Capítulo único





Runaway Train


Permaneço sozinho na escuridão, o inverno da minha vida chegou tão rápido.
Memórias voltam à infância, para dias de que ainda me recordo.

x Stratovarius – Forever x


O maior bruxo daqueles tempos estava morto. Morto pelo feixe verde de luz vindo de sua varinha, dele, de Severus Snape. O velho escritório de Dumbledore, e por pouco tempo ocupado por Minerva McGonagall, agora era seu, ao ganhar o poder de Diretor da Hogwarts alguns meses após o episódio na Torre de Astronomia.


Albus sacrificava-se e despencava da Torre. Severus também caía, porém nas graças de seu Lorde, em um lúgubre jogo de palavras.


O ambiente, antes bem-iluminado e aconchegante, amargava acentuada penumbra e a frieza de inverno. Entretanto, desde a morte de Dumbledore, o resto parecia intacto, sendo os clássicos quadros dos Diretores acoplados às paredes, incluindo o sempre carrancudo Phineas Nigellus, e o Chapéu-Seletor no topo de uma estante exemplos disso. Uma exceção era o poleiro de Fawkes, com a partida do ancião, vazio.


Respirando fundo, Severus em seguida toma a espada de Gryffindor entre os dedos, vislumbrando seu brilho e imponência apesar de pertencer à Casa rival. Era chegada a hora de ela retornar às mãos do herdeiro.


Aparatara perto do lago congelado vizinho ao local onde Hermione e Harry ainda permaneciam e conjurou bela e melancolicamente seu patrono em forma de corça, que guiaria Potter até a arma, obtida com enorme sacrifício pelo garoto, para destruição do medalhão de R.A.B. em posse dele desde a invasão do trio ao Ministério da Magia.


Snape viu com alívio o artefato ser destruído pelo desertor Ron Weasley e, quando os dois amigos sumiram de sua vista, ele desaparatou, desaparecendo junto com os últimos vestígios acinzentados de seu patrono.


Em bons velhos tempos, lembrava-me da minha amiga
A lua era tão brilhante e tão próxima de nós
Às vezes, éramos cegos e surdos, que bênção
Pintando o mundo de acordo com nossos olhos.

x Sonata Arctica – Shamandalie x


Não lhe bastando o fato de ter visto o garoto que tanto lhe perturbara o juízo, ele ainda havia sido obrigado a conjurar a corça prateada para livrar-se da espada.


Lily. Como não recordar-se dela, se a ruiva parecia mais viva do que nunca em sua lembrança?


Lembrou-se da infância, de quando a ‘espionava’ no parquinho, quando descobriu – com satisfação – que a garotinha que tanto lhe chamava a atenção era bruxa como ele. Com um sorriso desconsolado, entreviu-se, segundos depois, cortejando e contemplando-a sob uma das enormes árvores da Escola à beira do lago enquanto Lily estava debruçada sobre um grosso exemplar de Aritimancia, com cabelos avermelhados buliçosos persistindo em encobrir sua visão das páginas amareladas do livro; hesitando, Severus colocou os fios finos atrás da orelha dela para depois vê-la sorrir-lhe de um jeito delicado que só Lily Evans sabia.


As folhas caem, diante do dia que se transforma em memória
Eu me lembro de olhos suplicantes, o que ecoa, silenciosamente, em mim.
O coração mais aquecido que encontrei, eu enterro no chão;
Minhas lágrimas, para sempre com você, descansando sob esta árvore.
Você sempre gostou deste lugar, ele agora lhe pertence.
Preciso me libertar de você e seguir sozinho.

x Sonata Arctica – Under Your Tree x


Voltando alguns anos no tempo, no outono seguinte a seu ingresso no cargo de Mestre de Poções de Hogwarts – e aproveitando a tranqüilidade dos terrenos da Escola pela ida dos alunos ao vilarejo de Hogsmeade –, o homem visitou aquela mesma árvore, agora mais envelhecida, e se lembrou do gesto passado de forma tão vívida e intensa que era como se tivesse acontecido no dia anterior.


As folhas de tonalidade ocre que se despregavam dos galhos cobriam o gramado bem-cuidado, pouco parando no mesmo lugar; e o vento desarranjava, ainda, os fios oleosos de seu cabelo negro. Os seus fios, contudo, ele deixou como estavam, esperando que a força da natureza, na direção contrária, os devolvesse para de onde nunca deveriam ter saído.


Num misto de dor, arrependimento e saudade, em uma rara oportunidade, ele chorou. Sim, chorou; cobrindo ligeiramente a relva com as gotas salgadas de seu pranto.


Nossa amizade se quebrou, não há outra para mim como
aquela dos meus dias de infância. Você poderia me perdoar?
Seria melhor que o amor deixasse de me perturbar
Naquele dia de volta aos velhos tempos…

x Sonata Arctica – Shamandalie x


O momento de nostalgia transformou-se em inferno particular quando as palavras “não preciso da ajuda de sangues-ruins imundos como ela!” ecoaram em sua perturbada cabeça, causando-lhe a eterna sensação de arrependimento por ter dito aquilo. Em seu quinto ano, ambos perderam o jogo, quebraram o inquebrável.


Ele se achava incapaz de arcar com o que Lily disse em seguida. A criança que ele foi não podia ver uma razão para aquilo. A ruiva sempre os enxergou de forma mais clara que ele, como nunca dariam certo. O amor renegado significava que a amizade morreria.


Lily, me perdoe!


Depois da profecia transmitida, palavras de anistia e perdão vieram. Não diretamente de Lily, mas de Dumbledore. Seu compromisso de proteger e ajudar o jovem Harry, contudo, era com Lily e consigo mesmo.


A vida não lhe passava de um triste e longo jogo. E, no tabuleiro de xadrez sob seus pés, ele era o cinza peão ameaçado por dois reis – tanto pelo líder das peças pretas, exército ao qual ele já foi fiel um dia, quanto pelo das brancas, o rei alvo.


No quarto de Sirius, ajoelhado e com lágrimas correndo por sua face, ele lia repetidamente a velha carta de Lily, carregando consigo o pedaço em que ela despejava seu amor e finalizava com sua cursiva assinatura.


Dei meu tudo para você
A segui através do jardim do esquecimento
Se eu somente pudesse dizer-lhe algo.

x Sonata Arctica – Broken x


Anos se passaram, algumas memórias morreram, mas as dela permaneciam arraigadas, a chama por Lily permanecia acesa, aumentando a sua dor.


Todos os dias, quando tentava prosseguir, Severus se enxergava outra milha para trás. Por que se sentia cair ao invés de se erguer?


Ele permanecia fechado depois de tanto tempo, encarcerado numa prisão de gelo, abraçado pela solidão. Em sua carne era fincada uma marca que não a de Comensal da Morte, bem mais dolorosa que a primeira e que deixaria uma cicatriz interior infinitamente mais profunda – a dor que não passava, os espinhos que feriam sua alma, o galho quebrado nos tempos de inverno


Houve um tempo em que havia dança nos campos
Ela perseguia o arco-íris, até o dia de sua morte
Ela nunca voltará, e cada segundo parece mil anos

x Revolution Renaissance – So She Wears Black x


A jovialidade da ruiva, na imaginação do Mestre de Poções, contrastava com o raio verde que lhe arrancaria a vida, deixando seus também verdoengos olhos vidrados em sinal de susto após a Maldição da Morte ser lançada em sua direção.


Ela se foi para sempre.


Livres de nós mesmos e deste mundo, nós poderíamos encontrar
a liberdade que procuramos, porque tudo de que precisamos está dentro de nós!
As horas que gastamos, não podemos tê-las de volta por um instante
e, quando tudo se escurece, não haverá chances para tentativas.

x Helloween – In The Night x


E ele, após anos que lhe pareciam séculos, também se foi.


“Olhe... para... mim.” – o sangue abandonava seu frágil corpo. Então verdes encontraram negros, que, após um segundo, tornaram-se fixos e vazios.


A verdade é que a lembrança dela – do tenro amor de infância e de tempos que não voltam mais – estaria em cada pedaço da trilha que é sua vida. A passagem que guiaria seu trem desgovernado lhe ofereceria uma decisiva bifurcação.


Ele precisou escolher um entre dois caminhos, para ele ambos errados. Ou era fiel ao Lorde das Trevas ou ao Diretor de Hogwarts, não podia agir por si, segundo sua vontade. Mas ele não podia parar, tinha de seguir.


O mistério a ser decifrado é o de se a morte lhe era, afinal, o fim da linha.


Fim.


 


 

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