Os lábios finos de Severus moviam-se enquanto por sua boca saíam palavras nem sempre audíveis aos demais, especialmente pela distância entre ele e o grupo.


– Que o infortúnio o acompanhe em sua busca, mortal. – uma risada sardônica – Espero, com muito gosto, vê-lo no inferno. – e, com um silvo frio e cruel de vento, o Guardião desapareceu.


O corpo, antes elevado a pelo menos dois metros do chão, caiu de volta na superfície de madeira com um baque violento. Hermione cobriu a boca com uma mão e reagiu antes dos demais, correndo até a figura largada de seu professor. Snape estava com os olhos invariavelmente fechados, mas a respiração inquieta e ofegante, confirmada pelo movimento ritmado de seu tórax, afastava os indícios de que o pior havia acontecido.


– Ele morreu? – Ron, com um semblante de horror, rapidamente aproximava-se com Harry da amiga, que estava ajoelhada ao lado de Severus. Dumbledore vinha mais lentamente atrás deles.


– Não comemore tão cedo, Weasley – o Mestre de Poções, com a garganta seca, respondeu por Hermione. O ruivo se sobressaltou ao ouvir sua voz rouca, mas manteve-se em silêncio. Prezava muito por sua integridade física para aborrecer duas vezes seu professor em menos de um minuto –, será preciso muito mais do que isso para que esteja livre de mim.


* * *


Após a embarcação cruzar o rochedo, o tempo parecia demorar mais a passar. Somente quando as águas começaram a ficar um pouco mais conturbadas, considerando a tranquilidade do mar desde quando ultrapassaram o vórtice, é que Dumbledore anunciou o que se tornou mais claro conforme navegavam.


– Está chegando ao seu final o primeiro episódio de nossa viagem, e quanto mais perto de nosso objetivo estivermos, mais dificuldades encontraremos pelo caminho.


Outro indício que relatava sua cercania ao destino se deu quando o barco pareceu atravessar um modelo de véu transparente que os tirou do dia iluminado e confortável, para levá-los, contrariamente, ao estado instantâneo de noite sombria.


Ao notarem a repentina escuridão, todos retornaram à proa para ver o que acontecia, e tudo o que podia ser visualizado era um contorno de ilha a uma distância ainda considerável do navio.


– Será que ainda há algum obstáculo para chegar até lá? – Ron foi o primeiro a se pronunciar, mas para ninguém em especial – Snape comentou, segundo o Guardião, que se não fosse pela pedra de Lacônia presa à proa, não conseguiríamos passar por ele. Já na ilha estaremos sem ela.


– Bem – respondeu Hermione –, já passamos por valkírias, um guardião, um vórtex e sereias com a vilania de demônios, e continuamos vivos. Depois disso não tenho ideia do que podemos esperar, só sei que iremos até o fim.


Continua...

Leia mais em: A Ilha da Noite Sem Fim (http://fanfic.potterish.com/menufic.php?id=45220)

Notas:


- O nome da fanfic deriva de ‘O Auto da Barca do Inferno’, de Gil Vicente, embora os enredos não sejam relacionados entre si.


- Para saber mais sobre dinâmica de fluidos (no caso, a água), vórtex/vórtices e portais, visite: http://pt.wikipedia.org/wiki/V%C3%B3rtice e http://en.wikipedia.org/wiki/Portal_(fiction) (em inglês).


- Lacônia é o nome de uma localidade grega, mais especificamente em Esparta. A Esparta Antiga era conhecida por produzir exímios guerreiros, fortes e inteligentes. Muitos consideravam os guerreiros espartanos imbatíveis. No jogo Phantasy Star (console: Master System / ano: 1987), Lacônia é um metal de similar força também usado em armas por sua resistência e poder, e é precisamente deste RPG clássico a referência para o metal que protege o navio e o material para a espada. A propósito, a decisão por usar um navio se deu quando, procurando casualmente referências do metal dentro de Phantasy Star, nos deparamos com este episódio histórico: http://pt.wikipedia.org/wiki/Incidente_Lac%C3%B4nia


- O mar Báltico banha Noruega, Suécia, Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia, Rússia, Polônia, Alemanha e Dinamarca, ocupando uma área de 420 000 km2. Isto significa que é a maior zona de água salobra do mundo, fato derivado não só da enorme quantidade de água doce fornecida por vários rios, dos quais se destacam o Vístula e o Óder, mas também do baixo fornecimento de água salgada através dos estreitos que ligam o Atlântico ao Báltico. A origem do mar Báltico remonta ao fim da Era Glacial, quando o recuo das massas de gelo fez emergir a Península Escandinava. Duas características se destacam: a sua relativa pouca profundidade e a baixa quantidade de sal presente na água, calculando-se ter apenas 1/4 do que é registrado nos oceanos, o que justifica a sua maior suscetibilidade para atingir o ponto de congelamento.


- Dentre as terminologias relacionadas à navegação estão: bordo (lateral do navio), proa (frente) e popa (parte traseira), entre outras mais comuns, como convés e mastro, que imaginamos ser de conhecimento geral.


- No enredo também existem das mais variadas criaturas, como é o caso das Valkírias. Estas participam da Mitologia Nórdica e são vistas como servas do deus principal, Odin. As Valkírias eram belas mulheres montadas em cavalos alados e armadas de elmos e lanças. Elas sobrevoavam os campos de batalha escolhendo quais guerreiros recém-falecidos iriam para um local onde aqueles que morreram com honra seriam recebidos, chamado de Valhala. Esse gesto era feito porque Odin precisava deles para o Ragnarok, que seria uma grande batalha enunciada e que resultaria em sua morte. As Valkírias também serviam como mensageiras, e quando exerciam essa função, suas armaduras faiscavam e causavam o estranho fenômeno atmosférico conhecido como Aurora Boreal.


- As sereias já são mais conhecidas. São seres mitológicos parte peixe e parte mulher que gostavam de atrair tripulantes de navios com sua doçura e beleza, além do canto, para que os navios colidissem com rochedos e afundassem.



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Comentários (1)

  • Amanda Regiane

    Pefeita como sempre Thaizoca! *u*O mestrinho emprestando a cpa pra ela me derreteu. Ele todo fofo, mesmo sem querer onw! ♥ Amor demais da conta por esse homem ♥Correndo ler o proximo *OOOO* 

    2013-10-16
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