Capítulo 01



O vento ali era salgado, de certa forma, e fazia tempos que eu não tinha essa sensação esquisita que não sabia denominar. Demorou muito para me convencerem de ir até aquela ilha, mas depois que mamãe dissera que conseguira um pequeno avião para me transportar, eu não tinha mais desculpas. Mamãe ia, finalmente, fazer uma “segunda lua de mel” tão sonhada com Joey, e tia Evy estava há anos pedindo para que eu passasse as férias com ela. Quando dei por mim, já estava admirando o vasto mar pela janela daquele aeroplano de um dos colegas de Joey.


Era estranho estar ali depois de tanto tempo. Minhas últimas lembranças daquele lugar eram embaçadas, já que eu era muito criança, e envolviam meu pai. O que eu, absolutamente, não queria lembrar. Mas não poderia reclamar, estava mesmo com saudades de tia Evy e de Lily, e mamãe merecia aquelas férias depois de tanto trabalho.


– Amy! – Uma garota alta e ruiva corria em minha direção. Não pude deixar de sorrir. Apesar dos anos, ela pouco mudara.


– Lily! – eu disse entusiasmada e a abracei.


– Estávamos ansiosos pela sua chegada! Vamos logo! – ela disse já pegando a minha mala e segurando minha mão para que a seguisse. – Minha mãe está desde ontem se descabelando por causa da sua chegada! Ela ainda não acredita que você veio mesmo!


– Pra falar a verdade, nem eu acredito muito ainda!


– Olha só se não é a pequena Amanda! – exclamou tio Chalie ao me avistar. Ele também não mudara, continuava o mesmo senhor alto, magrelo, de cabelos lisos e loiros e olhos de um espantoso verde, os quais Lily herdara. Eu o abracei também ao me aproximar. – Mas pelo jeito não é mais tão pequena! Como cresceu! Parece Lily que estica 1cm a cada dia! – E riu estrondosamente para um homem tão magro. Não pude fazer nada além de sorrir tímida. – Vamos logo, entrem no carro, temos que chegar em casa antes que Evanna dê a luz a um polvo!


– O que eu não duvido! – riu Lily enquanto colocava minha mala no bagageiro.


Nós conversamos muito durante todo o caminho, não os via fazia uns 3 ou 4 anos, desde o fatídico dia em que vovô morrera. Ele era o dono de uma lanchonete naquela ilha, seu orgulho e um patrimônio daquele lugar que todos conheciam, e sendo pai de mamãe e tia Evy, os negócios ficaram pra elas. Mas mamãe já tinha seus próprios negócios na cidade grande, e sobrou pra tia Evy cuidar de tudo ali, junto de Lily e seu marido Charlie. Eles amavam o lugar, e logo os negócios prosperaram segundo ela sempre dizia nos e-mail que mandava para mim e mamãe, e já fazia mais de 1 ano que insistia que a visitássemos. Bem, e ali estava eu.


– Chegamos meninas! Entre logo Amanda, sua tia está louca pra te ver, deixa que eu cuido da bagagem!


Lily me conduziu pela bonita casa de praia que era a mesma desde que eu me lembrava. Eles moravam perto da praia simplesmente porque era na praia que a lanchonete ficava, então era mais prático ficar por perto.


– MANHÊ, A AMY TÁ AQUIIII! – gritou Lily assim que entrou. Tive de tapar os ouvidos pra não ficar surda. Logo um grito de resposta foi ouvido e Lily me conduziu até a cozinha. Tia Evy estava com um aventar por cima de um bonito vestido verde que destacava seus belos cabelos vermelhos, idênticos aos de Lily, que iam até a cintura e terminavam e pequenos cachos, os quais Lily também herdara.


– Meu Deus! Como você cresceu! – ela largou a panela que segurava e veio me abraçar.


– Que saudades, tia Evy! – eu disse retribuindo seu abraço.


– Mas vejam só, eu quase não acreditei quando sua mãe confirmou que você vinha! E vai passar o resto do verão conosco?


– Vou sim! Mas não quero dar trabalho pra senhora, por isso me proponho a te ajudar na lanchonete enquanto estiver aqui! – eu disse apressada. Já havia comentado com Lily sobre aquela ideia, e ela dissera que era bobagem e que tia Evy não deixaria, mas eu não queria ser folgada, e além de tudo, precisava de uma graninha extra pra comprar meu carro.


– Mas que disparate! Você é minha hóspede e minha sobrinha! Não vou te deixar trabalhar!


– Eu disse! – exclamou Lily pegando alguns biscoitos em um pote e comendo.


– Mas tia, eu preciso trabalhar, quero comprar um carro, e logo vou pra faculdade!


– Mas e o seu padrasto? Ele te adora e com certeza vai te ajudar...


– Ele não me adora tanto assim, e tem contas pra pagar. Nâo quero depender de ninguém tia, por favor! – Eu estava quase implorando, minha expressão era semelhante a cara de fofura do Gato de Botas do Shrek. Deve ter funcionado, porque tia Evy suspirou e disse.


– Tudo bem! Você pode ajudar Lily na lanchonete do shopping quando precisar.


– Eba! Obrigada tia! – eu a abracei mais uma vez e ela riu. – Espera aí, lanchonete do shopping? – eu não sabia que havia mais das lanchonetes do vovô, muito menos que havia um shopping naquela ilhazinha.


– Eu te mostro! – disse Lily animada já me pegando pelo pulso e me conduzindo pra fora da casa. – Tenho que voltar pra lá mesmo, Alice sempre faz bagunça quando fica sozinha.


– E voltem a tempo pro jantar! – gritou tia Evy da porta enquanto nos distanciávamos.


Lily e eu fomos a pé até o shopping, já que ele era próximo da praia. Ele possuía até um porto pros riquinhos fazerem comprar enquanto estavam em alto mar se embebedando, pelo menos foi o que Lily disse. E de certa forma ela não mentiu, havia mesmo um porto com várias, e muito caras, embarcações, desde os pequenos barquinhos até grandes iates.


– Uau! – eu disse enquanto os observava da sacada de um corredor no segundo andar do shopping. – Alguns parecem muito caros e são tão bonitos!


– Sim, mas pode crer que quanto mais caro, mais babacas são os donos! A maioria é de jovens mimados, vai ter que se acostumar, porque o nosso sanduba de atum é particularmente popular entre eles, apesar de simples! Venha, vamos logo antes que...


Mas antes que Lily completasse a frase ouvimos um estrondo de uma, ou várias, bandejas caindo. Ela revirou os olhos e virou o corredor apressada. Eu a segui. Logo estávamos na lanchonete de vovô, a Fênix. Vovô lhe dera esse nome em homenagem a vovó que possuía lindos cabelos vermelhos na juventude, assim como tia Evy, e lembrava o belo pássaro lendário que nunca morria. Mamãe adorava me contar aquela história quando era pequena e como tinha certa inveja dos cabelos da irmã, já que os seus eram castanhos claros iguais o da família de seu pai.


– Alice! Você está bem? – Lily perguntou, e só então reparei em uma garota que estava meio soterrada por bandejas.


– Estou sim! Me desculpe Lily, eu sou uma desastrada! Me distraí por tão pouco tempo!! – disse ela levantando-se com a ajuda de minha prima. Ela era muito bonitinha, com o rosto redondo, cabelos lisos, curtos e castanhos, e olhos de mesma cor. Era baixinha e não aparentava ser mais velha que eu ou Lily.


– Sei muito bem porque se distraiu! – brincou Lily e riu ao ver o rosto da outra corando. – Deixe-me apresentá-la minha prima. Essa é Amanda, mas todo mundo a chama de Amy. Ela vai passar as férias em casa e ajudar na lanchonete.


– Prazer! – eu disse um pouco tímida estendendo a mão para Alice que a apertou, sorrindo.


– O prazer é meu! Desculpe a bagunça, mas eu sou distraída mesmo! – ela sorriu tímida e começou a recolher as bandejas caídas.


– É sim, e o motivo está ali do outro lado, na loja de surf! – disse Lily rindo e apontou pro outro lado da lanchonete sem se importar com a cara de Alice que parecia um tomate de tão vermelha. Eu olhei pra onde ela apontava e vi um belo garoto de cabelos castanhos e com um belo corpo pelo que parecia. Ele ajeitava algumas camisetas em uma prateleira e parecia alheio a tudo.


– Você tem um bom gosto, Alice! – eu disse brincalhona e a menina escondeu o rosto nas mãos, envergonhada. Lily gargalhou com a expressão da amiga.


Passamos um bom tempo arrumando a pequena cozinha e Alice me ensinou tudo o que precisava para ajudá-las, enquanto Lily atendia alguns clientes que iam aumentando conforme a noite ia chegando. Era fácil perceber o horário já que o shopping era bem aberto, permitindo que o vento vindo do mar passeasse por todo o local. Era possível ouvir as ondas se prestasse atenção.


– Dois sandubas de camarão e batatas fritas pra viagem. – gritou Lily pela pequena janelinha entre a cozinha e o balcão. Eu ajudava Alice, enquanto ela cozinhava eu empacotava tudo, já que era um desastre cozinhando e Alice parecia ser realmente boa naquilo.


– Você tem jeito pra cozinhar, eu já teria explodido o shopping! – eu disse enquanto colocava um pedido no batente da janela e apertava uma sineta. Ela sorriu tímida, mas orgulhosa.


– Minha mãe me ensinou tudo. Ela trabalha na lanchonete principal, na praia. Foi uma das aprendizes do seu avô, sua mãe deve conhecê-la. – Mamãe falava pouco de suas amigas de infância daquela ilha, ela também não tinha boas lembranças daquele lugar assim como eu.


– Hey Amy, vem aqui um instante?! – gritou Lily. Eu limpei as mãos e fui até o balcão onde ela estava atendendo os clientes, que não eram muitos, mas o suficiente pra dar trabalho. – Pode ir até o depósito lá embaixo e pegar maionese? As nossas estão acabando e amanhã é um dia de pico, já que vários mimadinhos estão vindo pra férias. – Ela fez uma expressão meio chateada e me deu uma chave. – Fica bem nos fundos do shopping, e não demore! – ela me deu as costas para atender mais clientes e eu tive que ir.


Ao pisar fora da lanchonete percebi que chovia intensamente. Enquanto trabalhava não percebia nada do que ocorria ali fora, mas agora era inevitável não ouvir os pingos que caiam no mar e a quantidade de gente que transitava pelo lugar. Resolvi ir pela escada rolante por pura preguiça, mas mal pisei nela e tudo escureceu. Algumas pessoas gritaram entusiasmadas com o apagão, mas eu tinha pavor de escuro! Ia dar meia volta pra voltar para a lanchonete, pelo menos tentar achá-la, quando bati com força em alguém. Eu me desequilibrei, e teria caído escada abaixo se o “ser” não tivesse me prensado com o próprio corpo no corrimão.


– Me desculpe por isso. – ele disse no meu ouvido e percebi se tratar de um garoto. Não que eu não tivesse percebido antes, já que havia batido num peitoral forte demais pra ser de uma menina. Sua voz era rouca e me provocou um arrepio involuntário.


– Na-não foi nada! – eu sussurrei de volta e podia jurar que ele riu.


– Uma senhorita andando no escuro! É perigoso, melhor ficar aqui um pouco mais. – ele disse de forma galante, mas aliviou um pouco a pressão que fazia em mim com seu corpo. Seus braços ainda me rodeavam, um de cada lado do meu corpo impedindo minha saída. Algumas pessoas ainda gritavam e brincavam, e percebi certo movimento de pessoas na escada rolante. Algumas queriam descer e outras subir. O garoto se aproximou mais de mim e dissera irritado. – Esse pessoal é retardado de tentar andar nesse escuro!


Talvez ele fosse dizer algo mais, ou fazer algum comentário, mas tudo foi esquecido quando ele me beijou. Sim, ele me beijou! Foi sem querer, já que alguém que passava pelo lugar que estávamos na escada lhe dera um empurrão desnecessariamente forte. Não dava pra ver que estávamos frente a frente, mas foi bem óbvio quando seus lábios encontraram os meus. Eu achei que ele fosse se afastar e se desculpar, mas ele pareceu ter gostado da ideia e se manteve ali, com a boca grudada na minha, sem aprofundar o beijo e sem se afastar. Eu ainda não entendo porque raios não o afastei! Acho que foi o seu perfume delicioso, a maciez daquela boca ou o jeito que ele segurou na minha cintura... Só sei que só percebi que a luz voltara quando ouvi gritos de decepção e a escada voltou a se mover bruscamente, nos assustando. Nos separamos e pude encarar seus olhos de um lindo e profundo azul, como o mar. Ele me avaliou por um tempo e sorriu, o sorriso mais lindo que eu já vira, e disse.


– Oras, eu tive muita sorte com esse pequeno furacão!


Não tive tempo de retrucar, já que havíamos chegado ao fim da escada. Ele me soltou um pouco relutante e eu acenei, envergonhada.


– Desculpe-me por tudo. Eu tenho que ir, tchau! – e antes que ele pudesse me chamar ou ver a minha horrível cara vermelha de vergonha, eu sai quase correndo dali.


Não encontrei com aquele garoto de novo, embora admito que fiquei certo tempo trancada no depósito divagando sobre aquele beijo. Fiquei tanto tempo ali que recebi uma mensagem nervosa de Lily perguntando se eu tinha quebrado a perna durante o apagão. Saí do depósito com pressa e corri para as escadas (as normais, estava fugindo da escada rolante) para chegar logo a lanchonete. Mas até que ele era bonito, eu pensei distraída, tinha belos cabelos castanhos e um corpo de atleta. Eu estava tão distraída que nem percebi quando um outro garoto esbarrou em mim quase derrubado os potes de maionese que eu carregava.


– Foi mal! – Ele disse apressado e logo saiu correndo. Eu o observei com as sobrancelhas erguidas, até que Lily me despertou da minha viagem.


– O que o Potter queria com você? – perguntou nervosa, me ajudando a carregar os potes pra lanchonete.


– Potter? Eu não sei, ele esbarrou em mim! Você o conhece? – perguntei enquanto seguíamos para a cozinha pra ajeitar tudo, já que logo fecharíamos.


– Ele é um idiota metido que vive me enchendo pra sair com ele! – disse com raiva e corou um pouco.


– Ele é doidinho pela Lily! – acrescentou Alice rindo. – Mas ela não o quer porque ele é um “mecânico pobre”!


– Não é nada disso! – ela disse esganiçada e eu e Alice rimos dela. – O problema é que ele é um galinha babaca, não tem nada a ver com a profissão dele!


– Quer dizer que você sairia com ele se não fosse isso?! – eu debochei dela e Alice riu mais. Ela bufou irritada e voltou pro balcão.


Logo o expediente acabou, e devo dizer que aquele primeiro dia de trabalho tinha sido bem interessante. Estávamos fechando a lanchonete e Alice quase prendeu meu dedo na porta ao se distrair com o garoto da loja de surf que também ia embora. Ela se desculpou envergonhada e nós fomos embora juntas, já que também morava próximo da praia. No caminho, entre risos e brincadeiras, eu reparei que havia algo no meu bolso. Era um papel com um número de celular desconhecido. O mistério era que ele não estava ali antes de esbarrar com o garoto da escada.

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