Único



 Existem coisas que combinam perfeitamente. Como o calor acolhedor da lareira numa noite fria de inverno. Como a madrugada e o silêncio. Como Bellatrix e aquela casa. A Mansão Black era extremamente escura, não apenas na decoração como na energia que emanava e Bellatrix, apesar da alva pele, tinha a alma enegrecida.
Ela estava sentada no sofá da sala, os olhos fechados apenas ouvindo o crepitar das brasas e esvaziando a mente, quando ouviu o peculiar barulho da moto trouxa do primo se aproximando. Instintivamente, contorceu a boca. Logo, Sirius abriu a porta da Mansão e bateu-a sem gentileza alguma.
- Respeite o sono dos outros, Black. - Sirius se assustou com a voz dela e virou o rosto rapidamente.
- O que diabos está fazendo aqui sozinha a essa hora?
- Preocupado comigo, primo? - ela abriu os olhos e disse, a voz cheia de sarcasmo.
- Não, comigo. Nunca se sabe, você pode ter um pesadelo, resolver matar alguém e entrar no meu quarto. - provocou ele. Fazia meses que a prima não voltava para casa. Havia viajado com o noivo para cuidar de “assuntos importantes”.
Sirius adorava implicar com Bellatrix e mesmo agora, que ela havia se tornado enfim uma Comensal, ele não tinha medo de enfrentá-la. Já era tarde, mas Sirius não iria perder a chance de irritá-la. Ele caminhou até o sofá onde Bella se encontrava e, num gesto infantil, assoprou o ouvido da prima que havia fechado novamente os olhos.
- Seu bastardo! - Sirius ria como uma criança. - Você nunca vai crescer, Sirius Black?
- Se crescer for ser como você, então não, prima, serei sempre uma criança!
- Você realmente acredita que é muito diferente de mim, não? - os dois se olhavam sérios agora. Para Bellatrix, não importava o quanto Sirius tentasse fugir ou enganar, ele era um Black e a força do sangue é maior do que qualquer outra.
- Eu sou completamente diferente de você, Bella.
Os dois se encararam durante muito tempo. Haviam anos, provavelmente, que os dois não trocavam mais que duas frases, mesmo que fosse numa discussão; Sirius desistira de tentar mudar a família e só estava esperando completar a maior idade para sair daquela casa e Bellatrix nunca gostou de Sirius de modo nenhum, não falar com ele era até um alívio. Mas essa noite, haviam coisas demais a serem ditas, de ambos os lados.

Bellatrix deu a volta no sofá e parou em frente a Sirius, seus rostos a um palmo de distância, apenas. Ela pôde ver o fogo da lareira refletindo no castanho dos olhos dele – uma cabeça mais altos que os dela.
- Você é exatamente como eu. - disse pausadamente, saboreando cada sílaba.
- Eu nunca, escute bem, nunca poderia ser comparado a você. - ele disse inclinando-se na direção de Bellatrix, porém não havia sarcasmo ou brincadeira em sua voz. Ela pode sentir o leve aroma de cerveja amanteigada e por incrível que parecesse, começava a enxergar um Sirius diferente.
- Você é um Black.
- Eu preferia não ser.
- Não ouse renegar nosso sangue! - ela gritou.
- Respeite o sono dos outros, Black. - ele levantou uma das sobrancelhas.
Os dois se afastaram e Sirius tirou a pesada jaqueta de couro que vestia, jogando-a no braço de uma cadeira ali perto. Depois, desabotoou os dois primeiros botões da blusa social que vestia e largou-se numa outra cadeira em frente a Bellatrix. Ela o encarou, calada, olhando cada movimento que ele fazia e se perguntando porque ele parecia diferente hoje. Talvez o cabelo sensualmente desalinhado e os braços fortes sempre estivessem ali, mas ela só os notara hoje. Talvez seu sorriso infantil sempre fora tão grande e caloroso, mas ela não havia reparado ainda.
Sirius notou o que se passava na cabeça da prima.
- O que foi? Nunca me viu?
- Vi, mas preferia não ter visto.
- Seus olhos não estavam dizendo isso agora a pouco. - ela bufou. Ele riu.
- Você não me conhece a esse ponto, moleque.
- Eu conheço qualquer mulher a esse ponto, Bella.
- Eu não sou qualquer mulher.
- De fato, você é uma Comensal, uma Black, uma Sonserina, uma... o que mais, hein? - ele fingiu concentração.
- Vá ao inferno, Sirius. - ela foi para a porta da sala de estar, mas Sirius a puxou pelo braço. Ele segurou fortemente seu pulso até que ela se soltou e olhou para ele, incrédula. - Qual o seu problema?
- Você.
- Então me deixe sair em paz.
- Nunca. - ele havia descido brincar com ela essa noite. Mas, bom, quando se brinca com fogo... - Primeiro me diga como é ser noiva daquela topeira do Rudolph.
- Rodolphus. - ela girou nos calcanhares e ficou frente a frente com ele, novamente. - O nome dele é Rodolphus.
- Tanto faz, é uma topeira de qualquer jeito.
- Interessado na minha vida amorosa, primo. - ela usava a ironia para esconder o nervosismo. Que diabos ele queria com aquilo?
- Talvez. - disse fingindo displicência.
Bellatrix não respondeu nada, apenas o encarou pensando no quão estranho aquilo estava sendo.
- Sabe, você insiste em ser totalmente diferente de nós, dos Black, mas na primeira oportunidade que lhe é dada, você age exatamente como eu agiria.
- Do que você está falando?
- Dessa sua encenação, seu jogo. Isso é tão... eu, não acha? Tentar me torturar, me obrigar a falar com você sem te amaldiçoar apenas pra provar que está certo no final. Você não acha isso um tanto Black da sua parte, primo? - um sorriso de vitória surgiu no canto esquerdo de seus lábios.
- Por que você acha que eu quero te torturar? - ele disse se levantando. - Porque estamos conversando? Ah, Bella... - ele foi caminhando até ela devagar e a cada passo que ele dava em sua direção, Bellatrix recuava a mesma distância.
Os dois par de olhos não se desgrudavam, os pés mexiam-se instintivamente e por mais que odiasse admitir, Sirius não estava fazendo aquilo por tortura a Bellatrix mas para seu próprio prazer. Ele também vira algo diferente nos olhos dela essa noite e quando, sem saber porque, ele segurou seu braço para impedi-la de ir embora, ele se viu também envolvido naquele sinistro jogo de sedução no qual não haveriam ganhadores.

Bellatrix não podia negar que gostava da brincadeira de gato e rato, o único porém é que ela não estava acostumada a ser o rato. Quando menos esperava, sentiu algo sólido às suas costas e, percebendo que batera na parede, fechou instintivamente os olhos na espera do que viria a seguir.
Sirius a olhou ali, encostada na parede, com os olhos fechados e a boca levemente aberta, e sentiu um prazer imenso. Seu prêmio estava ali, pronta. Quase pedindo por ele. Mas ele não esperaria que ela pedisse. Ele fechou seus próprios olhos e colou seus lábios com os de Bellatrix.
Logo, as mãos de Bella foram parar nos cabelos de Sirius e as dele, bom, uma na cintura e a outra levantando sua perna direita. O beijo encaixou-se perfeitamente e a sincronia era perfeita entre as línguas. Quando pararam de se beijar, Sirius manteve a mão na cintura da prima e ela disse bem perto de seu ouvido: você devia parar de negar.
- O que?
- Que é igual a mim.
- Por favor, Bella. - implorou ele. - Eu não quero discutir. Nada disso foi tortura, a não ser que eu goste de me torturar.
- O que importa não é a quem direcionamos a tortura e sim que a façamos. - ele a largou a contra gosto.
- Eu não sou como você.
- Nós somos exatamente iguais.
- Não, não somos! - ele elevou a voz, irritado.
- Por que isso? Por Merlin, Sirius, você devia ter orgulho. É um Black, um sangue puro, é rico e bem nascido, e está se tornando um homem lindo. Não é um sonserino, mas ninguém é perfeito... E pelo menos você não foi pra Lufa-Lufa.
- Cala a boca, Bellatrix! É por isso que não sou como você. Seus preconceitos, seus valores distorcidos... Você é doente! Que importa se sou um Black, bem nascido e não-sei-o-que se vocês todos não passam de um bando de preconceituosos que cometem incestos em nome do Toujur Pur?
- Por favor, Black, não venha me falar de incesto a essa hora da madrugada. Não depois do que você fez.
- Eu fiz sozinho? - ela rolou os olhos nas órbitas. O Sirius infantil de volta.
- Por favor, Sirius, o que eu quero dizer é que...
- E o que eu quero dizer é que isso – ele puxou com força o braço esquerdo dela, revelando a Marca Negra – é a nossa maior diferença. - ela soltou o braço de seu aperto e olhou-o séria.
- Bom, o sangue que corre nas suas veias é o mesmo que o meu e, por mais que você negue, nós somos iguais e vamos até as últimas consequências para conseguir o que queremos ou defender quem amamos. Se essa é a nossa maior diferença, na sua opinião, eu te digo uma coisa: gostaria muito, mas não posso salvar sua vida. Nem você a minha, não é mesmo? Meu sangue é tão negro quanto o seu e eu não vou hesitar em te matar se for preciso. - ela era de novo a Bellatrix cruel e fria, era de novo a Comensal.
- Eu nunca vou tentar te matar, mas queria salvar você disso.
- Você devia tentar me matar, Sirius, ou vai acabar morto. E não tem do que me salvar, se não de mim mesma. Essa foi a minha escolha e não vai ser um beijo de um moleque de 16 anos que vai mudar isso.
- Então, não existem finais felizes no fim da nossa história? - ele perguntou baixo.
- Não. Porque nunca houve uma “nossa história”.
- E o que houve então? - ele começava a pensar que o brilho diferente que ele vira nos olhos dela ainda há pouco fora apenas um falso reflexo dos dele.
- Um beijo entre primos quebrando o silêncio da madrugada que por sinal, já está acabando.
Sirius olhou o sol que começava a nascer e desejou voltar no tempo e ignorar o comentário de Bellatrix mais cedo. Queria voltar a qualquer momento antes de tê-la beijado, antes mesmo de tê-lo cogitado. Como ela disse, ele não podia salvá-la e ela não hesitaria em matá-lo. Talvez, esse fosse o destino deles: morrerem um pela varinha do outro e, juntos, enterrarem aquela loucura da madrugada.
- Desculpe, Sirius, mas apenas nós e a lareira sabemos desse beijo. Eu agradeceria se você não contasse a ninguém. Agradeceria se pudesse esquecer também. - ele a puxou pra si e beijou-a novamente.
- Eu agradeceria se você não se esquecesse. Nós não podemos nos salvar, mas talvez, se lembrarmos desse beijo, poderíamos salvar alguma coisa boa entre nós dois. Talvez esse tenha sido o único momento em que fomos, de fato, exatamente iguais.
- Sirius...
- Por favor. - disse sério.
- Isso nunca vai acontecer de novo.
- Nunca.

Eles se soltaram e subiram para seus quartos. Dois dias depois, Sirius saiu de casa e foi morar com os Potter. Sua foto foi retirada da árvore genealógica da família Black e ele passou a integrar a Ordem da Fênix.
Os resto da história, é conhecida. A não ser por pequenos detalhes...

Bellatrix nunca esqueceu aquela noite. Ela se casou com Rodolphus Lestrange, apesar de não sentir nada por ele. Quando o Lord das Trevas foi derrotado por Harry Potter em 1981, ela foi mandada para Azkaban onde enlouqueceu. Uma de suas lembranças mais recorrentes era a da noite com Sirius na Mansão Black, o que fez com que ela acreditasse que a memória era forjada pelos Dementadores. Para ela, Sirius era a personificação da lembrança que mais a fizera sofrer na prisão e, por isso, ela o odiava. Assim, quando teve a chance, matou-o na Batalha do Departamento de Mistérios, em 1996. No último segundo, porém, ela tomou consciência de que a memória era real e que aquela fora uma das melhores coisas de sua vida, o que a fez perder a última gota de razão que tinha. Bellatrix foi morta por Molly Weasley em 1998 na Batalha de Hogwarts.

Sirius nunca mais encontrou nenhum membro da família Black – a não ser sua prima Andrômeda -, especialmente Bellatrix. Ele teve muitas mulheres mas nunca se casou pois nunca encontrou uma mulher que o fizesse esquecer a paixonite que ainda sentia pela prima. Quando os Potter foram mortos em 1981, Sirius – que era padrinho de Harry - foi acusado de traição e mandado para Azkaban, onde passou 12 anos. Lá, ele evidenciou a insanidade de Bellatrix e sofreu muito por causa disso. Quando fugiu da prisão, jurou não pensar mais na prima e procurar provar sua inocência para cuidar de Harry. Porém, os dois se encontraram em 1996 e, cumprindo a promessa, Bellatrix não hesitou em matá-lo. Sirius atravessou o Véu da Morte e seu corpo não foi recuperado. 
 

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Comentários (4)

  • Diênifer Santos Granger

    Chorei! *---------------*

    2013-12-09
  • Kinnon ☹

    Adorei!Você é uma ótima escritora. Vou ver mais fanfic's suas!

    2012-11-28
  • Annabeth Lia

    Adorei, ficou incriveeeeel, muito profunda e criativa, estou vendo que você é realmente apaixonada pelo Sirius não é? Bem, nestes momentos, ser uma Bella não seria nada mal HSAUHAUHSUAHU. Escreveu muito bem, esta de parabéns :D bjs!

    2012-09-27
  • Violettaa

    Ahhh perfeito demais simplesmente amei do começo ao fim parabéns você escreve muitíssimo bem... Capitulo único e perfeito demais mesmo... ^_~

    2012-09-24
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