A Marca



Formamos um semicírculo e, antes de levantar voo, Gina ensinou-me sobre o Feitiço do Patrono. Segundo ela, todos eles já haviam o conjurado alguma vez na escola, mas apenas para fins didáticos. Nenhum deles havia produzido um potente o suficiente para afastar um grupo de Dementadores. Eles haviam testado sua capacidade mais cedo, quando me perderam de vista, no entanto, só conseguiram distrair alguns.


- Você precisa pensar em algum momento muito feliz na sua vida, Hermione. Algo que te faça até esquecer, se possível, da situação desesperadora em que os Dementadores estão se aproximando. Assim você se concentra no que sente e pronuncia audivelmente “Expectro Patronum”. – Ela estendeu a varinha para frente e fez conforme havia ensinado. Um feixe muito fino e claro se dispersou da sua varinha, em formato de escudo. Mas desapareceu rápido. Aquilo foi o suficiente para que eu ambicionasse fazer o mesmo.


- Uau! Isso é muito legal! – Eu disse, ainda crente que foi um comentário pouco para o que um Patrono realmente representa.


- Ah, isso não foi grande coisa. Quando os Dementadores aparecerem mais cedo eu temi por todos, mas lembrei do feitiço. Todos nós lembramos, mas nunca tivemos a chance de usar realmente. Foi quando recordei na vez que meu irmão Fred me levou para o galpão do meu pai. Meu pai trabalha com artefatos trouxas e é fascinado por eles. Fred me mostrou um equipamento que vocês usam para andar, mas que tem duas rodas e às vezes precisa encher a roda...


- Há! Você andou de bicicleta? – Perguntei, ajudando-a a lembrar do “equipamento”.


- Sim! Exatamente! Bicicleta! Não levei nenhum tombo para conseguir andar, mas achei muito divertido. Óbvio que percebi meu irmão segurando a roda de trás com um feitiço. De qualquer forma, foi muito divertido. Lembrei de como Fred me protegia. Ele e George.


Gina estava sorrindo, então sorri de volta. Ela provavelmente se deu conta de que Harry havia me contado sobre sua história, então não falei nada depois. Estendi a varinha e tentei pensar em algo muito feliz, que me fizesse capaz de conjurar um Patrono útil.


- Não esquenta, Hermione. Uma hora ou outra seu Patrono vai aparecer. Eu estou muito curiosa para saber qual é o seu. Eu ainda não sei qual é o meu. O máximo que consegui até agora foi esse feixe de luz que incomodou um Dementador, mas não poderia afastar todos aqueles que apareceram antes.


- Eu não sei se verei meu Patrono tão cedo, mas de qualquer forma, vou me manter pensando em coisas boas.


Voávamos acima das colinas mais uma vez. Não ousei olhar para baixo, mas apreciei cada segundo daquele vento da madrugada. Luna e Rony estavam com os olhos um pouco inchados, quem sabe estavam com sono. Harry olhava atentamente para frente, mas o vi bocejando algumas vezes. Gina mantinha-se ao meu lado mais próximo, ainda mostrando alguns feitiços simples que eu pudesse lembrar com facilidade. Tentava aprender o máximo possível, mas a varinha tremia a cada tentativa.


- Creio que algum de nós usou o Expelliarmus para o dono dessa varinha, então a lealdade dela muda, por isso ela não quer funcionar bem com você. Depois a gente vê isso com cuidado, quando chegarmos em casa.


- Obrigada Gina. Eu tenho uma pergunta – Olhei de esguelha para espiar Rony, porém ele mantinha os olhos para frente. Mesmo no escuro, a lua nos iluminava o suficiente para que eu pudesse enxergar alguns detalhes. O nariz de Rony estava avermelhado e eu sorri. Lembrei-me de como ele sustentou o olhar dois segundos depois de alimentar Pumpks e da maneira que franzia a testa em Cote d’Azur. Gostaria que Gina me dissesse algo a mais em relação a isso, afinal, era o irmão dela e eu não gostaria de imaginar coisas. Ainda mais em um dia tão inapropriado. Ainda mais depois de discutirmos e de ser considerada um “pesadelo” – Gina, você lembra-se da hora em que estávamos na Truques & Tretas e você...  Ai!


Um beliscão roçou minha perna, e por reflexo puxei a Corrente sem nenhum cuidado. O ruído foi tão estridente que Harry parou abrupto e o restante pôs as mãos no ouvido. Sem pensar bem, soltei-o enquanto olhava em volta procurando o que estava vindo. A Corrente caiu livremente, cintilando enquanto nos afastávamos.


- Oh não! Oh não! – Exclamou Neville, apontando atrás de nós – Dementador! Há um ali, vejam!


De repente, empunhávamos nossas varinhas com uma mão e com a outra era preciso equilíbrio a fim de manter a velocidade de fuga. Para os demais parecia algo comum. Para mim, era quase suicídio.


Contornamos um pico, mas a formação do grupo ficou diferente. Enquanto Gina se locomovia para frente, Harry passou para o final da formação. Rony acompanhou-o e fechou uma espécie de triângulo. Por fim Neville e Luna postavam-se acima e abaixo, enquanto eu permaneci entre todos, procurando um pensamento profundamente feliz na situação caótica.


Baforadas gélidas endureciam nossos pulsos. No meio daquela névoa que engrossava as colinas era possível enxergar todos lançando feixes luminosos segundo após segundo, mas que se dispersavam no instante seguinte. Harry realizou uma acrobacia bizarra antes de gritar para nós contornarmos a próxima colina.


- O que vamos fazer Harry? – Gritou Rony, logo depois se aproximar novamente de Gina.


- Precisamos encontrar um lugar para distraí-lo. Acho que não deve ter só este por aqui. Eles não podem saber o caminho d’A Toca!


- Não conhecemos lugar algum por aqui! Como vamos procurar alguma coisa nesse deserto? – Respondeu Gina, o mais alto que pode. Ela então contornou o grupo mais uma vez e desacelerou no final, pairando na mesma direção que o Dementador. Este vinha a toda velocidade na direção da garota.


Rony e Harry olharam a cena com um segundo de atraso, quando Gina já estendia a varinha e gritava seu Patrono com todo o vigor que podia exprimir.


Não apenas um feixe, mas um jato potente de luz azulada espirrou da varinha. Um corcel do tamanho da garota saltou ao seu redor e tão alvo era o seu Patrono que mal podíamos enxergá-la no meio da claridade. Olhei em volta e havíamos parado ao redor de Gina, apreciando os efeitos de um verdadeiro Patrono que afastava com valentia aquele Dementador solitário. Pelo que entendia do feitiço, Gina era uma bruxa extremamente poderosa, e provara para nós e para si o quanto ainda iria nos surpreender. Segundos depois, o lugar estava calmo e perplexos voltamos ao caminho original, sem ninguém sequer comentar algo.


Com mais cautela, seguimos pelo noite e vez por outra alguém admirava Gina. Rony nem sequer disfarçava. Seu rosto, contudo, mostrava um misto de fascínio e ciúme. Pensei que ele quisesse fazer o mesmo em outra hora.


Harry não deixou a frente do grupo. Ficou calado durante o percurso e com frequencia olhava para os lados, procurando alguma outra ameaça. Lembrei-me que ele também usava uma Corrente Medrosa. Perguntei-me porque só a minha avisava sobre tantos perigos enquanto a dele parecia uma bijuteria inútil. Mentalmente reservei aquela pergunta quando houvesse melhor oportunidade.


- Hermione, não é?


Sobressaltei-me ao perceber que Luna estava muito próxima. As bochechas da garota estavam em rosa vivo e seu longo cabelo dourado parecia mais úmido e acinzentado. Sorri e confirmei a pergunta para que ela prosseguisse.


- Bom, eu não contei aos outros que Dumbledore deixou mais um recado, e é para você.


Luna piscou algumas vezes, talvez para confirmar que eu havia entendido a importância daquilo. Na verdade, tudo o que fosse direcionado a mim ou tudo o que acontecesse comigo eu degustava como se minha vida dependesse das peculiaridades mágicas. Eu ainda sorria com a situação. Há poucas horas eu achava que magia era um coelho saindo da cartola.


- Dumbledore precisa que você siga em frente, que não desista do seu propósito. E que caso uma situação seja muito difícil pra você, lembre-se que coisas ruins podem acontecer, mas as boas acontecem logo depois.


- Oh, tudo bem. – Torci um pouco os lábios, sem entender, obviamente, o que Dumbledore esperava que acontecesse. – Posso perguntar algo a você, Luna?


- Claro, qualquer coisa.


- Não quero ofender você ou duvidar das perspectivas de Dumbledore, só que... – Pensei duas vezes antes de perguntar. Soaria muito mesquinho da minha parte, mas continuei mesmo assim – Por quê ele daria a você esse recado se ele queria que eu soubesse disso? Por quê não dizer diretamente a mim? Ele teve suas chances com o bilhete de múltiplas mensagens. E em Saint Mungus também. Por quê tinha de ser através de você?


- Sabe, Hermione, pode parecer loucura, mas parece-me que Dumbledore temia que os outros não confiassem em você e não lhe entregassem o bilhete correspondente a sua parte, acredita? Loucura, não? Como se eles já não confiassem em você.


- Você acha que confiam? – Era surpreendente que a expressão de Luna fosse de ingenuidade. Isso tornava a conclusão muito mais difícil de acreditar. No entanto, sem ter tantas opções, aceitei o recado.


- Hermione, eles confiam muito em você agora. Isso não foi depois de St. Mungus quando você conjurou feitiços oportunos. O fato é que fomos atrás de uma saída quando aqueles Dementadores apareceram e Rony foi o primeiro a enxergar você. Foi ele quem se lembrou do Aresto momentum. Procuramos por você logo em seguida.


Depois de afirmar com a cabeça, Luna se afastou com um sorriso largo. Eu não me contive e mirei Rony incontáveis vezes, pensando no que teria levado o garoto a lembrar de uma bruxa tão incompetente quanto eu. Sacudi a cabeça para afastar conclusões precipitadas. Era ridículo e um pouco incomodo imaginar qualquer coisa naquela situação. Era pior lembrar-se do que sucedeu em Cote d’Azur ou a relação disso com a expressão de Rony com Pumpks. Involuntariamente, afastei uma mecha do meu rosto e coloquei firme atrás da orelha.


Voamos por muito tempo. Chegamos À Toca de madrugada. A Sra. Weasley estava nos esperando à porta, com as duas mãos na cintura. Era como se ela estivesse mesmo nos esperando e que soubesse o que aconteceu. Quando descemos, ela abraçou cada um, mas acrescentou um carinho a mais em Gina. Conduziu-nos novamente para a mesa e perguntou se estávamos de fato bem.


- Na verdade mãe – Começou Rony, com a voz um pouco meiga demais – Eu estou com fome, se a senhora não se importa, seus bolinhos são os melhores do mundo.


- Sei – ela estreitou os olhos e nos avaliou como se esperasse que todos nós confirmássemos aquele elogio. Como sorrimos, ela acenou com a varinha em algumas direções.


Talvez eu nunca entenda o porquê de usar magia para algumas coisas e não para outras. Ela usou um trabalho manual para a preparação mas continuou acrescentando ingredientes com a varinha. Vai ver é isto que daria o toque especial.


- Quando vocês pretendem ir a Hogsmeade? – Perguntou a Sra. Weasley, ainda de costas, girando levemente uma colher de pau. Rony enrijeceu-se e olhou para Harry, como se estivessem construindo uma bela história de como incluiriam, ou não, os Dementadores, a maldição conjurada pelo bruxo desconhecido e a busca por Dobby como Dumbledore pediu.


- Mãe, a senhora poderia nos falar sobre os Comensais da Morte?


A Sra. Weasley virou-se bruscamente e parou de mexer a massa dos bolinhos. Ela evitou o olhar de todos, colocou as mãos no balcão antes de respirar profundamente.


- Gina, querida, Dumbledore contou-me sobre o encontro de vocês nesta noite. Na verdade, todos os encontros que vocês tiveram. A história com os Comensais é complicada. E tudo piora quando descobrimos sobre a maldição conjurada. Vocês se dão conta de que estamos vivendo uma realidade montada e que está prestes a entrar em colapso? Há muitas coisas que iremos simplesmente reconhecer, mas para que isso aconteça precisamos vivê-las.


- Mãe, os comensais...


- Sim, Gina, eu ouvi sua pergunta e você já ouviu minha resposta. Não tenho certeza se posso contar tudo o que sei. Mas saibam pelo menos com o que estão tratando. Os comensais são um grupo que, convictos, procuram terminar com os bruxos mestiços.


Ao dizer isso, Sra. Weasley acenou mais uma vez e, colocando uma tigela na mesa, encheu-a com os bolinhos prontos.


- Eu acredito que são os mesmo que invadiram o Ministério da Magia anos atrás e destruíram a vida de muitos de nós. – Ela olhou cautelosamente para Harry e Neville, respirou fundo e continuou – Estão sendo conduzidos por um bruxo. O mesmo bruxo que conjurou a maldição. Ainda não sabemos qual seu objetivo mas ele planeja algo grande. E terrível.


- Por quê isso nos envolve tanto? Como podemos ajudar?


A Sra. Weasley sorriu discretamente quando falei em ajudar, mas talvez não tenha sido de satisfação.


- Querida, eu estou totalmente contra essa posição. Não acho que crianças como vocês deveriam estar no meio de uma confusão dessas. Tão perigoso. Disse a Arthur e aos outros que não importa o papel que vocês tenham nessa história. Poderíamos interferir por vocês, afinal a história vai concertar-se quer façamos algo a respeito ou não.


- Os “outros”, Sra. Weasley? – Disse Harry, colocando os cotovelos sobre a mesa.


- Sim! – Respondeu ela, um pouco irritada agora – Você acha que, com tudo o que está acontecendo, vocês são os únicos a perceberem coisas estranhas acontecendo? O Sr. Malfoy tem visitado os membros do Conselho com mais frequencia que o normal, e inibe algumas decisões. Há suspeita de que Azkaban será invadida e por isso Dementadores foram permitidos em lugares isolados e relevantes para nós. Permitiram Dementadores em Hogwarts!


Surpresos, parecia que nossas energias estavam esvaindo-se a cada palavra da Sra. Weasley. Eu sabia que o que estava acontecendo era grave não apenas porque soava assim, mas também porque os outros pareciam muito pasmos para perguntar qualquer outra coisa depois.


Harry franziu o cenho e passou a mão na testa, puxando o cabelo para cobrir um risco vermelho. Dei-me conta de que apenas eu havia visto. Ele olhou para mim e estreitei os olhos, esperando que ele sinalizasse algo. Ele desviou o olhar e pegou um bolinho.


- Precisamos ir ao Beco Diagonal agora, Sra. Weasley – Neville interrompeu o silencio enquanto víamos a mulher nos servindo chá em canecas coloridas. – Dumbledore pediu que encontrássemos Dobby.


- Ao Beco Diagonal? – Riu-se Sra. Weasley – Nem que eu acorrente todos vocês no porão, vocês jamais sairão a essa hora. Como poderia ser isso? Crianças indo ao Beco Diagonal pela madrugada, sozinhos? Na verdade – Acrescentou ela, quando Gina respirou para interrompê-la – Nem acompanhados vocês sairiam agora. Hermione, querida – Ela olhou para mim, deixando-me totalmente assustada com o que ela poderia dizer – Há quanto tempo você está com eles?


- Eu os encontrei pela manhã, Sra. Weasley. Mas não há nada que eles tenham feito que eu me arrependa de ter apoiado. Estamos bem.


- Sei. Mas isso não me convence a deixá-los ir a essa hora. Daqui a algumas horas o sol nascerá, então poderão ir.


- Mas mãe, Dumbledore...


- Rony, aconteça o que acontecer, Dumbledore sabe onde vocês estão. Eu entendo que o mundo quer se reestabelecer e, neste exato momento, o universo sabe que eu não vou permitir que saiam a essa hora. Deus sabe o que poderia acontecer! E jamais subestime os Elfos. Eles sabem cuidar de si.


A Sra. Weasley fez questão de mostrar o quarto de Gina a mim e Luna, enquanto os garotos dirigiram-se ao de Rony. Os andares acima estavam silenciosos e a quietude era quebrada somente pelos rangidos dos passos pelas escadas e corredores. Na porta do quarto, a Sra. Weasley interrompeu-me, entregando uma trouxinha com roupas limpas. Sorri em agradecimento, mas ela não se moveu e perguntou-me se eu estava bem.


- Hermione, não se preocupe com seus pais. A professora McGonnagall enviou uma coruja a eles explicando sua decisão. Eles ficaram contentes, afinal, que mesmo tão tarde você pudesse decidir sobre sua identidade.


- Ah, obrigada Sra. Weasley. Eu mesma não imaginava como explicar sobre... Tudo isso. – Sorri e franzi a testa com uma informação perdida. – Perdoe-me, quem é a professora McGonnagall?


- Oh, é uma certeza consensual de que há uma ligação entre você e a professora McGonnagall. Em breve saberemos, ou quem sabe somente você saberá a hora. – Ela sorriu compreensiva e, pude notar, um pouco cansada. A Sra. Weasley era muito amorosa e gentil, mas nada que a impedisse de ser corajosa e impetuosa quando fosse necessário. Eu sorri novamente por encontrar Gina nos olhos da mãe.


Dormimos mais do que havíamos esperado e gostaríamos de ter saído com a pouca claridade da manhã. Porém, aquele pequeno atraso fez-me agradecer os imprevistos. Os Weasley eram tão fervorosos quanto a intensidade da cor dos cabelos. Conheci, à mesa do café da manhã, o Sr. Weasley, que pareceu surpreso ao se apresentar a alguém novo na mesa já cheia de Weasleys e não-Weasleys. Ficou fascinado ao saber que eu era filha de pais trouxas e só foi interrompido das perguntas quando um dos mais velhos desceu as escadas pisando forte e saiu à porta somente com um aceno de “bom dia”.


Um silêncio pesado caiu sobre a cozinha, mas foi forçado a dissipar-se quando a Sra. Weasley ofereceu mais ovos a Neville.


- Este é meu irmão Percy – Sussurrou Rony a mim, enquanto enchia a boca com os bolinhos da madrugada – Ele trabalha no Ministério da Magia e anda muito estranho ultimamente. Mamãe diz que o trabalho está forçando os nervos dele.


Eu ri, involuntariamente. Havia coisas que eu não compreendia com exatidão, mas as aceitava de bom grado. Por exemplo, como um Weasley pode destoar naquela multidão de ruivos, como eu poderia ter tanta sorte em ser acolhida por bruxos de coração sincero, por que Rony sentou ao meu lado sabendo que Gina havia feito menção de fazê-lo primeiro. De qualquer forma, acho que é isso o que chamam de confiança.


Carlinhos, um dos primeiros filhos, estava no encontro anual dos caçadores e domadores de seres mágicos, sediado na Áustria. A família não o via há um mês. A falta do filho era suprida com doses diárias de corujas que traziam notícias dele. O Sr. Weasley mencionou mais um Weasley, que não consegui ouvir devidamente pois Gina apressou-se a comemorar com George a chegada de mais uma coruja.


- Há! Eu sabia. Aqueles búlgaros não conseguem segurar qualquer segredo nem que façam a cara mais assustadora possível. Por isso vou pela Irlanda, só pela oportunidade de azará-los. É brincadeira, mãe!


George era um dos gêmeos. Eu ousaria dizer que era chocante observar o quanto trazia energia e espontaneidade quando os demais Weasley eram mais comportados.


Comentamos rapidamente o que havia ocorrido em St. Mungus e o rapaz, pouco mais alto que Rony, sorriu ao ser apresentado a mim, dizendo que não poderia ajudar com minha carreira acadêmica, mas caso precisasse dar uma liçãozinha aos prepotentes da vida, bastava pedir a ele sua nova invenção: scones levedados com poção do soluço. George dizia que tal criação constrangia enormemente quem os comesse e podia não fazer mal ao alvo, mas dava grande prazer a quem assistia. Rony ficou ruborizado. Penso que também não fiquei somente pelo fato de não ter compreendido naquela hora. Luna estava tão confusa quanto eu. Gina encheu a boca com os bolinhos da mãe. Harry pigarreou e tomou um copo d’água. Neville tossiu e lançou um olhar sob Rony. Sr e Sra. Weasley balançaram a cabeça em desaprovação, mas quando Molly virou-se, Arthur sorriu para George, que ergueu os olhos em superioridade. Pouco a pouco a cena em que Rony me oferecera um cestinho com scones reavivou-se e respirei profundamente antes de encará-lo. Ele desviou o olhar e procurou apressar os outros a terminarem de comer. Internamente, desejava que Rony pudesse ouvir meus pensamentos, “Você me paga, imbecil!”. Talvez ele tenha percebido, pois levantou e catou em um lenço alguns pedaços de alimentos.


- Carlinhos confirmou os rumores sobre o Campeonato Internacional de Quadribol. O jogo de abertura será na Croácia. Vejam! Os times são Irlanda contra Bulgária.


- Ele confirmou? – Rony interrompeu, totalmente sobressaltado, amassando o lencinho e guardando no bolso – E ele falou algo sobre a escala dos jogadores?


- O amor da sua vida vai jogar – Exclamou Gina, quase tão divertida quanto George, ao terminar de ler a pequena carta de Carlinhos – E será o apanhador mais novo da história da Bulgária!


- O maravilhoso e atlético Krum! – Zombavam George e Harry, ao redor de Rony. Este parecia realmente maravilhado com a notícia.


- Vai ser um grande evento. Muitos funcionários do Ministério estão trabalhando nisto. Bom, se Carlinhos já sabe então devem ter liberado a notícia por lá. Não vejo porque não confirmar a vocês também, por aqui – Revelou Sr. Weasley, dobrando uma panqueca.


- E quando será, pai? Não vou perder o melhor desempenho de Vitor Krum em um campeonato mundial!


- Acredito que o jogo se realizará em duas semanas, Rony.


- Duas semanas?! – Exclamaram juntos Harry, Gina, George e Rony.


- Mas isso coincide com...


- Sim, Gina, com o casamento de Gui e Fleur.


- Por quê marcariam um evento tão grande em tão pouco tempo? E por quê anunciariam às pressas? Como as pessoas vão se programar para assistirem aos jogos?


- Creio que as equipes internacionais de quadribol querem promover algum sentimento de fraternidade enquanto algumas coisas estão mudando rapidamente no nosso mundo – o Sr. Weasley falava mais a Sra. Weasley do que a nós. Ela enxugou as mãos na saia e sorriu superficialmente, recolhendo pratos e canecas, sinalizando que precisávamos sair.


- Só espero que a abertura não seja no mesmo dia do casamento, porque vocês sabem, eu estaria seriamente tentada a escolher o quadribol ao invés da Lady Fleur.


- Gina! – Exclamou a Sra. Weasley, enquanto Rony e George sorriam do que a irmã disse com repúdio.


- Só dizendo, mãe.


- Estou indo Weasleys, Neville, Luna. E até mais, Granger!


George desaparatou após pegar uma maçã da fruteira. “Trabalho e diversão” disse Gina com os lábios, sem emitir som.


Despedirmos-nos da Sra. Weasley, que também sairia de casa com o Sr. Weasley utilizando a Rede de Flu. Eu estava curiosíssima para saber como funcionava, mas tivemos de sair antes que o Sr. Weasley me fizesse novamente um redemoinho de perguntas. Sentia-me honrada em revelar os “segredos” do mundo trouxa com respostas óbvias e simples para mim (“sim Sr. Weasley, a comunicação é em tempo real pelos smartphones também”), mas que faziam com que ele se pendurasse em uma conversa totalmente funcional.


Nossas vassouras estavam enfileiradas, como se ninguém as tivesse usado em missão complicada na noite anterior. Tivemos de voltar ao galpão de vassouras alugadas a fim de devolvê-las e por fim encontrar Dobby. Não era surpresa que todos estavam um pouco apreensivos por sairmos tão tarde para seguir os planos de Dumbledore. Naquele momento até eu o seguia cegamente. Por alguma razão, ele transmitia a urgência e necessidade que significavam um objetivo palpável a todos. Eu acreditava que nosso papel no processo nos recolocaria em uma linha de tempo razoável. Em um lugar no mundo em que eu não me constrangesse em aceitar desafios. Ou aceitar quem eu era. Eu acreditava que seguir os conselhos de Dumbledore me daria outra chance, e eu estava desesperada por ela.


Ao devolver as vassouras, a senhora que as organizava sussurrou-me um “cuidado” enquanto os outros estavam bastante adiantados. Seguimos para o Beco Diagonal, que estava irreconhecível. Chegamos ao início da tarde, mas estava escuro suficiente para confundir um desavisado. Não havia lojas abertas, contudo, luzes fortes sugeriam que não estavam abandonadas. Somente sombras mexiam-se pelas frestas das cortinas. Era assustador as possibilidades que fizeram aquele lugar ficar sinistro em poucas horas. As lembranças de um lugar mágico, lotado e colorido foram praticamente sufocadas pelo cheiro enegrecido. Uma luz verde iluminava pobremente os blocos das calçadas e nos chamou atenção, mas não pudemos identificar de onde vinha, de modo que percebemos as nuvens espessas cobrindo o céu ao longo do Beco, sem razão aparente.


Descemos mais de oito blocos até nos surpreendermos com a antiga entrada da Ordem da Fênix. Pensei que apenas eu abrira involuntariamente a boca tamanha surpresa. Olhamos em volta e encontrei o rosto de Rony pálido. Ao meu lado, Luna catava um tijolinho esfarelado e em seguida o guardou na bolsa, apontando outro pedaço para Gina. Esta o analisou, mas desistiu após aproximar-se de Harry, que esfregava a testa com raiva. Neville, agachado, procurava algo e só parou quando conseguiu arrancar uma meiazinha presa entre a porta despedaçada do escritório e um bloquete da parede. “Eu quero acreditar que Dobby não está aqui”, disse o garoto. Ele conseguiu nossa atenção completa quando levantou a meia e começou a lê-la. “A maldição foi conjurada. Há esperança onde um dia aquele que esteve em Azkaban habitava. D.”.


- Vocês conhecem alguém que já esteve em Azkaban? – Perguntou Neville, limpando as mãos após guardar a meiazinha no bolso.


- Não conheço ninguém, e se eu conhecesse talvez não fosse por lá para visitar – Concluiu Rony, andando sobre os restos de parede.


- Seja quem for – Falou Harry, ainda arrumando o cabelo sobre a fronte – Deve estar procurando alguma coisa.


- Procurando? – Disse Rony, olhando em volta – Ele deve ter encontrado, considerando que vasculhou e destruiu tudo.


- Ou destruiu tudo porque não encontrou o que procurava – Interrompi Rony – Se Dobby teve o trabalho de deixar um recado significa que ele ainda sabe de algo importante.


- Se Dobby conseguiu escapar – Refletiu Luna, após guardar mais uma pedrinha – Ele pode ter salvado o que aquele que fez tudo isso veio para buscar.


Harry tirou a varinha do bolso e andou mais além dos destroços da Ordem da Fênix. O seguimos até certa distância. Alguns passos foram ouvidos até poder sentir meu coração acelerando ao máximo. Harry apontou a varinha para um local afastado, mas não havia nada a vista. Ele voltou-se para nós um pouco frustrado, guardando novamente a varinha no bolso.


- O que diz a segunda parte do bilhete, Neville?


- Ahn, bom, aqui diz “Há esperança onde um dia aquele que esteve em Azkaban habitava”.


- Eu sei onde é – Falou Harry, convicto.


- Você sabe? Conheceu alguém que esteve em Azkaban?


- Sim, mas me pergunto por que lá estaria seguro a ponto de nos dar esperança. Bom, pelo menos é óbvio por que Dobby não poderia escrever onde é tão explicitamente.


- Harry, você nunca sequer comentou sobre alguém que conhecemos estar em Azkaban e de repente você sabe até onde essa pessoa mora?


- Tudo bem Rony, explico quando chegarmos lá. Temos de ir depressa. Há alguma coisa errada com isso...


- Eu sabia que essa cicatriz estava perturbando você! Há quanto tempo ela está aí? – Gina segurou a mão de Harry enquanto ele tentava disfarçar a dor arrumando os cabelos na testa.


- Está tudo bem Gina, depois eu penso sobre isso.


- Apareceu depois que voltamos daquela visão, não foi Harry? – Interroguei o garoto, que paralisou e evitou olhar-me diretamente – Enquanto eu senti-me enjoada, Rony perdeu as forças e você os sentidos. Lembramo-nos juntos de algumas coisas, mas você voltou com essa cicatriz.


Com muita falta de sensibilidade, aproximei-me de Harry, afastei uma mexa para conferir a cicatriz. O garoto estava surpreso, e tão rápido quanto pude toquei sua testa. A cicatriz estava extremamente vermelha, quente e inchada. Tinha formato de raio... De raio.


- Cicatriz em forma de raio...


- Hermione? Você está bem?


- Eu preciso lembrar, tenho que lembrar. Harry, qual o seu último nome?


- Meu último nome? É Potter!


- Céus! – exclamei, com os olhos marejados. Minha garganta estava sufocada pelo misto de felicidade e tristeza. Eu não entendia o que estava por vir, mas eu tinha certeza de algo sobre Harry. Algo que ele não sabia sobre si, e talvez esta tenha sido a razão de estar ali.


- Harry, você é Harry Potter! – Disse, parecendo uma menininha tonta.


- Todos nós sabemos, Hermione – Cortou Rony, com um tom superior. – Harry, precisamos ir àquele lugar. Agora.


- Não Rony! Vocês não estão entendendo. Eu sei quem você é, Harry Potter! Você é o menino que sobreviveu!


- Você está tão estranh... Meu Deus!


Harry agachava-se gemendo, apontando a varinha para frente. Um tufão de ar frio arrancou algumas telhas de lojas próximas e as nuvens finalmente afastaram-se. A luz verde ficou nítida no céu, revelando um sinal macabro que arrepiou cada um dos cabelos da nuca. Uma serpente saia sem parar da mandíbula de uma caveira enorme. De repente, lembrei-me do que a senhorazinha havia me dito. “Cuidado”. Mas não era só isso que me assustava. Lembrei-me de haver conhecido um Harry Potter e a relação com aquele sinal no céu não era bom.


Alguns sussurros vinham dos quatro cantos nos cercando de forma intimidante. Mais adiante, um homem alto, de capuz preto, estreitou os olhos em nossa direção. Disfarçadamente, agreguei os outros, incentivando-os a alcançar a rua principal sem que olhassem para a direção do homem. Virei mais uma vez para conferir se ele ainda estava lá. Ele estava. E se minha imaginação não estava me pregando uma peça eu o vi repetindo várias vezes o nome “Harry Potter” até mudar o passo para uma versão mais acelerada.


Estimulei os outros a correrem quando, de supetão, aquele homem tirou a varinha do bolso e apontou para nós, sem temer que outros mais próximos, pelas janelinhas, podiam vê-lo claramente. Corremos o máximo que pudemos até sermos surpreendidos por faíscas vermelha e verde. Certamente aquilo era ruim, especialmente quando as expressões que eu via estavam muito aflitas.


Harry corria a frente, mas não conseguia parar de gemer. Foi apoiado por Neville e Rony. Luna, Gina e eu lançávamos feitiços estuporantes apenas para cobrir os garotos. Não havia nada realmente que pudesse nos defender.


- Harry, você consegue lembrar-se do lugar que Dobby disse? – Falou Neville, arfando enquanto driblávamos os espaços das calçadas.


- Acho que sim.


- Eu não me importaria de estar agora neste lugar, mesmo que seja relacionado a alguém de Azkaban – Concluiu Rony, deixando a resposta no ar.


- Entendi. Segurem-se uns nos outros!


Se “expectativa” tivesse um odor específico, talvez aquele lugar estivesse infestado dele. O corredor era minimamente iluminado, e lembrava o hall de um apartamento. Mas este tinha vários andares. Era como um edifício dentro de um edifício.


- Estamos na sua casa? – Perguntou Neville, sem cerimônias ao acender mais luzes pelo apartamento.


- Sim, este é o lugar.


- Homenum revelio – Apontei a varinha mais adiante. Nada aconteceu, assim como ninguém questionou o feitiço – Estamos sozinhos.


- Harry, se este é o lugar, então significa que a pessoa que esteve em Azkaban é...


- Sim, Gina, Sirius Black esteve em Azkaban. Tiago Potter o enviou para lá.

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Comentários (2)

  • LhiviaP

    Hahah... Fiz o melhor que pude. É sempre uma questão de "tempo", Thomas. XD

    2014-11-24
  • Thomas Cale

    Ai, caramba! Posta logo o próximo! Preciso saber o que está acontecendo!!!!

    2014-10-26
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