APOSTANDO A ALMA



(não tente fazer isso em casa)

    Era um grupo estranho aquele caminhando pela noite novaiorquina: Um bruxo disfarçado de trouxa, uma ex-bruxa com uma esfinge disfarçada de cão (a máscara não agradava Adrien nem um pouco, com a cara de um São Bernardo) e um vampiro com cara de vampiro.
     Iam em silêncio, sentindo o ar frio do Outubro de Nova Iorque, de vez em quando Caius olhava em volta e escutava um pouco, ele estava sempre alerta, pois sabia que mesmo sendo considerado não hostil, não era extamente um vampiro bem quisto.
    Entraram silenciosamente na Rua 59 Oeste, e perto do Lincoln Center, viram sob a iluminação a igreja católica onde aconteceria o duelo.
    A Igreja de São Paulo Apóstolo parecia uma igreja gótica medieval, mesmo tendo sido construída a menos de dois séculos. Alguns anos antes havia sofrido um pequeno incêndio, e uma reforma havia sido planejada, mas acabara se estendendo mais tempo que o previsto e então a igreja encontrava-se atrás de andaimes forrados com tela, para uma restauração completa. Todo o mobiliário interno havia sido removido, bem como imagens de altares. Apesar de ser uma igreja, e apesar de ainda ter vitrais e pinturas de santo, era um dos poucos lugares em Nova Iorque onde a presença de um demônio seria tranquila... nada denunciaria  sua atenção do lado de fora.
    A igreja deserta parecia dissoante no meio da noite de Nova Iorque, um carro passou por eles e um bando de gente gritou, pois eles haviam parado bem no meio da rua para apreciar a construção. Harry casualmente fez com que o carro desviasse deles com um feitiço. Foi quando viu a figura.
    Um homem baixo, de no máximo 1,60 de altura, de óculos de armação de metal fino, lia um jornal e fumava encostado à porta da igreja. Parecia em suas roupas ter as cores mais desbotadas que o resto da paisagem, para falar a verdade, parecia cinzento como se saído de um filme preto e branco.  Até seu cabelo louro e fosco parecia ser acinzentado. Era o tipo de pessoa que se passa cem vezes por ele e não o nota, porque essa era realmente a intenção dele. Que na verdade era um anjo.
‒ Salathiel ‒ chamou Virginie e ele sorriu, ficando completamente diferente.
‒ Eu sei tudo -ele disse brandamente a ela, então virou-se para Harry e disse:
‒ Faltam cinco minutos.
‒ Eu sei.
‒ Serão só você e a esfinge, contra  um demônio muito antigo e uma esfinge negra. Tenha cuidado, seja honesto, e tudo vai se resolver.
Seja honesto... esta frase provocou uma estranha reação em Harry, como se algo que eles estava quase descobrindo pudesse subitamente vir à mente... algo sobre como vencer o jogo.
‒ E eu? ‒ disse Caius a Virginie ‒ entro ou fico do lado de fora?
‒ Você fica aqui ‒ disse o anjo ‒ de guarda. Eu sei que para você é na verdade indiferente entrar ou não numa igreja, porque uma igreja sozinha não guarda a fé que o faz tremer... mas pela sua origem é melhor que você esteja do lado de fora. ‒  "Ele não confia em Caius" ‒ pensou Harry olhando o rosto sem cor do anjo. Caius olhou para ele, e Harry sentiu pela primeira vez desde que conhecera o vampiro, que este estava apreensivo quando deu-lhe boa sorte e virou-se, sem querer encará-lo. Um silêncio incômodo e pesado caíra sobre eles, e perdurou até o momento em que o anjo levantou um braço e ato contínuo as portas da igreja abriram-se com um ruído seco.
Quando entraram  na nave vazia, alguns pombos saíram por um vitral quebrado no fundo  da nave abandonada e conforme avançavam, seus passos ecoavam no silêncio do lugar vazio. Harry olhava para o alto, os olhos percorrendo os rostos dos santos retratados nos vitrais coloridos, rostos que retratavam  êxtase, dor, compaixão.  Ele entendia muito pouco daquilo que os trouxas consideravam divino, mas aquelas figuras o incomodavam um pouco em seu íntimo. Bem no centro da igreja, Salathiel parou e disse, com sua voz rouca:
‒ Azazel, compareça.
Então, estava lá. Harry sentiu sua presença imediatamente, e os pelos de sua nuca  se arrepiaram como as costas de um gato, mesmo que ele ainda não tivesse visto as duas silhuetas escuras que se desenharam no fundo da nave da igreja, onde ficaria o altar. Só então se deu conta que Virginie tremia, alguns passos atrás dele. As silhuetas avançaram até que a luz que escapava de uma janela envidraçada as revelou, para a surpresa de Harry.
A Esfinge era enorme, e tinha o rosto e a juba negras como basalto sólido. Suas patas podiam facilmente esmagar um crânio, munidas de garras que mesmo escondidas, de vez em quando apareciam, quando ela levantava uma das patas para avançar. Suas feições masculinas eram estranhas, de um tipo e etnia que Harry nunca se lembrava de ter visto, algo entre o etíope e o árabe. E seus olhos vermelhos de pupilas fendidas faiscavam como rubis gêmeos.
A outra figura que o surpreendeu, pois na sua mente imaginava que o demônio apareceria como o estranho alto que Virginie descrevera, assim como o anjo aparecera como o homem cinzento. Mas Azazel escolhera uma figura feminina para aparecer. Era uma mulher de surpreendente e estonteante beleza, uma cascata de cabelos dourados caía-lhe até o meio das costas, em cachos reluzentes. A pele bronzeada contrastava com o tom de ouro dos cabelos e as feições eram lindíssimas e finas. Em tudo parecia uma mulher normal, apenas seus olhos amarelos a traíam.
Salathiel apertou seus olhos cinza escuros enquanto a figura de mulher se aproximava como se não tivesse pressa. Então, quando estava no centro do salão Azazel falou...
‒ Ola, Salathiel não te vejo há dezoito anos... parece que finalmente sua protegida arrumou alguém para representá-la. Esta noite resolvemos nosso empate.
‒ Azazel... isto na verdade é entre você e eu. Vamos resolver isso entre nós dois!
‒ Regras, anjo, regras... entre os humanos como os humanos, lembra-se?  Esta é a condição para se mediar as contendas...
‒ Eu sei. Então, concorda que eu sejá o árbitro?
‒ Claro, anjos são confiáveis, porque seu Pai lhes deu esta condição de só falar a verdade... nenhum juiz pode ser melhor, as mentiras e desonestidades ficam por nossa conta.
Isso despertou novamente algo em Harry. Alguém ou alguma coisa tentava lhe falar algo sobre honestidade, e ele quase sabia o que era, quase.
Salathiel nada disse enquanto  mexia no bolso. Sem que ele se movesse, uma mesa apareceu diante de si, e ele depositou uma ampulheta de cristal que tirara do bolso. Então, do mesmo bolso algo que reluziu à pouca luz da igreja e ele olhou para o alto e quase automaticamente todos os candelabros se acenderam, revelando o salão empoeirado e cheio de materiais de obra. Silenciosamente ele sacudiu o que pareciam dados em suas mãos e jogou no centro do salão. Os dados tocaram o chão e algo aconteceu, porque o piso se modificou e a poeira desapareceu do centro para os cantos do salão quando uma estranha marcação luminosa surgiu no chão.Um círculo com um olho de Hórus surgiu no centro, e de cada lado, um caminho de casas numeradas apareceu casa por casa, fazendo um ângulo reto e virando e chegando aos pés dos dois competidores. Neste momento, os candelabros do teto apagaram-se.
‒ O jogo está iniciado ‒ disse Salathiel o dado branco representa Harry Potter, o vermelho Azazel. Aquele que tirou o maior número é o que tem o privilégio de iniciar.
Harry andou até o centro do tabuleiro. A única luz no ambiente escuro da igreja abandonada era a luz proveniente do tabuleiro. Ela iluminava-os debaixo para cima, e sob seu encanto meio fantasmagórico, as luzes e sombras deixavam a figura feminina diante dele assustadora apesar de toda a sua beleza. E o que fazia com as feições assustadoras da esfinge negra não poderia ser descrito. Não em palavras. Harry desviou seus olhos deles e olhou para os dois dados. O seu marcava um três, o do Demônio, cinco. Olhou para figura de mulher e disse:
‒ Você começa. ‒ A mulher riu e estendeu a mão e por um fugaz segundo, a mão teve seu real aspecto no instante em que o dado voou para sua mão, que causou o sobressalto de um segundo em Harry. Ele voltou para a sua casa um, ao lado de Adrian, que tinha agora uma expressão indecifrável. Harry atraiu também seu dado para sua mão e o segurou firmemente. Enquanto o Demônio lançava seu dado no tabuleiro.
‒ Três ‒ disse o anjo na qualidade de árbitro e Harry viu uma expressão de desagrado passar no rosto da mulher-demônio. Era como se o resultado não fosse o esperado. Salathiel disse sério:
‒ Num jogo arbitrado por mim, contente-se em usar meus dados, que não mentem, Azazel... ‒ E Harry soube. O anjo estivera todo tempo dizendo para prestar atenção, porque o demônio não jogava honestamente. Sua única chance era acertar as charadas, porque se ele tentasse jogar como o demônio, seria derrotado. A esfinge andou até a terceira casa do jogo e depois de rodar no mesmo lugar como um leão, sentou-se olhando diretamente para Harry, então, sem pausa, disse a charada:

"Eu vou, eu volto.
Eu volto, eu vou.
à noite sou negro
de dia posso ter
tantas cores quanto o céu.
E do meu começo, nunca
consegues ver meu fim.
Quem sou eu?"

    Salathiel olhou-o e disse que ele tinha um minuto e meio antes de girar a ampuleta de cristal. Imagens de coisas vieram rapidamente à cabeça de Harry... era algo imenso, ele tinha que pensar em coisas que fossem grandes, que avançassem além do horizonte... eu vou, eu volto, eu volto, eu vou... movimento, oscilação... seu rosto iluminou-se quando disse, num grito:
‒ É o mar! ‒ ele sentiu uma onda quante percorrê-lo quando a esfinge acenou a cabeça em assentimento, e ouviu o suspiro fundo de Virginie atrás de si. Era estranho que a primeira charada fosse tão fácil, provavelmente Azazel queria que ele ganhasse confiança para depois dar seu golpe. Redobrou a atenção por causa disso.
‒ Sua vez ‒ disse o anjo e Harry atirou o dado, e mal acreditou quando caiu um cinco. Adrian avançou da mesma forma que a outra esfinge e quando parou na casa cinco, disse:

"Eu nunca fui nem mesmo sou,
porém, eu sempre serei
Ninguém ainda me viu,
Mas todos sabem que eu virei.
Quem sou eu?"

    O Demônio pensou um instante antes de responder, então sorriu e disse:
‒ O amanhã. ‒ Adrian olhou conformada para Harry, que deu de ombros. Seria mais difícil que ele imaginava.  Ele mesmo não soubera a resposta deste enigma, e agora teria que responder outro... algo acontecera naqueles trinta segundos que Azazel usara para responder, de alguma forma, Harry achava que ele tentaria roubar. Prestou atenção no enigma que a esfinge do demônio disse, quando atingiu a casa sete.

"Sábios não responderam esta:
o que é menor que a menor das coisas
e maior que maior dos mundos
viaja mais rápido que o mais rápido
e pára antes que se possa ver seu rumo?"
 
    Por mais que pensasse, Harry não sabia o que este enigma queria dizer... ele espremeu a mente até o fundo e antes que chegasse a uma conclusão, o seu tempo acabou. Ele encarou Virginie desolado quando Azazel disse:
‒ Você não é mais sábio que os sábios... pensou tanto, mas não te ocorreu que pensamento era a resposta para este enigma...
A cabeça de Harry começou a latejar e doer... terrível, começara com sorte, mas pelo visto agora teria que rezar para que a esfinge não tirasse um número alto, ou corria o risco de perder a alma de Virginie. Senta-se confuso e atordoado, incapaz de tomar uma decisão. O anjo olhava para ele de seu posto de árbitro impassível, ele estava numa situação terrível, que só pioraria se o dado do demônio chegasse ao número...
‒ Seis ‒ disse Azazel triunfante ‒ casa treze.
Era uma droga perder tão depressa, pensou. O demônio sorriu para ele sedutoramente e disse:
‒ Vou te dar uma oportunidade... uma única oportunidade. Desista agora eu deixo a moça ir, por mais dezoito anos... eu desconsidero este jogo, porque tenho me divertido vendo a espera dela... tenho me divertido mais com a alma dela em terra, provocando desgraças e espalhando o medo, ela sofre mais na terra que sofreria no pior dos infernos, e isso me agrada demais
Harry sabia que um demônio nunca propunha um acordo vantajoso para ambas as partes. Se o demônio propunha isso, é porque Virginie viva e amaldiçoada era mais interessante para ele que sua alma... e havia ainda a pequena possibilidade de Harry ganhar o jogo, o que significava não perder a alma de Virginie. Harry olhou para Salathiel e viu que o anjo não podia ajudá-lo por mais que trasparecesse querer fazer isso. Olhou então para Virginie e viu no rosto da moça a aflição. Ela queria acabar logo com aquilo, mesmo que significasse perder sua alma... ele precisava continuar o jogo, por ela. Se perdesse, ela o perdoaria, se desistisse a maldição continuaria com ela.
‒ Eu quero jogar. Mesmo que eu perca.
‒ Então, o dobro ou nada.
‒ O dobro ou nada?
‒ Sim, eu farei uma pergunta à sua esfinge e se ela não souber...
‒ Você leva a alma dela e a minha, é isso?
‒ É isso.
‒ Ok, é uma punição justa para a derrota.
A esfinge negra olhou nos olhos de Harry e riu, e ele sentiu algo estranho passar pela sua cabeça. Azazel então adiantou-se para fazer a pergunta e neste momento Harry teve um lampejo e encarou o demônio, não sério, não com medo, mas com uma expressão franca e honesta, e o demônio soube o que se passava na cabeça de Harry, e Harry soube o que realmente Salathiel quisera dizer.
‒ Espere ‒ disse Harry ‒ este tempo todo eu tenho sentido uma dissonância em minha mente... você estava aqui o tempo todo... sabia o que eu pensava, não é mesmo, Azazel? É assim que você ganha, você rouba... Mas agora você se traiu. Eu percebi que você estava aqui - Harry apontou para a própria cabeça
‒ Vamos ao que interessa, não a acusações sem sentido.
‒ Não... eu não devia estar aqui! Salathiel há duzentos anos não podia intervir no jogo, mas podia impedir que você levasse Virginie... porque assim como ia roubando no jogo de hoje, entrando na minha mente, e provavelmente na mente da minha esfinge, há duzentos anos, roubou entrando na mente de Vittorio Zaba, e duvido que você consiga negar isso, demônio.
‒ Você não tem prova nenhuma.
‒  Azazel ‒ Salathiel disse ‒ ele não tem provas, mas tem uma testemunha. Eu estava lá, e não era o árbitro, lembra? E pelas regras, não podia intervir. Mas hoje eu posso, porque ele contestou o resultado do jogo. Admita, Azazel... acabou para você...
Imediatamente a face bronzeada da mulher se cobriu de fúria e ela foi escurecendo, sua voz gritando se tornou um enorme barulho que soava como o coro de muitas vozes furiosas e Harry viu diante de si a face de Azazel, o demônio de mil rostos, que era literalmente uma legião de rostos entrelaçados em expressões ameaçadoras, ao qual o rosto da mulher se fundiu, e nessa hora, a esfinge negra desfez-se em pó, enquanto o demônio descarregava sobre ela sua raiva. Adrian se encolheu ligeiramente de medo e Harry virou-se para Virginie e disse que não olhasse, pois ele mesmo evitava olhar... apenas se preparou para lançar o feitiço contra demônios mais forte que conhecia, pois tratava-se de um fortíssimo demônio de primeira classe.
Mas algo aconteceu.
Uma coisa luminosa surgiu entre o demônio e Harry, e quando Harry conseguiu olhar, havia asas abertas escondendo da sua visão o demônio. Salathiel tomara sua verdadeira forma, branca, brilhante, longilínea, da altura de três homens adultos. E Harry viu de relance quando o anjo ergueu a mão direita, e nela havia uma espada de fogo. Mas não era uma espada. Era o prolongamento do próprio braço do anjo, na forma de uma lâmina incandescente onde brilhavam chamas brancas... de onde estava, Harry podia sentir o calor. Não ouviu, por mais que quisesse o diálogo breve entre o anjo e o demônio, apenas olhou para Adrian e Virginie, que tinham ambas a mesma expressão intrigada. Mas nenhum dos três se animou a dizer nada, talvez por respeito, talvez por medo mesmo, pois a imagem de um anjo furioso não era muito mais bonita que a de um demônio na mesma circunstância.
E foi quando Salathiel virou-se para eles, e agora tinha a aparência de um grande ser de luz, e suas asas estavam fechadas atrás de si quando disse:
‒ Virginie, você está livre... agradeça a Harry Potter. ‒ a moça abafou um grito de felicidade... e abraçou Harry.  ‒ a maldição acabou e com ela, sua imortalidade.
‒ Eu não me importo! Viver demais também cansa, pelo menos neste mundo. ‒ o anjo sorriu.
‒ Mas não é só isso. Escolha uma alma para tirar do inferno.
‒ O quê?
‒ Isso mesmo... ele teve sua alma por duzentos anos... eu consegui um acordo. Você deve escolher uma alma para salvar do inferno.
Virginie abriu a boca... ia falar o nome de Vittorio, mas então pensou que ele era um ingrato... foi quando ouviu uma voz mau humorada dizendo:
‒ Este não está comigo! ‒ um vulto baixo saiu das sombras, na forma grotesca de um homem  atarracado que a olhou com raiva. Harry reconheceu azazel pelos olhos amarelos.
‒ O Maldito Vittorio Zaba se arrependeu depois que você o deixou... ele, humpf.. consertou sua existência ‒ Harry riu lembrando-se que o demônio dissera que a alma de Vittorio era dele já... que maravilhosa era uma vida de imprevistos. O demônio olhou-o emburrado e ele ficou sério com alum esforço. Virou a cabeça subitamente quando Virginie disse:
‒ Caius. Liberte a alma de Caius Black!

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