Ao Cair Feito Pluma



Tudo começou com uma queda.


Eu o observava, tenho de admitir. Segui-lo durante tanto tempo me fez conhecer cada um de seus hábitos, admirar seus feitos, me impressionar com suas façanhas, e assim eu o conheci, mais do que me foi dito, mais do que os demais aluno conseguiam enxergar. Como sua veterana, ainda que recém-transferida, eu o olhava como superior, mas ele era incrivelmente talentoso. Mesmo no quinto ano de Hogwarts, aquele garoto demonstrava um exímio domínio na magia e suas propriedades, bailando com os braços livres, a varinha em riste, 31cm de mogno com pena de fênix.


Muitos o invejavam.


Ele invejava a todos.


Escorada na amurada de um andar superior, eu mantinha os olhos fixos em seus movimentos. Ambos éramos da Sonserina, representando o grotesco legado de Salazar, vestidos no verde e prata costumeiros. Os anos se passaram, mas o tradicionalismo da Escola de Magia e Bruxaria da Inglaterra se manteve, e ali estava ele, treinando para uma nova apresentação do clube de duelos, preparado para afrontar os mais incrédulos Grifinória, derrubando-os um a um, como sempre fazia.


Agora, no entanto, ele era um dançarino numa melodia silenciosa. Aperfeiçoava seus movimentos, rodopiando a varinha entre os dedos pálidos para encantar as árvores do campo aberto, fazendo com que as folhas voejassem, soprando-as numa brisa involuntária, desenhando no solo terroso imagens de sua mente perturbada.


Chad Dominic era um nome conhecido para a época. Um garoto renomado, de aparência agradável e cinzenta, esquecido não fosse suas chamativas performances em sala de aula. Tinha seus cabelos trançados, fios próximos dos ombros, castanhos e alinhados em simetria. Os olhos eram escuros, tão escuros quanto a noite, mas nada foscos; carregavam um brilho sem igual, uma centelha de vontade e temperança.


No quinto ano, Chad já vencera alunos de sexto e sétimo ano em seus duelos, o que deixava-o confiante a ponto de não baixar os olhos quando afrontava a desaprovação na mente de cada um de seus veteranos.


Isso me incluía, obviamente.


Eu era intangível entre os demais. Lane Maxwell era um nome que chegava a escapar soprado na chamada dos professores, tamanha a inexistência que me cercava, e eu achava isso ótimo. Ali, nas sombras dos mais populares, sentia-me em meu lugar, fazendo o que tinha de ser feito da maneira que tinha de ser feito, nada mais.


Ali, apoiada nas lacunas da amurada do terceiro andar, assistia a Chad em sua prática, e ele me encantava.


Não soube explicar o que sentia. Talvez não fosse nada. Talvez eu sentisse pena, isso. Piedade. A mesma piedade que muitos sentiam ao conhecer parte da triste história carregada por aquele garoto. Não, não era isso. Admiração, talvez. Ele tinha seus quinze anos e era muito melhor do que grande parte dos maioritários parecia ser. Respeito? Impossível. Ele era mais novo, e eu só lhe devia educação. Então o quê era?


Reducto!


Quando os arbustos mais próximos implodiram diante de seu feitiço, eu me desequilibrei. Até então, tinha o disfarce perfeito, a posição perfeita, seguia-o sem ser notada. Agora, desajeitada como sempre fui, fazia de meu segredo um livro aberto, mostrava-me ali, gritante, numa queda de infindáveis metros repentina a ponto de impedir que eu brandisse a varinha de salgueiro em minha cinta.


Aresto Momentum!


Eu pairei.


A queda veloz foi retardada até o belo ato de planar e, como um pássaro de asas entreabertas, cedi ao vento meu peso, e ele me carregou, sem pressa, até o gramado estofado dos jardins. Eu quase adormeci, tamanha a serenidade daquele instante; postei-me em pé rapidamente, e ele já estava ali, à minha frente, os olhos abertos pela surpresa, os lábios como cela, aprisionando um sorriso de cinismo sem igual.


—Você está bem? —ele me perguntou, sua voz soando como um canto.


Engoli em seco.


Aquele diálogo não deveria acontecer, não mesmo!


—Estou, estou sim! Obrigada! Eu me desconcentrei, acabei caindo.


—Tome mais cuidado da próxima vez, erm —


—Lane! —exclamei, ainda afobada. —Lane Maxwell, do sétimo ano.


—Sétimo ano?


Ele parecia surpreso.


Como boa aluna do último ano de Hogwarts, o mínimo que eu deveria saber era como me salvar de uma queda iminente como aquela.


—Sim, sétimo. Somos da mesma casa.


Ele me olhou de cima a baixo, estudando cada detalhe das vestes de cores idênticas às dele.


—Imaginei. É um prazer, Lane. Meu nome é Chad Dominic, mas talvez você já saiba disso. Os boatos correm livremente pelos corredores, não acha?


—Que boatos?


Ele riu em ironia, e então me deu as costas.


—Se me dá licença, Lane, eu tenho de retornar aos meus alojamentos. —Suas palavras eram sempre carregadas de formalidade e compostura, uma raridade sem tamanho na atualidade. —Espero que nos encontremos outras vezes.


—Ah, sim, claro, isso certamente vai acontecer! Não, me desculpa, não foi isso o quê eu quis dizer, mas é que somos da mesma casa, então possivelmente vamos nos cruzar durante o intervalo das aulas, então vamos nos ver, vamos sim, com certeza!


—Até breve.


Eu escutei sua risada uma última vez, e ele então se retirou com um aceno.


Eu fiquei ali por mais um tempo, esperando que o mundo voltasse a girar.


O meu mundo, ao menos.


Quem era aquele garoto?

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