Esquisito



Esquisito era o adjetivo que ele mais ouvia quando as pessoas se referiam a ele, com ele mesmo ninguém falava, todavia o garoto não mais se importava fora assim desde pequeno todos, o ignoravam e agora que faria onze anos dali a dois dias isso já não doía mais.


Fernando, esse é o nome do esquisito, um garoto magro, de olhos e cabelos castanhos, baixo, usa óculos redondos e tem cara de poucos amigos.


Fernando mora com os avos e dois tios, de seus pais o garoto nunca teve noticia, a mãe o abandonará com os avos assim que ele nasceu, sabia somente que seu nome era Laura, nunca se quer tinha visto uma foto dela porque seu avô não permitia, para ele Laura estava morta e enterrada desde que fugira de casa aos dezessete anos.


Fernando aprenderá desde cedo que falar da mãe rendia castigos dolorosos, portanto aprendeu a não tocar no assunto, quando pesava no pai as coisas se complicavam ainda mais porque deste o garoto não sabia absolutamente nada, embora apostasse que fossem muito parecidos, uma vez que seus avos e tios eram alemães por descendência e com eles o garoto, para sua alegria, não se parecia em nada.


A vida de Fernando seria comum como a de muitos não fosse alguns acontecimentos estranhos que cercavam o garoto, o primeiro é que embora tendo apenas dez anos o garoto estivesse prestes a cursar a oitava série, talvez por não ter amigos, talvez para mostrar aqueles que faziam piadas sobre ele que era superior, ou simplesmente por gostar de livros e estudos, não se sabe ao certo, fato é que Fernando era um CDF e gostava disso.


Seus familiares achavam o gosto por livros do garoto um desperdício, melhor seria que ajudasse a fazer algo útil na fazenda, pelo menos assim ele fica fora de casa bastante tempo, dizia seu avô.


Outra coisa estranha eram as explosões, isso mesmo coisas tendiam a explodir quando Fernando ficava com raiva ou com medo, isso era de fato um problema porque invariavelmente ele acabava trancado no quarto sem almoço ou jantar.


Todavia o mais estranho era algo que o garoto escondia de todos, desde que se lembrava ele podia sempre que desejava se transformar em um cão negro, aliás, seu único divertimento era escapulir de casa durante a noite e correr pela mata que circundava a fazenda ou mesmo pelas ruas da cidade em forma de cão.


Fernando estava em seu esconderijo em cima das árvores, lendo algo, quando o barulho de um caminhão chamou sua atenção, o pesado doze eixos parou ao lado de sua casa, ótimo vizinhos novos pensou o garoto, com desdém, ele ia retomar sua leitura quando um carro escuro para atrás do caminhão e dele descem três pessoas um casal que aparentava estar na casa dos quarenta e uma menina que devia ter sua idade, mas o que chamou a atenção do garoto foi o fato de que a família era negra.


Isso vai ser um rebuliço, quero ver o que esse bando de babacas vai fazer agora, meus avôs vão ter um treco e com certeza mandar subir o muro, pensava o garoto enquanto descia da árvore, pela primeira vez Fernando queria fazer amigos.


Atravessando a porteira de sua fazenda, o garoto caminhou nervosamente em direção aos vizinhos não era bom em se relacionar com pessoas por isso naquele momento suas mãos suavam e sua boca estava seca, porém ele não titubeou, queria ver a reação de desespero de seus parentes, não importava o castigo que lhe descem depois disso.


Ola sou Fernando, seu vizinho muito prazer disse o garoto ao se aproximar.


    Muito prazer sou Marcos e essas são minha esposa Verônica e minha filha Marcela as duas mulheres sorriram ao ser apresentadas e o cumprimentaram cordialmente.


O garoto estava impressionado eles eram uma família e tanto, Marcos era alto e forte tinha a pele escura como piche, ossos escuros como a noite, mas algo no olhar do homem incomodou Fernando era como se ele, de alguma forma Lesse seus pensamentos.


A mulher, Verônica, era linda simplesmente linda, sua pele era de um tom escuro, mas claro que a do marido, esmaltado, seu sorriso exibia dentes alvos e seus lábios convidavam qualquer homem a luxuria, seus longos cabelos cacheados caiam pelo meio das costas, mas foram os olhos que mais impressionaram o garoto, os olhos de Verônica eram azuis, mas um tom bem especifico de azul, o azul do mar em uma noite de luar minguante, ou o azul do mar que ele a noite em forma de cão.


A garota Marcela o observava, atentamente ela possuía a beleza da mãe, e prometia ter a altura do pai, usava os cabelos cortados na altura dos ombros, tinha um belo rosto e olhos atentos que lembravam muito os de seu pai, embora Fernando não tivesse sido atacado por aquela sensação de invasão quando a encarou.


Quer um refrigerante, falou a garota, enquanto puxava Fernando pela mão para dentro de sua casa.


Enquanto tomavam coca-cola e comiam biscoitos, os dois começaram a conversar e Fernando ficou sabendo que marcela tinha um irmão gêmeo que se chamava Marcos, que todos chamavam de Junior, que estava passando as férias com uns amigos, ela que não quisera ir estava acompanhando a mudança da família para aquela cidadezinha no interior de Santa Catarina, a garota estava ansiosa porque adorava cavalos.


A conversa entre os dois fluía bem e parecia que eles já se conheciam a anos, Fernando nem lembrava mais de sua timidez e de seus irritantes familiares, que na certa o matariam quando chegasse em casa.


Estavam nesse papo descontraído quando Marcela fez um comentário que o entristeceu um pouco.


Meu pai falou que deveria ser um pouco difícil nossa chegada aqui porque somos de fora, Fernando já sabia que a família era carioca, e porque somos negros, o que não é muito comum por essas bandas e que poderíamos ter que lidar com preconceito, mas acho que ele estava errado, pois afinal acabei de chegar e conheci você, fiz um amigo.


Fernando abaixou a cabeça e contou a Marcela o porque decidirá se aproximar e que ele não tinha amigos, ao final pediu desculpas e disse:


Se você quiser eu vou embora, para sua surpresa a garota gargalhou com gosto, você ta ferrado quando chegar em casa, eu não gostei de sua atitude mas você é sincero e se desejar podemos ser amigos.


         Fernando sorriu, sim eles eram amigos.


E continuaram conversando como se aquele momento de constrangimento não tivesse existido.


Meu irmão e meus primos chegam amanhã, ai podemos sair pra conhecer a cidade, vem com a gente?


Claro se eu estiver vivo, respondeu o garoto e os dois riram.


Almoço soou a voz forte de Marcos e Fernando se assustou não havia percebido a passagem do tempo, quando eles desceram o queixo do garoto caiu, toda a casa já estava arrumada, ate os quadros já estavam na parede, nossa que rápido pensou o garoto, muito rápido.


Bom depois nos falamos disse ele ao se despedir de Marcela e acenar em despedida a seus pais.


Se quiser pode almoçar conosco disse dona Verônica, e Fernando aceitou de imediato quanto mais tempo ficasse fora de casa melhor.


Eles passaram a tarde se divertido e Fernando só voltou pra casa quando já se fazia noite.


Ao entrar em casa seu tio tentou lhe esbofetear mas como sempre parecia que algo impedia, era como se uma barreira protegesse o garoto, nunca tinham conseguido lhe dar uma surra, e escondiam isso de todo mundo.


Seu esquisito, imundo, filho de uma porca se misturando com gente dessa laia, gritou enraivecido.


São meus amigos, gostam de mim, eu gosto dele e vou me misturar com eles sim quer você queira quer não, seu babaca


Gritou o garoto, uma explosão se fez ouvir na sala quando as vidraças da janela quebrou.


O grito de susto e medo da avo de Fernando cortou a noite, e seu avô encerrou tudo com um simples.


Pro seu quarto agora, moleque!


O garoto subiu as escadas sorrindo, fora engraçado ver a raiva na cara deles e o medo quando a vidraça estourou, queria saber controlar aquilo.


Ao chegar em seu quarto ele abriu a janela e por ela saltou mas já não era um garoto franzino, era agora um cão de pelos castanhos e que trazia nos olhos estranhas marcas como se usasse óculos.


A noite outra vez chamava Fernando, o cão, convidando o a explorar seu manto escuro. 

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