Memórias



     Como as coisas passam rápido... Sentado no sofá, de frente para o fogo crepitante da lareira, deixei minhas antigas memórias se apoderarem de mim e, não muito surpreso, dei-me conta de que mesmo após tanto tempo ter se passado, ainda parecia que fora ontem que um gigante barbudo olhara para mim e dissera: “Harry, você é um bruxo!”. Sinceramente, aquele foi o dia mais estranho da minha vida. De apenas Harry eu passei a Harry Potter, O Menino que Sobreviveu. E mais de repente ainda: eu era famoso e tinha uma vaga reservada para estudar em uma escola de magia e bruxaria, chamada Hogwarts. No início, ainda em choque com a nova realidade, eu não sabia exatamente quê diabos iria fazer em Hogwarts, mas me pareceu mais interessante do que passar o resto dos meus dias na casa dos Dursley, trancado em um armário minúsculo e poeirento debaixo da escada.
    Portanto decidi arriscar.
    E, obviamente, não me arrependi. Foi lá que encontrei meu verdadeiro lugar no mundo. Um lugar onde eu era aceito e compreendido, e não mais um menino estranho e perturbado. Foi onde conheci meus melhores amigos Rony e Hermione, aqueles que me deram força e apoio para enfrentar meu cruel e sombrio destino. E, além disso, foi onde aprendi quase tudo o que sei sobre magia. Mas as coisas não foram tão maravilhosas como estão parecendo.
    Foi também nesse novo universo que aprendi, da pior forma possível, que nem todos os grandes bruxos são bons. E foi Voldemort (sim, hoje mais do que nunca não tenho medo de pronunciar seu nome) quem me mostrou isso.
    A guerra contra ele foi realmente árdua e desgastante. Mas mesmo sendo tão difícil, tenho orgulho de dizer que em momento algum fraquejei. E isso se deve ao fato de que meus pais morreram por mim, morreram para me proteger, e eu sempre tive em mente o pensamento de que eu precisava honrar esse sacrifício tão nobre deles. Foi assim que encontrei forças para seguir meu caminho. Eu precisava destruir aquele que me tirou meus pais, aquele que fez tantas pessoas inocentes sofrerem, caso contrário, a morte de meus pais teria sido em vão, e não há desonra maior que essa.
    E foi isso que fiz. Lutei até o fim, defendendo aquilo que eu acreditava. É claro que houve muitos sacrifícios. Perdi muitas pessoas importantes, o que naquela época me deixou cheio de um perturbador sentimento de culpa, mas que mais tarde, por fim, deixou-me. Com o fim de Voldemort, senti que a morte de todas aquelas pessoas foi recompensada. Após todo esse sofrimento, pode-se dizer que o mundo bruxo voltou a ser o que era antes, só que com muitas histórias a mais para contar...
     É engraçado como hoje me parece tão ridículo o fato de que naquela época tudo o que eu queria era ter uma vida normal, como qualquer garoto da minha idade. Coisa que nunca tive, pois Voldemort roubou isso de mim. Ele brincou com a minha vida, traçou meu destino com suas artimanhas cruéis, como se fosse grande e poderoso o suficiente para isso. Mas somente agora, mais velho e mais sábio – modéstia a parte – vejo que todos os problemas, todo o sofrimento e todas as lágrimas derramadas me tornaram mais forte. E eu faria tudo de novo; até porque, como Rony dissera certa vez: “A vida não tem graça sem alguns dragões”. Estranho, mas isso faz algum sentido agora.
    – Harry, querido. Chegamos!
    Ao ouvir a doce voz de Gina me chamando, meus pensamentos rapidamente se desfizeram, e me dei conta de que estivera em uma espécie de transe, perdido em devaneios. Não sabia quanto tempo havia se passado, mas ao olhar pela fresta da porta aberta, vi que o céu já havia escurecido completamente.
    Na lareira o fogo já se extinguia. As brasas consumiam lenta e preguiçosamente seus últimos vestígios, deixando-a aos poucos sem vida. Sei que parecia loucura, mas não pude deixar de procurar naquelas brasas, mesmo que por um ínfimo instante, o rosto de meu padrinho Sirius, flagelado pela dor e pelo sofrimento. Tantas vezes a lareira fora nosso único meio para podermos nos encontrar...
    Antes que esse e outros pensamentos pudessem me dominar novamente, tratei de afastá-los. As pessoas que eu mais amava finalmente haviam chegado e eu estava ansioso para revê-los. Gina, totalmente sobrecarregada por malas e casacos, tentava com dificuldade passar pela porta. Corri até lá para ajudá-la. – Obrigada, querido – agradeceu ela, enquanto tirava as luvas de lã das mãos e me beijava suavemente. – Enfim, em casa! Enquanto eu deixava as malas em um canto qualquer, já conseguia ouvir as gargalhadas de meus filhos ficando mais próximas.    
    Ali estavam Tiago, Lílian e Alvo, cruzando a porta, carregados de malas, livros e é claro, com as varinhas em punho. Haviam finalmente chegado de Hogwarts, para passar uns dias em casa e eu mal podia esperar para saber das novidades e, principalmente, para curtir meus filhos. Céus, como estavam grandes! Assustei-me ao vê-los entrando no hall. Já estavam quase adultos. Depois de ter ficado tantos meses longe de meus filhos, comecei a perceber que realmente tudo passava muito rápido. Ontem mesmo eles eram apenas crianças sonhadoras, esperando ansiosamente completar 11 anos para ir à Hogwarts, e hoje já são quase adultos e independentes.
    – Oi, papai! – Lílian veio ao meu encontro e atirou-se em meus braços. Abracei-a forte e demoradamente, sentindo o delicioso aroma que emanava de seus cabelos. Ela estava crescendo rapidamente e a cada dia ficava mais linda. “Assim como a mãe”, pensei fitando Gina, que sorria para mim.
    – Senti sua falta querida – murmurei dando-lhe um beijo na testa.
    – Eu também – respondeu-me ela, soltando-se de meus braços com um sorriso estampado no rosto. – É bom estar em casa.
    Em seguida vieram Tiago e Alvo, em meio a brincadeiras e gargalhadas.
    – Oi, pai – disseram os dois em uníssono, abraçando-me rapidamente.
    – Olá garotos! – com certa surpresa percebi que Tiago estava mais alto, quase do meu tamanho. Não pude deixar de me assustar com aquilo.
    Era realmente surpreendedor ver o rumo que as coisas haviam tomado com o decorrer dos anos. E mais surpreendedor ainda, ver a mansidão que pairava sobre nossa casa, a forma alegre como todos agiam, fazendo coisas corriqueiras, assim como uma família normal. Por mais esquisito que isso pudesse parecer para mim, acho que agora, depois de tanto tempo, posso dizer que tenho uma vida normal, como eu sempre quis. E devo confessar: é um tanto quanto monótono. Mas há certa beleza nessa trivialidade; é bom ouvir a voz de meus filhos, suas gargalhadas, seus gestos mais simples... E são essas as lembranças que quero ter em minha memória para sempre. Afinal, sei bem como é não ter lembranças de meus pais, mesmo aquelas mais ridículas e bobas.
    Sei também que meus filhos estão crescendo e logo terão que enfrentar o mundo sozinhos. Essa é a lei da vida. Terei que me adaptar a isso, por mais difícil que possa parecer no primeiro momento. E o pior, com isso, começo a perceber que estou envelhecendo. O que talvez não seja tão ruim, tendo minha família do meu lado.
     De qualquer maneira, tudo o que fiz no passado foi para tornar o mundo um lugar melhor e mais seguro para meus filhos. Foi difícil, mas ao vê-los cruzando a porta de entrada há poucos minutos atrás, e tendo eles agora em meus braços novamente depois de tanto tempo longe, sei que tudo está bem. Sei que fiz o certo. E que valeu à pena.

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