Despedida



CAPÍTULO  1 – Despedida


 


A Rua dos Alfeneiros estava aparentemente calma naquela noite de julho. Nenhuma pessoa circulava, e as poucas casas ocupadas, já que grande parte da vizinhança aproveitava as férias de verão para viajar, estavam escuras e silenciosas. Exceto talvez um quarto no andar de cima da casa nº4, que teimava em deixar escapar uma luz pela janela.


Ao contrário da calmaria da rua, no quarto de Harry Potter a vida se mostrava turbulenta. Desde o retorno de Hogwarts, após o funeral de Dumbledore, suas noites eram cada vez mais conturbadas, sendo impossível pegar no sono antes de repassar todas suas preocupações.


Voldemort. Aquele nome que muitos preferiam não falar e que era responsável por a maior parte de seus problemas.


“Talvez não a maior parte dos meus problemas, e sim todos eles”


E por um momento se permitiu imaginar sua vida sem ele.


Definitivamente ele não estaria morando com os Dursley. Teria um quarto muito melhor que aquele e o quarto ao lado seria ocupado por seus pais. Ele, talvez, estaria dormindo tranquilamente, imaginando como seria o retorno a Hogwarts, preocupado apenas com seus N.I.E.M.’s. Poderia orgulhar McGonagall e se tornar auror.


Mas, agora, nem em seu retorno a Hogwarts, ele poderia imaginar. Já havia decidido, e junto com Rony e Hermione, ele sairia em busca das Horcruxes restantes, deixando de lado seu último ano na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.


E para isso a primeira coisa de lado que deixaria seria a Casa dos Dursley.


Não que isso fosse difícil, afinal a Rua dos Alfeneiros nunca tinha sido seu lar. Até os 11 anos as melhores lembranças que tinha de lá eram o mau-humor constante de tio Válter, o descaso de tia Petúnia e as brigas com Duda. Aquilo não foi pra ele uma família de verdade.


Somente em seu 11º aniversário, num casebre isolado numa ilha, ele recebeu um presente de verdade: a (incrível) notícia de que era um bruxo e passaria a maior parte do ano estudando na mesma escola de magia que seus pais. E somente teria que voltar pra Surrey nas férias de verão.


Mas apesar de tudo, os Dursley e mais especificamente, tia Petúnia eram o que restavam de laços sanguíneos com Lilían Potter. E era por isso que ele voltava todo verão e por isso que tinha que deixá-los em seu 17º verão.


Assim que atingisse a maioridade o feitiço protetor deixado por sua mãe terminaria e ele estaria vulnerável naquela casa. Além disso, seus tios e Duda poderiam ser atacados igualmente e sofreriam, apenas por terem uma pequena ligação com “o menino que sobreviveu”.  Por isso Harry os deixaria em risco continuando ali.


Portanto decidira partir no próximo dia. Avisaria seus tios e os aconselharia a deixar a casa também antes que alguém descobrisse o lugar em que o famoso Harry Potter havia sido criado.


Além disso, não avisaria mais ninguém que estaria partindo, nem mesmo Rony ou Hermione. Seria perigoso mandar cartas ou arriscar que essa informação vazasse a algum Comensal ou até mesmo Voldemort.


Por isso em seu último desembarque na plataforma 9 ¾, apenas deixou avisado que sairia assim que possível dos Dursley.


(...)


Após combinar com seus dois melhores amigos que iriam juntos a procura das Horcruxes e partiriam após o casamento de Gui e Fleur, Harry chamou-os novamente quando estavam sozinhos, saindo do trem.


“Vocês sabem que preciso voltar a Rua dos Alfeneiros devido ao feitiço protetor de minha mãe e assim como queria Dumbledore. Mas assim que eu fizer 17 anos o feitiço deixará de existir. Então precisarei sair de lá, caso Voldemort planeje um ataque quando a casa ficar vulnerável. Não posso permitir que meus tios sofram por causa disso..”


“Harry, nós podemos ir buscá-lo e a Ordem pode proteger seus tios....” – interrompeu Hermione.


“Não, Hermione, quanto mais gente souber o quando pretendo partir mais arriscado seria. Por isso apenas avisarei vocês que deixarei os Dursley o mais cedo possível. Não será necessário que ninguém apareça por lá. Irei sozinho e assim que estiver em um lugar seguro mandarei uma carta e partirei para a Toca, para o casamento. E depois partiremos em busca das Horcruxes”- ele terminou com um olhar cansado e preocupado.


“Bom, se você acha melhor assim, nós concordaremos. Mas não se atreva a não comparecer ao casamento. Mamãe lhe mataria antes mesmo que Voldemort chegasse perto!” – Rony lhe disse e os três riram descontraidamente, aproveitando a última vez na estação King’s Cross como três amigos normais que não precisam arriscar a vida continuamente para salvar o mundo bruxo.


(...)


A lembrança de desse momento fez Harry sorrir por instantes. Rony Weasley e Hermione Granger, seus melhores amigos e, junto ao restante da família Weasley, eram que podia chamar de família. E a Toca de seu lar. Eles eram motivos pelo qual Harry estava abandonando o último lugar seguro do mundo para tentar destruir o bruxo das Trevas que há 16 anos o impedia de levar uma vida normal, sem que as pessoas que mais amava corressem risco de vida. E uma vida normal era tudo o que ele mais desejava.


Poder voltar a Hogwarts sem se preocupar, poder andar pelas ruas do Beco Diagonal sem precisar usar sua capa, voltar à Toca sem a preocupação de que o descubram e, principalmente, poder voltar a ficar com Gina.


A decisão de romper com ela após o funeral de Dumbledore ainda lhe causava rebuliços no estômago e na consciência. Não queria magoá-la , mas antes de tudo, não queria que ela se tornasse mais uma vítima de Voldemort ou do traidor Snape, apenas por ser sua namorada.


O tempo que passaram juntos foi incrível. Os finais de tarde na beira do lago ou mesmo as noites no Salão Comunal. Os cabelos ruivos encostados no seu ombro e o doce cheiro de Gina lhe tranqüilizavam e faziam cada dia valer a pena.


Ele imaginava como ela estaria agora. Dormindo muito provavelmente. Será que sonhava com ele? Ansiava para revê-lo na Toca? Como estaria para o casamento?


E imaginou sua ruiva num delicado vestido de festa, com olhos brilhantes, faces decididas e um sorriso maroto, chamando-o para dançar. Ele abraça-a pela cintura e ela passa seus braços em seu pescoço. E eles dançam. Apenas trocando olhares e sorrisos eles se movimentam levemente, como se mais nada existisse em volta.


Assim, imaginando o aroma de flores e a pele macia da garota ele adormece com o coração tranqüilo, a respiração leve e um sorriso no rosto.


......-----------


 


Com a gritaria de tia Petúnia no andar de baixo e uma estranha sensação gostosa no peito, Harry despertou para seu último dia naquela casa.


Já havia deixado tudo preparado para a partida.


Colocou a maioria de seus livros, pergaminhos,o álbum de fotos de seus pais, uniformes da escola, luneta, balança e outros materiais de Hogwarts no malão.


Numa mochila colocou apenas o que iria levar na viagem: algumas roupas, a capa de seu pai, o Mapa do Maroto, o medalhão com o bilhete de R.A.B. e algum dinheiro. A varinha de azevinho estava no bolso de sua calça desde que chegara ali e a Firebolt iria separada, afinal ele não tinha Hermione para fazê-la caber magicamente em sua mochila.


Inicialmente iria ao Beco Diagonal. Não se hospedaria novamente no Caldeirão Furado porque seria arriscado demais. E chamar atenção não era sua intenção.


Talvez se hospedasse num hotel  na periferia de Londres. Ainda tinha dinheiro trouxa o suficiente pra pagar a estadia inicial. E de qualquer forma, seu principal objetivo indo a Beco Diagonal era passar em Gringotes, o banco bruxo, para retirar um pouco da fortuna deixada por seus pais, suficiente para sobreviver em sua busca por Horcruxes.


E daí, começar a concretizar os planos para ir atrás desses objetos de Voldemort, investigar quem afinal é R.A.B., para então aceitar o convite de Rony e passar o restante dos dias na Toca.


Repassando mentalmente seus planos ele se trocou e desceu para o café da manhã e para a conversa com seus tios sobre a partida. Seu estômago revirou e ele achou que nada tinha a ver com a fome que sentia.


 


 


Na cozinha tia Petúnia preparava os ovos com bacon para tio Válter, que estava com a cara e os bigodes enfiados no jornal (“Estranhas mortes instigam polícia local”), enquanto Duda engolia ferozmente a pilha de panquecas que estava em sua frente.


Harry se sentou silenciosamente, pegou algumas panquecas e começou a mastigá-las enquanto pensava em seu discurso. Quando finalmente tio Válter abaixou o jornal, pedindo por mais ovos, Harry começou :


“Humm... Tio Válter... Preciso conversar uma coisa com vocês..”


“O que foi dessa vez, moleque?”


“Bom, esse ano não voltarei a Hog...minha escola...”


“Como assim??? Teremos que te suportar o ano inteiro?? 


“Na verdade, não. Estarei partindo hoje a tarde.” –e cada vez com mais decisão na voz continuou- “Vocês se lembram de quando Duda, bem..., sofreu um ataque com os dementadores. E era somente porque ele estava comigo. Vocês estavam certos. Permanecendo aqui eu trago cada vez mais riscos. Principalmente agora que  Voldemort – e ele notou reconhecimento do nome por parte de tia Petúnia- sim, aquele que matou meus pais, está cada vez mais forte e com mais aliados. Por isso vou deixar a escola também. Seria perigoso pra quem estivesse ao meu lado”.


E com tudo saindo num fôlego só ele parou, respirou e avaliou a cara de assustados de seus tios e o horror na cara de Duda. Afinal ele se lembrava do episódio há dois anos atrás.


“Mas se eles estão atrás de você... quero dizer, eles sabem que mora aqui, não sabem? Afinal eles já mandaram aquele dmntis-não-sei-das-quantas pra cá uma vez....?” – Petúnia falou com uma voz vacilante.


“Sim. E é por isso que eu gostaria que vocês saíssem daqui também. Não seria seguro continuarem aqui. Não por enquanto. Viram as mortes noticiadas? Aquelas em que não há sinal de nenhum ferimento ou indício de morte natural?? São mortes causadas por magia! E continuarão ocorrendo, assim como coisas piores que isso, enquanto Voldemort estiver por aí. Enquanto ele estiver vivo.... - ele falou cada vez mais baixo.


“Quer dizer que está nos expulsando de nossa casa??? Que aqueles doidos do seu tipo podem nos atacar a qualquer momento? Quer dizer que te criamos com toda a boa vontade e o resultado é estarmos sobre perigo em nossa própria casa! Ahhh, Petúnia! Essa gente que acha que somos obrigados a lhes fazer favor e ainda nos prejudica!”


“Por favor tio Válter”- e naquele momento Harry adotou um tom de desespero somado ao sentimento de culpa, e que refletia sua mais verdadeira angústia- “eu nunca quis deixá-los nessa situação. Eu sei que é minha culpa que tenham que sair e que possam estar sobre perigo ficando aqui. Mas, por favor, acreditem em mim. E sigam meu conselho de deixar esta casa o quanto antes. Nunca foi minha intenção que isso ocorresse. E se peço tudo isso é porque quero protegê-los. Por favor....”


E surpreendendo os três, Harry terminou de falar e baixou os olhos, esperando uma resposta. Que veio de tia Petúnia.


“Válter, talvez o melhor seja fazer o que ele falou. Eu..., eu não quero gente da laia dele aparecendo aqui ou vigiando nossa casa. Por causa dele! – e indicou Harry com um gesto de desprezo.


“Mas pra onde iríamos Petúnia? O fedelho acha que temos uma casa em cada lugar da Inglaterra? Ou quem sabe um chalé de verão em algum lugar??”


Mas antes que tia Petúnia respondesse, Duda, menos horrorizado que antes e surpreendentemente calmo disse:


“Papai, quando Harry começou a receber todas aquelas cartas! Em menos de uma semana viajamos pra um hotel e passamos a noite num casebre no meio do nada! E agora que ele diz que, que... que talvez aquelas coisas horrorosas voltem, nós não temos pra onde ir???”


Harry e seus tios, ainda espantados com a fala lógica de Duda permaneceram temporariamente em silêncio. Até que tia Petúnia se manifestou.


“Válter, seja razoável. Talvez nosso Dudinha tenha razão. E de qualquer forma seria um ótimo período para aproveitarmos as férias de verão. Olhe, todos nossos vizinhos estão fora. Não seria nada estranho que fossemos também.”


E aquilo, o argumento de que a saída repentina dos Dursley seria totalmente normal, foi o que mais convenceu tio Válter. Depois do apelo de Duda, é claro.


“Ótimo! Vamos viajar por um tempo. E, moleque, conseguiu nos expulsar de nossa casa. Mas saiba que mesmo se voltarmos, nunca aceitaremos você de volta, entendido?


“Entendido! Obrigado tio Válter! Eu prometo nunca mais voltar. Mas jurem que ficarão fora até que... até que tudo se acalme. E me desculpem por tudo...” – Harry respondeu prontamente satisfeito, tanto com a saída deles como o pedido de não mais voltar.


“As minhas malas estão prontas. Partirei assim que terminar de me arrumar.”


E assim subiu para o quarto, deixando no andar de baixo seu tio mau-humorado (mais do que o costume), Duda animado com a possibilidade da “viagem de férias”, e tia Petúnia, que por um momento lhe pareceu lançar um olhar triste e preocupado, mas que num segundo havia se transformado no ânimo de passear para outro lugar, assim como a vizinha da rua de cima, que adorava se gabar das “férias de verão no campo”....


 


Talvez as coisas dessem certo pra Harry, afinal. Ele estava realmente aliviado de proteger um pouco os Dursley da ameaça de Voldemort. E a partir de agora, não precisaria mais voltar a passar as odiosas férias com os tios. Afinal prometera nunca mais voltar.


Apesar de uma felicidade inicial, o fato de talvez nunca mais reencontrar os tios e o primo, lhe começou a causar uma sensação de perda. Talvez aquela fosse a primeira, de muitas. Afinal a guerra em si ainda nem começara.


___*____


 


Ás três horas exatamente, Harry estava na sala, com seu malão, a mochila e a vassoura embrulhada em jornal numa frustrada tentativa de não chamar atenção.


“Bom, acho que é isso então...- Harry se dirigiu timidamente aos tios. “Espero que...,hum... consigam um bom lugar pra ficar e que nada de mal aconteça a vocês” –silêncio...- “Ahn... me desculpem, e...obrigado por todos esses ..anos....”


Como não houve reação, Harry se dirigiu a porta.


Mas assim que girou a maçaneta, ele ouviu um ruído e, tia Petúnia falou o mais rápido que pode:


“Boasorteharry!” – e timidamente voltou a olhar pro chão.


Encorajado pela mãe Duda também resolveu responder:


“É... boa sorte Harry”


Talvez intimidado pela reação dos outros membros da família, tio Válter pigarreou e disse:


“Ok, boa sorte..... E trate de não voltar!”


Harry sorriu e disse:


“Fique tranquilo tio Válter, não voltarei. Adeus então.”


Antes de Harry virar-se para sair, jurou ter visto uma mistura de um sorriso e um olhar de compaixão no rosto de tia Petúnia. Assim que fechou a porta e olhou pra rua Harry sorriu novamente.


“Não, tio Válter, eu não voltarei.”


 


 


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.