Capítulo único







Mein Kampf


No auge da dominação nazista, num dia em que certamente muitas vidas haviam sido perdidas, a alegria de um povo saqueada, sonhos dizimados, o sorriso e a inocência de crianças furtados, a Alemanha permanecia coberta por nuvens negras, parecendo estar de luto pelo terror derramado sobre parte de sua gente. As gotas da intensa chuva que assolava as redondezas desde o início daquele dia bombardeavam impiedosa e furiosamente a vidraça da janela, interagindo com o ar quente da compassada respiração de Severus Snape do outro lado da superfície transparente, embaçando o vidro sem que seu observador se apercebesse deste detalhe.


Sua cabeça parecia estar longe e enxergando além do céu. A cada vez que um raio luminoso cortava a imensidão negra como seus olhos, Severus repassava em sua mente as poucas lembranças boas de uma vida. Trovões estrondeavam alto, fazendo tremer, com tão brusco e estridente ruído, o vidro da janela e um minivaso de porcelana italiana em seu parapeito, que junto a ele trepidavam, ainda que em diferentes contextos.


Seus dedos tamborilavam inquieta e distraidamente na superfície de mármore enquanto ele se lembrava de uma missão recente, daquele mesmo dia: na visita a um povoado vizinho, havia visto uma jovem parecida com ela, com semelhantes pureza e bondade intrínsecas a um par de olhos verdes.


Diante da ameaça à sua família, a jovem ruiva clamava por misericórdia, da qual seus compatriotas jamais compartilhariam, assinalando a ruína de mais uma família judia, que serviria provavelmente de estatística quanto às vítimas daquele duro e sanguinolento sistema nos futuros livros de História.


Ver o brilho e a vida abandonando esmeraldas, mesmo que pertencentes à outra dona, o fez sentir-se fisicamente doente, ainda que a ferida maior fosse na alma, como se a estivesse perdendo pela segunda vez.


Após tantos anos de massacres, nos quais bradava em alto e bom tom para que outras famílias fossem assassinadas ou arrastadas até campos de concentração, ele podia sentir uma presença durante a noite perturbando-o, impedindo-o de dormir em paz, trazendo-lhe à tona todas as memórias das vidas que ele ordenou que fossem retiradas e do sangue derramado através dos disparos de suas armas de fogo, para orgulho de seu superior e de quem era braço direito, Hitler.


A impressão de que olhos verdes severos fitavam-no com ar de decepção, queimando sua pele com um demorado e incisivo olhar, perseguia-o.


Lily, a garota judia que permeara por tanto tempo suas obsessões secretas de adolescência, era seu inquestionável motivo para que, desde sua perda, ele tomasse decisões melhores e alcançasse a redenção e perdão por seus pecados.


Após a perda, anos atrás, do alguém que mais amou pelas mãos covardes de Lucius, um dos mais impiedosos dentre todos os homens do führer, ele envergonhou-se do que era e do que fazia, passou a sentir asco de sua própria existência e náuseas ao enxergar a suástica nazista em cada esquina que cruzava. Nada mais ali lhe fazia sentido.


Mendigou, praticamente de joelhos, perdão direto ao avô de Lily, um dos líderes da ordem judaica na Alemanha, prometendo-lhe colaborar no que fosse possível com pistas e informações constantes sobre novas represálias e ações do exército alemão contra judeus germânicos, para que perdas como a da pessoa que ele amava não voltassem a se repetir de forma tão indiscriminada e que ele pudesse se redimir diante da memória dela.


Precisava continuar com sua frieza e aparente impiedade diante de seu papel, entretanto. Exclamava, ao ver-se sem escolhas, “mate-os!” quando genuinamente desejava dizer “parem!”. Inacreditavelmente, seu nome nunca esteve sob desconfiança nas considerações do líder alemão. Ele era um dos poucos homens em que o führer confiava. Um dos poucos, apesar de já não lhe ser mais leal, ainda que demonstrasse firmemente que o fosse.


Chegar à sua casa e despir-se da tradicional farda do exército alemão era a melhor sensação que experimentava. Não sabia qual era seu futuro nem o que aguardava a Alemanha, mas de sua honra ele não abriria mão.


Sua batalha não era bélica nem pelo poder, era contra si próprio e suas origens arianas.


Sua luta não era a favor dos judeus ou por sua reputação, era por sua honra.


Ele não duelava contra a opressão nazista ou para afrontar a pessoa de Hitler, seguia firme em nome de Lily.


Talvez seu nome marcasse alfarrábios, livros e periódicos como um dos cruéis líderes da força armada alemã, e não como o alguém que ousou ludibriar, secretamente, o mais reconhecido líder alemão ou que se arriscou em nome de um sentimento não consumado.


A prova final de que não há duelo mais árduo que o contra nós mesmos e de que heróis anônimos também fazem a diferença, pois não há vitória sem luta.


Fim.



Nota:


- Mein Kampf, do alemão, Minha Luta. Apesar de levar o nome de uma obra do puto do Hitler, não faz qualquer apologia ao nazismo. Pelo contrário (:


 



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Comentários (2)

  • Thaiana Tolkki Snape

    Linds, shooshoozete, agradeço imensamente pelo comentário *--* Eu não sou fã de UA too, tanto que são raras as minhas fics nesse contexto. Eu geralmente só faço Universo Alternativo quando essa é uma prerrogativa do Chall. Eum geral eu amo escrever com o mundo de HP, ainda mais com o Snape <3 "Só vc pra me fazer engulir SS/LE, Thai. "  <<< muito lisonjeiro ler isso. Beijo e obrigada de novo!

    2012-07-12
  • JessieSilva

    Thai da minha vida, fic linda, pra variar.Comentando mais minuciosamente, quero dizer que adorei o contexto 2ª Guerra (amo a história das duas guerras).Geralmente não sou muito fã de UA, acho que porque sou muito acostumada com o ambiente Hogwarts e tal, mas adorei o jeito que vc o trabalhou.Um Universo Alternativo onde o Snape luta por uma causa que acaba matando sua amada e o faz mudar o lado dele na guerra não é tão alternativo assim, hein? A D O R E I!Só vc pra me fazer engulir SS/LE, Thai. 

    2012-07-12
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