Capítulo único





Her Phantom of Hogwarts

O mundo bruxo vivia momentos de calmaria depois de Voldemort ter sido, enfim, deposto de seu Trono das trevas. Maioria de seus seguidores havia sido capturada em missões específicas idealizadas pelo Quartel-General de Aurores. O grupo restante, livre de Azkaban, tivera seus bens confiscados e deveria estar bem longe dali, Comensais provavelmente refugiados em outros países.

O Ministro da Magia recém-empossado, Kingsley Shackelbolt, encarregou-se de uma reforma profunda dentro do Ministério, especialmente com a inclusão de um departamento com foco em tradições trouxas, como sua Arte e costumes em geral, deste modo, festas comemorativas como aquela se tornaram frequentes para eles.

Era o primeiro Dia das Bruxas depois da queda de Tom Riddle na Batalha Final. As perdas humanas foram irreparáveis, mas – sobretudo – havia motivos mais fortes para comemorar.

Hogwarts, mais recentemente sob o comando de Minerva McGonagall, era o cenário escolhido para um baile de Halloween. O salão tomado por tons alaranjados estava apinhado de funcionários da escola, estudantes do sétimo ano (os únicos autorizados a estarem fora de seus dormitórios até tão tarde), familiares e integrantes da sociedade bruxa em geral, adornados com fantasias diversas. As escolhas variavam desde os mais clichês, como princesas e príncipes, aos mais ousados, que utilizavam trajes que remetiam a desenhos animados ou filmes trouxas.

Candelabros enfeitavam as paredes, preenchidos por velas coloridas. Ao mesmo tempo em que traziam luz ao local, deixavam-no em um tom mais sombrio e característico. Bandejas de petiscos e de docinhos transfigurados como caretas de zumbis e monstros flutuavam em lugares específicos, servindo a quem estivesse desejoso de açúcar. Ou sobressaltando os mais distraídos.

No entanto, nenhuma decoração poderia se comparar ao teto de Hogwarts. Naquela noite, além da habitual escuridão noturna, uma Lua cheia e azulada ocupava o centro, sendo preenchida por uma névoa perolada que deixava o clima não só ainda mais mágico, mas obscuro.

Para os Trouxas, Halloween é apenas mais uma data comemorativa na qual crianças usam fantasias improvisadas e batem de casa em casa em busca de doces. O mesmo não vale para bruxos, porém, afinal Halloween é justamente o dia deles.

Hermione Granger lembrava-se de seu primeiro ano em Hogwarts e, consequentemente, de seu primeiro trinta e um de outubro como bruxa. Naquela ocasião, surpreendera-se com como aquela data era importante nesse novo mundo, e encantara-se com a transformação total não só do castelo, mas também dos colegas e professores. Inclusive o sempre mal-humorado Snape ensaiava uma comoção com a data, para o descontentamento total da turma que era obrigada a ouvi-lo dar sermões sobre a quantidade de alunos desatentos no dia seguinte às comemorações, salientando, como sempre, que a grande maioria destes alunos vestia vermelho e dourado.

Incomodada com o rumo melancólico de seus pensamentos, voltou ao Halloween atual e intimamente a perturbou o fato de ter recordado dele. Imediatamente, outras memórias que possuíam seu ex-professor como personagem principal preencheram-lhe a mente, e a jovem culpou-se por alimentar tão falsa esperança.

Decidiu tentar esquecer, assim como dizia para si mesma todos os dias depois que ele se fora.

Hermione, diferente dos dois amigos, estava no quarto dos monitores. Terminava a sua leve maquiagem de sacerdotisa oriental. Havia colocado um simples feitiço em seus olhos, para que ficassem levemente puxados, e usava um diferente estilo de quimono, feito a partir da seda.

A garota adorara o fato de contrastar o preto do tecido com as flores prateadas que lhe serviam de adorno, pois a deixariam, ao mesmo tempo, discreta e reluzente em meio aos presentes.

Ao passar os olhos distraidamente pelo aposento, acabou por enxergar no assoalho um pedaço de pergaminho passado improvisadamente por baixo da porta. Facilmente reconheceu a letra.


Encontre-me às margens do Lago. Tenho uma surpresa pra você.

Harry.

Achou estranho o pedido, mas esboçou um sorriso contrariado enquanto meneava a cabeça de um lado a outro. O que quer que os meninos estivessem aprontando não acabaria bem.

Terminou de se vestir com esmero e desceu as escadas. Muitos rostos viraram-se na direção dela. Alguns, mesmo fantasiados e mascarados, ela reconheceu facilmente. Hagrid, pelo andar desajeitado e gargalhada sonora após algumas doses de firewhisky, Minerva pelo chapéu pontudo e Flitwick por sua franzina estatura. Outros ela teria tempo para decifrar de quem se tratava depois.

Como ninguém veio em sua direção, ela suspeitou que os meninos verdadeiramente deveriam estar à espera dela do lado de fora.

Atravessou os jardins o mais rapidamente que seus calçados e vestes permitiam. Encontrava no caminho, mesmo que no início da festa, alguns casais escondidos e, corada, passava rápido por eles.

Chegou às margens do Lago Negro e, coçando a cabeça, procurou por algum sinal de Harry e Ron, mas enxergou apenas o nada. Eis que um ruído de galhos e folhas remexendo-se chamou sua atenção, trazendo seu olhar para quem se aproximava dela.

Viu um homem completamente vestido de negro. Um capuz cobria seu rosto e ele segurava uma foice improvisada na mão. Mas Harry e Ron, junto com Neville, não viriam fantasiados de Os Três Mosqueteiros?

“Granger.” – ela reconheceria aquela voz em qualquer canto do mundo. Sua arrogância transbordava numa única palavra, mesmo que ela fosse seu nome – “Acalme-se, eu não farei nada.” – mentia, categoricamente.

Ela pareceu insegura sobre isso, mas acabou abaixando a varinha. Ele aproveitou a deixa para se aproximar, sua manta preta roçando contra o gramado.

“O que quer?” – Hermione tentou mostrar coragem e firmeza na voz, mas esta saiu ligeiramente estrangulada e receosa. Mesmo com o fim da guerra e com Harry depondo em favor de Draco Malfoy, inocentando-o, ela não conseguia confiar plenamente nele. O Potter tentou até mesmo incluí-lo no centro de seu grupo de amigos, com algum sucesso. A Sabe-Tudo de Gryffindor, no entanto, ele nunca convenceu.

“Bom ver que não está com o Weasley.” – cuspiu as palavras.

“O que Ronald tem a ver com isso?”

Ele riu, descrente.

“Você só pode estar brincando.” – os seus dentes brancos continuavam à mostra após estas palavras.

“Onde estão os rapazes?” – Draco fingiu não saber do que ela estava falando, e ela então percebeu – “Ah, então foi você. Eu deveria ter suspeitado.”

“Fui eu o quê?” – desconversou.

“Eu não estaria aqui por acaso, estaria? Você” – enfatizou o nome dele – “deixou aquele bilhete sob a minha porta.”

“Bingo!” – debochou – “E a enganei direitinho. Fiz um ótimo trabalho para disfarçar o garrancho que o Potter chama de letra, mas meu poder de observação ajudou bastante.”

Hermione sentia o hálito quente dele contra sua face e o fitava com raiva. Ela ouvia os ruídos mesmo de locais distantes, tamanha era a movimentação dentro do Castelo e redondezas. Contudo, o clima nebuloso do Halloween parecia contagiar seus sentidos. O capuz ameaçava escorregar por seus fios platinados e macios para encontrar a região dos ombros ossudos do rapaz. Os olhos acinzentados cintilavam perigosamente, isso ela sentia. Afinal, sabia muito bem quando estava sendo observada. Aquilo definitivamente não estava bom.

Tudo piorou quando uma enorme nuvem intrusa tratou de ocultar a Lua temporariamente. Fingindo impaciência, ameaçou deixá-lo. Ele não teria coragem de aprontar ali algo contra ela, teria?

“Isso não teve graça. Já chega, Draco. Vou voltar para o Castelo agora e...” – quando Hermione tentou se virar, teve seu caminho bloqueado pelo jovem Malfoy, que a puxou violentamente pelo braço. Naquele movimento brusco, a rajada de luz azul que veio de uma das roseiras ao longe acabou tomando-a como alvo. Hermione voou para longe, e nem teve tempo de observar quem se aproximava. Mesmo Draco pareceu suspeito com estar sendo observado.

“Quem está aí? Revele-se imediatamente!” – devido à reação dele, o capuz negro da Morte deixou de adornar a cabeça ligeiramente arredondada, evidenciando também seu nervosismo.

“O que pensa que está fazendo, Draco?” – um homem alto chegou por trás dele – “Onde está...?” – a pergunta morreu quando se apercebera do que aconteceu à garota. Lançou um feitiço que petrificou o outro e voltou seu olhar para a superfície cristalina do Lago Negro.

Hermione rolava, inconsciente, pelas pedrarias que levam até a água, e, no segundo em que o homem avistou sua silhueta pelo seu próprio feitiço estuporante ser imersa, partiu para salvá-la. Corria, desajeitado, pelo caminho pedrado ao mesmo tempo em que retirava suas pesadas vestes negras. Trajando apenas a calça, e contrariando a temperatura baixa da água que anunciava o inverno iminente, mergulhou fundo.

Acendeu uma luz forte na ponta de sua varinha capaz de deixá-lo ligeiramente atordoado, e a posicionou entre os dentes enquanto nadava. Não demorou a visualizar Hermione, que, se não fosse a situação trágica em que se encontravam, ele observava descer contra as águas em movimentos graciosos, como uma boneca de pano sem qualquer controle de seus membros.

O primeiro contato de ambos se deu quando as mãos se tocaram. Seus dedos médio e indicador encontraram os dela, enlaçando-se perfeitamente. Pela leveza do corpo feminino de Hermione, puxá-la somente pela mão não foi um enorme desafio.

Unidos por seus dedos enquanto imersos, igualmente unidos permaneceram quando emergiram. Só que, além de suas mãos, ele a atava contra seu corpo enlaçando o outro braço pela cintura dela, numa valsa dançada somente por uma pessoa, visto que Hermione permanecia desacordada. Sequer a quantidade de água que absorvera lhe servira de motivo para abrir os olhos.

Com meneios de varinha ele curou as lesões superficiais que o corpo dela sofrera ao rolar até o lago, mas a água de seu organismo só poderia ser retirada do modo trouxa. Um tanto incomodado por estar sob o escrutínio do petrificado Draco Malfoy, ele cumpriu sua tarefa satisfatoriamente, aliviado por ver que ela reagia positivamente.

Lançou um feitiço criado por ele que aliava um feitiço de Confundir com a Maldição Imperio e, embora sua vontade fosse a de sujar as mãos de sangue, ele enviou o agressor de Hermione de volta ao Castelo pacificamente. Ele já cometera pecados demais, não esperava cometer mais um ali, diante dela, como espectadora silente e abstraída.

Só se deu conta do quanto estava frio quando experimentou a mandíbula tremer num ranger de dentes incômodo. Sentindo-se um idiota por demorar tanto a fazer isso, secou a ambos e notou, mais calmo, cores rubras tonalizarem a pele do rosto dela.

Queria poder levá-la à Madame Pomfrey, mas era arriscado. Estava ali anonimamente, mesmo o Ministério o tinha como morto. Minerva o convidou e lhe disse que aquela era uma verdadeira oportunidade para declarar publicamente que estava de volta, mas ele hesitou.

O convite, para Severus, foi uma chance sim, é verdade, mas não para isso.

Ele queria vê-la de novo. Por Merlin, ele precisava vê-la de novo.

Minerva contou a ele toda a verdade, de como ela se empenhou para salvá-lo. A diretora de Hogwarts precisou jurar a ele que não revelaria a ninguém que ele tinha saído vivo daquela Ala Hospitalar. Nem mesmo para a garota que deixou as lágrimas nublarem não só sua visão como seu poder de raciocínio. Tinha feito tudo que era possível para vê-lo bem, estava certa disso! Era complicado conformar-se.

Meses depois ele queria continuar longe daquele tumulto em que o mundo bruxo se encontrava, sabia que, embora haja provas de que ele agia pelo lado certo, continuaria sendo malvisto por esta mesma sociedade taxativa e tola, especialista em rotular as pessoas. Dentro daquele salão, aristocratas tolos trocavam risadinhas regadas a álcool e exibiam máscaras que não as para compor seu disfarce naquela festividade estúpida de Halloween, quando pelas costas falavam mal um dos outros.

Ainda assim, Hermione Granger o atraía como um ímã a um metal ferroso.

Saber que ela o salvara e sacrificara tanto por ele fizera de Hermione quase uma obsessão para aquele homem estranho e carrancudo. Ele estava se tornando especialista em amores insanos e por motivos pueris. Ele tinha cara de um tolo apaixonado? Não tinha, mas nunca deixara de ser um.

Ele não aprendera com os próprios erros. Ou talvez persistir no erro tenha, por mais paradoxal que isso soe, sido seu maior acerto. Ele a possuía agora em seus braços. Não do jeito que desejava, mas ali estava ela, serena e tranquila, esperando pelo momento oportuno para acordar.

Recordou-se de contos de fadas trouxas e não conteve a risada gutural à cena de um príncipe despertando a dama em questão com um mero contato de lábios. Vontade de colar suas bocas novamente não faltava, afinal isso já acontecera quando ele a socorreu pelo ‘afogamento’, mas não queria se aproveitar dela, embora aquela vozinha irritante de seu inconsciente lhe dissesse o contrário.

Percebeu o feitiço que alongava os cílios e para modificar os olhos da jovem. O coque que prendia os fios castanhos, pelo peso das águas, se desmanchara quase completamente. As vestes, recém-secas, eram de um preto intenso que faria inveja à cor de seus olhos preocupados.

Era bom revê-la e sabia que era questão de minutos para ela despertar. E provavelmente rejeitá-lo. Sorrindo tristemente, acabou por assumir o risco.

Preferiu a reclusão do Mundo Trouxa, mas visitava com alguma constância alguns vilarejos bruxos pouco abastados nem que fosse para comprar um Profeta Diário e ver as notícias sempre redigidas sobre o Trio de Ouro. Mesmo Rita Skeeter começou a abandonar as boatarias para noticiar assuntos mais sérios. O ex-professor sentiu-se egoísta por isso, mas não pôde conter o coração a saltitar e dar sinal de vida em seu peito ao ler sobre o rompimento do relacionamento entre ela e o garoto Weasley. A vaidade Slytherin ali falou mais alto.

Um braço ainda contornava possessivamente a cintura fina enquanto a mão livre e grande permanecia atada à dela, protetor. Os dedos, emaranhados, acariciavam-se cautelosamente.

Recostou-a ainda mais contra seu corpo, mentindo para si mesmo que era somente para mantê-la aquecida e para disfarçar suas identidades caso alguém ousasse surgir ali. Para um observador distraído, Severus e Hermione passariam perfeitamente como um casal contemplando silenciosa e romanticamente a Lua.

Eis que as pálpebras dela tremeram levemente, em um sinal claro de que estava prestes a acordar. Enquanto isso, ele tentava não parecer tão ansioso quanto realmente estava por sua reação. Folgou um pouco o aperto que fazia contra o corpo dela, visando não parecer invasivo ou aproveitador.

O slytherin em você está fraquejando, homem!

Ele quase pôde ouvir em sua mente.

Quando os olhos de Hermione se abriram, tudo o que ela pôde distinguir – após uma pequena crise de tosse que ajudara a eliminar a água que restara em seu organismo – foi uma máscara branca que deixava visível somente os olhos e a boca de seu salvador ou, a sensação de perigo lhe sobreveio, de mais alguém que queria lhe fazer mal. Suas pálpebras se espaçaram desmesuradamente naquele instante, finalmente percebendo o quão colados estavam, e, com um pouco mais de sua análise displicente e aturdida, deu-se conta de que aquele não era a Morte. Não era Draco Malfoy.

“Sente-se melhor?” – dignou-se a falar. Ele quase se desesperara quando a viu espaçar os olhos, decerto reconhecendo-o, e já esperava a rejeição. Que não veio.

Merlin, não, não, não. Não podia ser!

Hermione Granger só conhecia uma pessoa que combinasse a voz arrastada e olhos negros como aqueles. E esta pessoa estaria morta.

“Senhorita Granger?” – quando ela não disse nada, ele precisou chamá-la à realidade outra vez.

“O que aconteceu e...” – titubeou, com medo de estar tendo alucinações de Halloween – “Você não é por acaso quem eu estou pensando que é, ou é?”

Ele nervosamente riu, mal sabia como se revelar a ela. Deveria ter pensado nisso antes de dar as caras.

“Eu a observava à distância, quando a vi sumir nesta direção. Seguindo-a observei o pequeno diálogo entre a senhorita e o jovem Malfoy. Quando eu ousei estuporá-lo, ele se movera bruscamente, tornando-a o alvo do feixe de luz do feitiço, o que fez você rolar em direção ao Lago. Quando eu a retirei da água, sequei a nós dois com um feitiço e aqui estamos.”

Ela observara os traços de sua mandíbula enquanto ele falava, afinal a máscara branca cobria a parte superior inteira do rosto do homem. Sua segunda pergunta acabou por ser respondida inconscientemente. Ninguém pronunciava ‘senhorita Granger’ como ele.

“Como é que voc...?” – ela mal se enunciara e fora interrompida.

“É uma longa história.” – Severus Snape adorava antever as suposições dela. Era como se lesse seus pensamentos.

Ele a coibiu de contar sobre tê-lo salvado e ela disse que, se houvesse uma dívida entre os dois, esta estava paga, visto que daquela vez a vida dela fora salva por ele. Snape, logo após, contou resumidamente o porquê de ter deixado o Mundo Bruxo.

“Mas então o que faz aqui? Não tem receio de ser reconhecido?” – ela precisou perguntar.

“O que me trouxe aqui foi você.” – foi direto ao ponto. Era agora ou nunca – “Merlin sabe o quanto eu precisava ver a pessoa que me devolveu a vida.”

Sem saber de onde tirou tamanha ousadia, Hermione virou-se na direção dele, enlaçou-o pelo pescoço e beijou-lhe o rosto pálido, que, se fosse o de um adolescente receoso, se coloriria de vermelho facilmente.

Após aproximadamente uma hora e meia de conversa e beijos ainda tímidos, com um sorriso um tanto usurpador, ele levantou-se do gramado e estendeu a mão para ajudá-la a fazer o mesmo. Hermione o havia desafiado a dançar, então ele dançaria. A fantasia dele disfarçava maioria dos indícios sobre quem a vestia e a luminosidade em toda a escola estava baixa, por ela uma dança valeria o risco.

Seguiram para o salão principal lado a lado. Por terem se passado algumas horas desde o começo da festividade, já não havia tantas fantasias aglomeradas e alguns já estavam um tanto inebriados pelo efeito do álcool. No jardim ainda era possível se ver casais unidos em cantos específicos, mas dentro do cômodo, coberto pela Lua que algumas nuvens agora insistiam em encobrir, poucos casais dançavam.

Ao chegarem ao meio da pista, Severo desenlaçou-se dela para poder curvar-se de maneira cavalheiresca, o sorriso em seus lábios confundia a garota, que não tinha certeza se ele tentava soar romântico ou apenas burlesco.

“Concede-me essa dança, senhorita Granger?” – questionou, pegando sua mão e beijando-a, mais uma vez. Gostava da maciez de sua pele e do arrepio que causava nela pelo pequeno contato.

“Mas é claro, senhor Snape.” – Hermione retrucou, voltando a unir-se a ele e enlaçando seus dedos, algo que poderia ser um tanto comum, mas para os dois significava a aliança que sempre os manteria juntos, não só em um amor, mas em uma história repleta de resgates que lhes valeria mais do que a sanidade ou a própria vida.

Ela não tinha certeza de que sabia dançar muito bem, mas não se preocupou com isso mais do que um segundo, pois logo flutuava levemente pelo salão. Sendo guiada por alguém não só experiente, mas elegante e misterioso. 

Enquanto a prendia firmemente contra seu tórax, ele redesenhava em sua mente o quanto o Halloween lhe trazia lembranças ruins. Naquela data o trasgo montanhês havia sido solto no primeiro ano do Trio de Ouro, a Câmara Secreta fora aberta... A morte de Lily e James Potter. A mulher em seus braços, no entanto, compensava qualquer sofrimento que ele já sentiu em Dias das Bruxas anteriores.

Ainda havia algumas pessoas ao redor da pista, tomando alguns drinques e conversando, que não puderam deixar de notar o elementar casal que agora rodopiava pelo lugar, sem nunca desenlaçar os dedos ou separar-se mais do que alguns centímetros.

“Ei, quem é o cara misterioso dançando com a Hermione Granger?” – comentou uma das setimanistas de Gryffindor.

“Eles parecem íntimos, devem se conhecer.” – a garota a seu lado constatou. Acertadamente. Hermione mergulhava o rosto no peito dele coberto pelas vestes pesadas, enquanto Severus mantinha seu queixo apoiado na cabeça da jovem que guiava graciosamente pelo salão.

“Ele conduz bem, tem leveza nos pés.”

“Leveza nos pés lembra o Snape, que chegava sorrateiro sem que ninguém percebesse. O Morcego.” – se entreolharam, contendo as gargalhadas.

“Nem me fale naquele homem. Até hoje tenho calafrios só de me lembrar do terror que ele causava com um simples olhar.”

“Se ele não estivesse morto, eu ainda diria que é ele com a Granger.” – brincou, sabendo que aquilo era impossível. Ou não tão impossível assim.

“Severus, estão todos olhando para nós.” – ela sussurrou, chamando a atenção dele para si.

“E você se importa?” – ela o viu estremecer e tomar uma postura rígida de repente.

“Eles não sabem que é você que está comigo.” – ele conseguiu ficar ainda mais sério, e só então ela percebeu o que havia dito.

“Severus, Merlin!, não é isso. Eu quero dizer que, independente disso, eu me sinto bem com você. Eu me sinto feliz com você. Na verdade, eu preferia que todos soubessem que você está aqui mesmo. E que é meu.”

“Hmm, possessiva, senhorita Granger?” – ele debochou. Na verdade seu ego inflou como jamais imaginou com aquela declaração de Hermione, clamando-o como dela. Se fosse um animal, certamente se assemelharia a um pavão exibindo suas penas coloridas em glória. Ele preferia o preto, mas, apesar de tudo, a comparação fazia algum sentido.

“Só de vez em quando. A propósito, é bom conhecer não só sua identidade como também quem você realmente é.”

“Estou fazendo apenas o meu melhor.”

“Suas palavras se restringiam às aulas e a comentários sarcásticos. Ouso dizer que não conhecemos as pessoas quando elas se dirigem a nós; somos nós que temos de nos dirigir a elas para saber como são.”

Ele permaneceu silencioso.

“E é o que estou fazendo.”

“Querendo arrancar podres do Morcegão, Hermione?” – provou, rindo deleitosamente entre os cabelos dela.

“Apenas despertar esse lado que poucos conhecem.”

“Pode ter certeza de que este lado você é a primeira que verdadeiramente conhece.”

“Mas e...” – uma pausa constrangedora – “E ela?

Hermione, sua burra, estragando o momento pela curiosidade desmedida! Ela de repente se odiou. O conforto, todavia, veio quando ela não viu mudanças na feição do homem que a conduzia numa dança tranquila.

“Passou, Hermione. Aventuro-me a dizer que o que sentia por ela se tornou mais remorso, culpa e obsessão do que amor. Com o final da guerra e vendo Potter vencedor, senti como se uma outra dívida tivesse sido paga.”

“De fato foi. Só não sei como você passou a me olhar com outros olhos. O veneno da cobra pode ter afetado sua capacidade de raciocinar.” – ela divertiu-se com a própria piada.

Ele gostaria de contrariá-la, embora seu coração dissesse que estava parcialmente certa. Nem ele sabia bem como o mero fato de ela tê-lo resgatado os uniu tão vigorosamente. Algo mais urgente, porém, o tomou de assalto.

“Hermione, não posso ficar muito mais. Ao final desta dança vou me retirar.”

“Só que, Sever...”

“Realmente não posso. Estamos chamando muita atenção para nós. Eu me arrisco a dizer que um dos seus amiguinhos em breve deverá dar as caras.” – ela suspirou afrontada, mas assentiu – “Se fizerem muitas perguntas, diga que é alguém do Ministério.” – sugeriu, entre dentes, afinal pouco lhe agradava que chegasse aos ouvidos daqueles fedelhos que outro homem a tomasse tão intensamente.

“E vamos nos ver de novo?”

“Se você quiser, que assim o seja.” – ele, num raro gesto, sorriu. A gryffindor, contente por ver que a larga máscara não escondia esse detalhe dela, retribuiu o ato.

“Mas o que você plan...?”

Como se lesse a mente dela, Snape separou os corpos e ambos sentiram imediatamente a ausência do contato. Ele manteve somente a ligação entre as mãos, sempre as mãos. Depositou um beijo no monte que os dedos curvados dela formavam e com a outra mão conjurara uma rosa vermelha.

Se sua identidade fosse conhecida ele jamais se proporia a isso. Aproveitou para um lapso de romantismo anônimo. Era bem mais fácil assim. Isso a faria feliz e, do mesmo modo, não manchava sua imagem de slytherin sardônico.

No enlaçar de seus dedos a noite começou para os dois e, com novo significado, ali também terminou. Dedos atados, almas também. E assim eles brindavam seu Dia das Bruxas. Tão doloridamente entregues e pertencentes um ao outro quanto os espinhos para uma rosa. Ou como um bilhetinho enrolado à pequena folha esverdeada.


Teatro Municipal de Londres. Sábado, 6h da tarde. Não se atrase.

SS

Este ela sabia que vinha do remetente correto, aquela caligrafia era impossível de se copiar. O ‘s’ curvado sinuosamente era marca registrada dele, pôde subtrair a partir da correção de suas redações. E, com a ansiedade de reencontrá-lo, sorriu para si. Mal sabendo que o espetáculo que ele escolhera era sobre um ‘Fantasma incompreendido’ e outra donzela de fios castanhos.



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