Capítulo Único.



George estava sentado em sua cama há exatas duas horas. Já era madrugada e ele ainda não havia terminado de escrever o pergaminho que tinha em mãos, ao qual dedicava uma devoção encantadora. Logo menos teria que começar a se arrumar para cuidar das tarefas na loja, pensou. Como queria que Fred estivesse ali deitado na cama ao lado para que ele pudesse dizer “Ei, sua vez de levantar cedo!”. Infelizmente, a cama estava vazia e continuaria assim eternamente.


Tentando afastar um pouco da imensa tristeza que carregava no peito há alguns anos, George se pusera de imediato a lembrar a razão de estar ali escrevendo aquele pergaminho. Ah sim, Hermione.


 


* * *


 


Fazia anos que Hermione não passava por nenhuma daquelas lojas ali; Na verdade, ela possuía certeza de que a última vez em que adentrara a Dedos de Mel fora durante as visitas organizadas pela escola de magia e bruxaria. Era engraçado se ver ali novamente a passar a ponta dos dedos pelas prateleiras assim como ela costumava fazer quando criança. Tudo permanecia fielmente igual, exceto pelo lado externo da loja que agora estava acoplada à duas lojas existentes ao lado por uma fachada diferente, que ela sequer notara.



— Você não perdeu a mania de passear pelas prateleiras, não é Hermione? — Uma voz conhecida se dirigira a ela. — Lembro de você fazendo isso da última vez que viemos aqui. É bom ver o mesmo sorriso que estava no seu rosto naquele dia, enquanto você arrastava Fred pra ver cada cantinho possível da loja.



George. Era ele que estava ali a observá-la por detrás do balcão. Parecia o mesmo garoto de antes, apesar dos cabelos curtos e da pose séria que mantinha ali. Afinal, era bom revê-lo após tanto tempo, mesmo que a garota pudesse sentir uma pontada no seu coração.


Independente de ter alguns clientes ali a serem atendidos pelas moças e moços que trabalhavam incessantemente, Hermione correra até o Weasley, abraçando-o apertado. Ele por um momento manteve-se estático pela surpresa, mas logo entendeu o que era aquilo. Ele era fisicamente idêntico a Fred, afinal. Hermione até se esquecera de que estava ali para buscar alguns doces que estava desejosa de provar.


Vendo as lágrimas que caíam pelos olhos dela, George a levara até o pequeno apartamento que instaurara acima da loja. Era realmente singelo, visto que morava sozinho. Por um momento Hermione questionou a si mesma se ele continuava pensando que garotas lhe privavam a criatividade, como costumava dizer na época da escola. Não ousou dizer nada até que estivessem alojados em um extenso sofá abarrotado na sala do lugar, enquanto George lhe dava olhares de desculpas pela falta de organização ali.



— Eu acabei comprando a Dedos de Mel e a Zonko’s pra expandir a Gemialidades Weasley. Fred estava certo, o negócio é um sucesso. — George rira divertido. Hermione não conseguia entender como ele pronunciava o irmão com alegria no rosto. Ela não possuía força para fazê-lo, por mais que desejasse. — Como você está se sentindo, Hermione?


— No presente momento, não sei. — Ela sorriu fracamente.



Permitiu-se olhar George por alguns instantes. Que dor no peito lhe invadia ao observar os cabelos ruivos, os olhos claros e o sorriso debochado. Não fossem por alguns meros detalhes, aquele seria Fred a olhá-la com curiosidade mais uma vez, como fazia quando eram apenas amigos. Bons tempos.



— Sabe, às vezes acho que vejo Fred. Todos os dias quase. Realmente o vejo, mas não sei se é obra da minha mente ou algo que vá além da minha compreensão. — Ele olhara para ela. Ali estava a tristeza estampada em si. — Nunca disse isso a ninguém porque me achariam louco, mas acho que você me entende.


— Gêmeos possuem uma ligação muito grande entre si, George. — Ela lhe confortara com o olhar. — Eu costumava achar que o via na janela do meu quarto quando morava com meus pais. Me alegrava imaginar que ele estivesse ali a cuidar de mim, mas sei que no meu caso era apenas o desejo de vê-lo novamente.


— Fred me pergunta sobre você. Não sei explicar. Eu nunca soube respondê-lo de fato por não saber mais nada sobre você.



Logo ali havia lágrimas numerosas. Fred ainda se lembrava dela assim como ela mantinha sua memória viva todos os dias. Hermione tinha a foto dele guardada cuidadosamente na gaveta da cômoda ao seu lado e sorria para ela todos os dias antes de se levantar. O sorriso dele que havia na imagem lhe dava forças para suportar até o pior dos dias.


— Depois de tudo eu acabei estudando em casa. Me formei. Viktor chegou até mim num momento em que eu estava me sentindo a pior pessoa na face da terra. Sou grata a ele.


— O fortão da Bulgária. — George revirara os olhos, fazendo-a rir. — É bom saber que você está vivendo. Quando lia as cartas que você mandava para mamãe, eu sempre achei que jamais te veria rindo de novo.


— Confesso que por muito tempo eu não soube rir.


— O importante é que você continua forte como sempre foi. Nunca perca a sua alegria, assim como eu me permiti perder.


— Molly me disse uma vez que você não conseguia mais conjurar patronos. Eu sinto muito.


— Eu consigo rir. Consigo fazer as pessoas rirem. Acontece que me falta algo, aquela metade de mim que Fred era. Eu o sinto por perto na maior parte do tempo, mas é diferente de tê-lo de fato por aqui.


— Eu sei como é, convivo com isso também, George.


— Ele faz falta, não é? — George rira. Era um riso delicioso, assim como o de Fred costumava ser, e Hermione logo estava sorrindo ao notar isso. — Costumo passar horas me lembrando de coisas bobas. A vez que colocamos um gnomo vestido de bailarina no topo da árvore de natal; O dia em que azaramos Gui enquanto ele ajudava nosso pai a assar carne do modo trouxa. Ah sim, teve também uma vez em que Fred me enterrara na neve e me esquecera lá.


 


Hermione ria. Na verdade, ambos riam como se não houvesse amanhã. Era como se estivessem falando mal de Fred enquanto ele preparava café na cozinha, de modo que ele logo estaria ali os olhando com repreensão. Bem que podia ser daquele jeito.


 


— Guardo uma foto dele na minha mesa de cabeceira. Às vezes me pego olhando para ela antes de dormir e desejando uma boa noite. Parece bobagem, mas são coisas que me fazem senti-lo por perto.


— Eu faço essas mesmas coisas, acredite. — Ele derramara uma pequena lágrima solitária em meio ao sorriso. Era tão bom finalmente ter alguém que se sentia como ele sobre a perda do irmão. — Às vezes costumo me olhar no espelho por horas, como se eu o estivesse vendo na minha frente. Não preciso dizer nada. Consigo imaginar que nunca o perdi.


— Eu sei que nós nunca fomos muito próximos, de fato... — Hermione dissera ao aproximar-se dele, acariciando-lhe o braço que ficara nitidamente mais forte ao passar dos anos. — Mas estou aqui, sim? Carregamos a mesma dor. É como se não tivéssemos aproveitado nada do tempo que passamos ao lado dele e isso dói muito.


— Eu só... Só queria tê-lo aqui ainda. Por que Merlin teve que levar embora alguém que só nos fazia sorrir? Não é justo.


— Nós o veremos novamente. — Hermione dissera ao olhá-lo com clareza. Havia um brilho de saudade nos olhos amendoados. — Sinto ter que ir tão rápido, George, mas me fez bem poder falar sobre tudo isso com você. Vinha guardando tudo no meu peito há tempos.  


— Foi bom te ver, Hermione. De verdade. Não posso deixar de agradecer por ter alguém que sabe o que eu sinto.


 


* * *

 


Caro Fred,


 


Hoje eu vi a Hermione. Na verdade, foi ela que me convenceu a escrever isso pra você, dizendo que assim eu poderia me sentir um pouco melhor. De fato, acho que ela estava certa mais uma vez. Afinal, estamos falando da sabe-tudo Granger. Ei, não se irrite. É apenas um apelido carinho de cunhado.


Sabe, às vezes acho que te vejo por aqui. Não sei se fiquei maluco desde que você se foi ou se isso realmente é possível, visto que você é realmente metade de mim. Espero que o seja, pois essa é uma das poucas coisas que me fazem bem em crer. Assim como as promessas de Angelina sobre ela voltar logo dos treinos com Gina para as Holyhead Harpies. Não que eu vá me enlaçar com ela. Mulheres interrompem meu fluxo criativo, assim como nos velhos tempos.


A Gemialidades Weasley está crescendo a cada dia, um verdadeiro sucesso! Mas é claro que você já sabe disso, afinal, você sempre está aqui comigo. Gostaria que pudéssemos criar novos logros juntos. Mantenho seu caderno de projetos em cima da escrivaninha e ele sempre me ajuda a pensar em algo. Confesso que não tive o dom de criar muitas das suas invenções, como as balas de veritasserum. Mas elas inspiraram outras coisas, como as balas de amortentia – lembra? A poção do amor. Cá entre nós, hordas de alunas de Hogwarts as compram! Aquele lugar deve estar um verdadeiro poço de amores.


Gostaria de saber como você está. Por aqui tudo está indo nos conformes. Hermione está trabalhando no Ministério e Viktor está cuidando dela até que vocês possam se ver de novo. Não se irrite, afinal, o amor dela ainda é seu. Acredita que ela chorou ao me ver por ter se lembrado de você? De todo modo, enviei um pacote de doces que vai fazer aquele cara se lembrar de que a morena sabe-tudo não é propriedade dele. Não precisa me agradecer, só estou protegendo o que lhe é seu por direito.
 


Mamãe e papai estão ficando meio caducos. Nossa casa – ou o que costumava ser ela – até parece um estoque de utensílios trouxas. A folga que papai recebeu há alguns anos do Ministério tem feito isso com ele: tempo de sobra pra colecionar velharias. Você precisa ver como a senhora Molly fica adorável com os cabelos brancos. Finalmente os cabeça-de-cenoura estão parando de dominar aquele lugar.


Com nossos irmãos, acho que tudo está na mesma. Gui se casou com uma francesa de Beauxbatons, não sei se você se lembra dela. Não vou entrar em detalhes porque a tal é parte veela e Hermione detestaria saber que sua amada cópia de mim está cobiçando outra. Mesmo que seja culpa da veela. (Aprendi que essa desculpa é ótima).


Percy, eu desconfio que tenha um caso com o chefe, porque sempre o elogia demais, mas prefiro não imaginar algo estranho assim. Já Ron continua um solteirão, de modo que você me deve dez galeões. Não, eu não me esqueci da nossa aposta e ele definitivamente não vai arranjar uma namorada nunca. Gina e Harry se casarão em breve e desconfio que me darão inúmeros sobrinhos. Aqueles ali vão puxar o dom Weasley de procriar feito coelhos. Nada contra a mamãe.


Quanto a mim, continuo trabalhando quase o tempo todo pra me esquecer de coisas que me entristecem. Angelina às vezes aparece por aqui e ficamos juntos, mas nada muito sério. Sabe como é, sou lindo demais para ser de uma só. Não que eu tenha sido de outras, mas isso não vem ao caso.



Voldemort morreu, cara! Harry conseguiu graças a Dumbledore. Tenho certeza de que isso você também já sabe, visto que notícias assim voam rápido.


Como é o céu? Espero que tenha fontes de cerveja amanteigada, tal como nós costumávamos imaginar quando éramos mais novos e sabíamos que algum parente havia morrido. Lembra que brindávamos depois, pra que a pessoa tivesse uma eternidade de alegrias? Isso me parece um pouco sinistro agora.


Ei, me mande um sinal. Sei lá, qualquer coisa. Uma borboleta entrando pela janela, um dia ensolarado em que do nada começa a chover ou vice-versa. Eu vou entender, sou inteligente. Sinto que você deve estar revirando os olhos ao ler essa frase. Ta vendo como sou idiota? Escrevi pra tentar desabafar um pouco e já estou sonhando que você lerá isso de verdade.


Mas preciso te dizer algo que sinto até vergonha de dizer: São essas coisas bobas que permitem que eu siga vivendo dia após dia. Você faz muita falta na minha vida e agir como um idiota diante da sua ausência às vezes faz com que eu não leve a vida tão a sério, de modo que posso suportar melhor as coisas.


Eu te amo, Fred. Acho que nunca te disse isso porque sempre achei que seria estranho dizer algo assim ao meu irmão, mas não deixa de ser a verdade mais verdadeiramente verdadeirosa do mundo e me arrependo de não tê-la dito enquanto você era vivo. Obrigado por ter sido o melhor irmão que alguém poderia ter. Principalmente por ter puxado a minha beleza, visto que eu nasci quarenta e cinco segundos antes de você. Arthur Weasley caprichou nessas belezuras aqui, pena que não conseguiu acertar nas outras vezes, fazendo nossos irmãos serem tão feios.



Vou deixar essa carta em cima da mesa da sala, assim como costumávamos fazer na Toca quando mamãe mentia que Papai Noel existia mesmo. Não vai ter biscoitos pra você, seu esfomeado.


Com amor, o mais bonito e humilde dos gêmeos Weasley,



George.


 






NOTA DA AUTORA: Espero um dia transformar isso numa fanfic mais extensa, em que o George passe a escrever cartas para o Fred afim de se sentir melhor. Por enquanto, só um projeto. Essa one-shot é a parte prolongada de um capítulo de outra fanfic minha, Fremione: Please Be Mine


 

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