Jogue os dados



Preciso de você, Marlene.


Estou morrendo, sei que estou, e preciso de você aqui ao meu lado. Não quero me sentir sozinho; não neste momento em que caio lentamente em direção à morte, após cruzar aquele véu.


Foi Belatriz, minha prima, quem me matou. Você a conhece e seria capaz de ver o brilho de maldade nos olhos dela ao me atacar. O mesmo brilho que havia ao matar você.


Você teria nojo dela, se pudesse.


Desculpe-me por ter sido incapaz. Incapaz de impedir a sua morte quinze anos atrás e incapaz de vingá-la hoje. Sinto muito, Marlene.


Eu falhei.


A queda é lenta, vagarosa e parece não ter fim. Tenho tempo para pensar: penso em Lily e James e em como fracassei com eles; penso em Harry, a última pessoa que me importava nesse mundo, e em como fracassei em protegê-lo. Mas, sobretudo, penso em você: nos seus olhos azuis brilhantes capazes de iluminar escuridões maiores que esta onde eu estou agora, e nos seus lábios risonhos, repuxados no sorriso mais lindo do mundo; no modo como você enrolava uma mecha de cabelo no dedo quando estava nervosa ou sussurrava o meu nome quando eu te beijava. Penso em tudo. Sinto falta de tudo.


Amo-te tanto, nem um pouco menos desde que você se foi. Na verdade, amo-te mais ainda.


Ainda caio. Memórias nítidas dançam em minha mente e eu sinto vontade de revivê-las. Lembro-me de quando nos conhecemos e você sorriu. Sorriu o meu sorriso e fez eu me apaixonar. Aí, bem aí, Marlene, eu já amava você sem saber.


Então se anima à frente dos meus olhos a imagem do nosso primeiro beijo. Foi sob um ramo de azevinho no Natal, lembra-se disso? Eu tive que convencê-la a me beijar e quando nos separamos, depois de um simples tocar de lábios, você estava seríissima. Eu era um imaturo adolescente de quatorze anos e me perguntei, apavorado, se havia feito alguma coisa errada, mas então você me beijou. Beijou-me de verdade e naquele momento sim eu soube que te amava. E veja só, você compartilhava do mesmo sentimento.


Aposto que você riria dessa minha pieguice, se pudesse. Mas a proximidade com a morte faz as pessoas se agarrarem a qualquer fiapo de esperança e a minha é você... são nossas memórias.


As lembranças continuam vindo, arrebatadoramente, como um oceano que joga suas ondas furiosas na praia. Vejo você me estapeando por eu ter cantado outra menina e, aliás, desculpe-me por isso; eram os malditos hormônios adolescentes. Agora observo você em seu traje de gala na formatura, parecendo indecisa sobre qual sentimento deixar transparecer: alegria por estar se formando ou tristeza por ter que deixar Hogwarts, seus amigos e, bom, eu. Ficaríamos separados um ano até que eu me formasse, mas eu te prometi, bem debaixo da cerejeira do jardim, que ficaríamos juntos de vez depois. Percebo agora que praticamente te pedi em casamento; uma pena não termos concretizado isso.


Recordo-me agora, com um grande sorriso nos lábios, da nossa primeira vez. Foi no feriado de Natal e você foi me visitar em Hogsmead. Eu estava morrendo de saudades de você e você de mim. Nossos beijos eram calorosos, ávidos e antes que percebêssemos, eu já estava lhe pedindo permissão para avançar. E você concedeu. Concedeu, Marlene! Você era minha. Sempre seria. Entregamo-nos um ao outro como nunca mais fizemos com ninguém e nos tornamos um só; não sabíamos o que fazer, como fazer, mas fizemos. Foi desajeitado, dolorido e tímido, mas ainda assim, especial. E engraçado. Lembra-se de como rimos ao final de tudo? Você sorria o meu sorriso e gargalhava ao meu lado. Eu não lhe disse naquela hora, por achar bobo demais, mas eu adorei o modo como você sorria de felicidade. Porque você sorria para mim! Eu era a causa da sua felicidade. Você não imagina como meu ego ficou depois disso. Amei-te mais naquele momento, mesmo sem expressar.


Em seguida, revejo você me estendendo um par de dados brancos. Os dados! Tateio os bolsos à procura deles e os aperto em minha mão quando encontro. A cena se repete: você me entrega os dados e explica para o que servem. Conexão imediata, você diz. Para um leigo, seriam apenas dadinhos do amor, que casais usam para se divertirem, mas para nós seria, além de uma brincadeirinha pervertida, uma forma de comunicação. Bastaria...


Jogar os dados.


E essa memória me leva à outra, a mais dolorosa de todas. E a única que eu não quero reviver, que sempre fiz questão de guardar no fundo da mente. Até agora. Você jogou os dados, Marlene, mas eu cheguei tarde demais. Peço perdão por não tê-la protegido e tê-la deixado morrer. Lembro-me com enorme clareza da dor que eu senti ao pegar seu corpo inerte em meu colo. Cantarolei uma canção de ninar em seus ouvidos e te beijei pela última vez. Chorei. A dor era insuportável e incomensurável. Assim como a saudade que eu sinto de você. Sinto muito, Marlene: você jogou os dados, mas eu não soube jogar o jogo.


O fim está próximo, posso sentir. Descubro que estou com medo; eu só queria alguém para segurar minha mão e me dizer que está tudo bem. Estou morrendo, Marlene. Quero você aqui.


Conexão imediata. Jogue os dados.


“Preciso de você, Marlene”, sussurro. E finalmente caio na escuridão. 

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N/A: Alou, pessoas! Então, essa fanfic foi escrita para o concurso de SM do Coffee Maker, mas eu não posso dizer em que posição fiquei porque o resultado nunca foi divulgado. Então, dado o fato de que já tem dois anos ou quase isso, se eu não estiver enganada, que eu mandei a fic para o concurso, resolvi postá-la. 
Ah, explicação para a capa: nós tínhamos que escrever uma história que tivesse a ver com a imagem sorteada. Dei uma boa fugida do tema, mas ainda assim usei os dados. Enfim.....
Espero que tenham gostado. Comentem!
Beijos,
Liv 

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