Você se lembra, Lily?



AVISO: partes em itálico – memórias do Snape


Partes em negrito – trechos da música


 


 


DO YOU REMEMBER, LILY?


 


 Severo Snape andava lentamente pela rua cheia de crianças. Era 31 de outubro, Halloween. Todos estavam fantasiados com as mais variadas roupas, as lojas enfeitadas com morcegos de papel nas vitrines. Mães acompanhavam seus filhos pelas casas, pedindo doces e sorrindo para todos.


 A felicidade estava tão presente que chegava a ser palpável. Um garotinho vestido de múmia puxou a capa do bruxo e lhe disse, sorridente:


 - Que fantasia legal, moço.


 O homem puxou a capa das mãos do garotinho com brutalidade e ignorou quando ele correu para os braços da mãe. Olhou em volta, o rosto sério e sombrio, procurando o rastro que o Lorde das Trevas provavelmente deixara ao passar por Godric’s Hollow. Encontrou-o facilmente. Uma casa acesa que ele não deveria ver, mas que estava lá, porque Pedigrew denunciara sua existência.


 Qualquer bruxo que olhasse atentamente, veria o brilho esverdeado que a casa emanava. Sinal de que uma maldição havia sido feita à pouco tempo. Snape imediatamente soube que Voldemort passara por lá. E mesmo sendo à tão pouco tempo, não havia pegadas na neve.


 Snape andou em direção à casa e não se surpreendeu ao encontrar o portão aberto, seguido pela porta. Ali, o brilho verde começava a se intensificar levemente. O inevitável já acontecera, ele sabia, mas não conseguia deixar de alimentar esperanças de encontrar Lily Evans ainda viva. Sim, Evans, não Potter. Severo se recusava à pensar nela com aquele sobrenome. Infantilidade, ele sabia.


 Passou pelo batente da porta e viu o primeiro cadáver para exposição de qualquer bruxo curioso. James Potter se encontrava deitado no hall de entrada, em frente à escada, os olhos abertos e sem vida encarando-o sem expressão.


 Snape não conseguiu sentir nada pelo homem falecido.


 Lentamente, ele subiu as escadas que levavam ao andar de cima, examinando as fotos se mexendo nas paredes: Lily e James sorrindo no casamento; Lily e James sorrindo quando ainda adolescentes; Lily e James sorrindo ao lado de um bebê; um bebê montado em uma vassoura de brinquedo.


 Chegou finalmente à uma porta semi-aberta. Os detroços do que poderia ter sido uma luta, jaziam no chão, ao lado do segundo cadáver. Lily Evans estava deitada no chão, os braços dobrados em um ângulo impossível, a boca entre-aberta. Os olhos verdes já não emitiam o brilho da esmeralda do qual Snape se lembrava: estavam arregalados e sem vida.


 Não foi como ver James morto. Desta vez, ele sentiu o choque da certeza atravessando seu corpo. Sentiu os olhos se enxerem de lágrimas e seu peso foi demasiado grande para que suas pernas aguentassem. E Snape caiu de joelhos ao lado do corpo inerte de Lily, não se importando com os cacos de porcelana que machucaram seus joelhos.


 - Lily? – ele sussurrou, a voz embargada, como se esperasse uma resposta.


 


 Snape viu uma garotinha correndo pela mesma rua onde ele morava. Seus cabelos ruivos saltitavam nas suas costas, os olhinhos verdes brilhando de alegria. Ela se virava, gargalhando gostosamente, espiando sobre o ombro: as caixas de papelão que a perseguiam, como se ela as estivesse puxando com uma cordinha.


 Ele a observou correr, alegre, até sumir de vista. Soube imediatamente que ela era como ele.


 


Do you remember when we were just kids?


(Você se lembra de quando éramos crianças?)


And cardboard boxes took us miles from what we would miss


(E caixas de papelão nos levavam à milhas do que poderiamos prever)


 


 Percebeu naquele exato momento que nunca mais a veria correr daquele jeito, os cabelos voando, os olhos brilhando de acordo com a emoção. Se lembrava que ela corria daquele jeito quando estava atrasada para a aula, o que raramente acontecia.


 Snape estendeu a mão para o corpo de Lily, hesitante, com medo de tocá-la e se perguntando o porque de querer fazê-lo. Soltou uma lufada de ar que saiu como fumaça branca de seus lábios entre abertos. Estava mais frio do que poderia imaginar e ele se distraiu, por um momento, pensando no motivo que levava as mães à deixar as crianças correrem livres pela rua, pedindo doce à estranhos. Crianças cujos poderes não haviam nem começado a despertar.


 E lembrou-se da primeira vez em que falou com Lily. Eles eram bem crianças e ela demonstrava à sua irmã o que podia fazer com uma flor. Snape, escondido atrás de um arvoredo, tomou coragem e foi cumprimentar-lhe. Ambos dividiam a mesma experiência: estavam começando à descobrir sua magia. Por isso, não foi dificil encontrar assunto para conversarem.


 No trem para Hogwarts, Lily fizera questão de se sentar com Severo na mesma cabine.


 


 Dois garotos desconhecidos e sorridentes entraram pela porta da cabine onde Lily e Severo estavam. Um deles usava óculos, o segundo era mais bonito do que o primeiro, porém ambos tinham cabelos negros e sorriso maroto.


 Ambos sorriram para a garota ruiva, mas fizeram careta ao avistarem Severo.


 - Eu quero entrar  para a Grifinória. – foi o que se ouviu dos garotos.


 - Vou ficar juntos com Severo. – foi o argumento de Lily. Todos riram.


 Os três conversaram alegremente, mas houve uma breve discução na qual Lily se levantar furiosa, chamando Severo para que mudassem de cabine e prometendo aos garotos que não teria o trabalho de conversar com eles mais tarde.


 A dupla permaneceu junta ao chegarem à Hogwarts. Entraram no grande castelo e Severo começou à explicar à Lily tudo o que ela queria saber: sobre os quadros, o teto do Salão Principal, a divisão das casas, cada um dos professores e as aulas que lecionavam. Os olhinhos verdes da garota brilhavam de excitação à cada coisa nova que descobria. Severo chegou à pensar que fora este o principal motivo pelo qual ela ficava perto dele: o garoto sempre sabia de tudo.


 Quando finalmente começou a seleção da casas, Lily apanhara a mão dele, com medo, ele deduziu. Quando seu nome foi chamado, ela se sentou no banquinho e se encolheu quando o Chapéu Seletor foi posto na sua cabeça. Severo soltou um gemido de indignação quando o nome “Grifinória” foi anunciado.


 O garoto quase desejou entrar para a Grifinória, mas o Chapéu anunciou que ele seria da Sonserina. Separados, cada um se acomodou em sua mesa e fez seus próprios amigos.


 


Schoolyard conversations taken to heart


(Conversas de escola que levaram nossos corações)


And laughter took the place of everything we knew we were not


(E as risadas nos levaram à um lugar que sabíamos que não estaríamos)


 


 Um lágrima solitária escapou pelo canto dos olhos de Snape. Ele limpou-a, sem querer demonstrar fraqueza perto de Lily, mesmo sabendo que ela não estava mais lá. A lágrima caiu no rosto eternamente adormecido de Lily Evans e escorreu por sua bochecha fria, morrendo no chão.


 Severo Snape limpou com o dedo indicador o rastro que ela deixara na bochecha de Lily, sentindo a frieza de sua pele. Ele estendeu os braços e agarrou o corpo imóvel dela, apertando-o contra o peito e escondendo o rosto na curva de seu pescoço, esperando que ela acordasse e lhe dissesse que sentia arrepios quando alguém respirava tão perto de sua orelha. Ela com certeza ficaria vermelha de raiva e lhe diria que era comprometida e que não podia ficar tão perto assim dele.


 Lily costumava ficar vermelha quando estava nervosa. Bastante vermelha, aliás. E Snape se lembrava perfeitamente do tom escarlate que suas bochechas adquiriam, embora soubesse que nunca mais o veria.


 


I wanna break every clock


(Eu quero quebrar todos os relógios)


The hands of time could never move again


(As mãos do tempo poderiam nunca se mover de novo)


We could stay in this moment [stay in this moment]


(Poderíamos ficar nesse momento [ficar nesse momento])


For the rest of our lives


(Pelo resto de nossas vidas)


 


 Ela estava tão gelada. Nunca pensara que a pudesse ver assim. Jamais imaginara o dia em que a perderia por completo: o que ele faria, para o que viveria, o que sentiria, como aconteceria, até se gostaria que acontecesse...


 Bem, agora ele sabia. O gelo que dela emanava penetrava por suas entranhas, corroendo seu peito, congelando seu coração, enquanto a verdade de que a perdera ia se instalando nele...


 


Is it over now, hey?


(Está acabado agora?)


Is it over now?


(Está acabado agora?)


 


 Então, Snape chorou. Chorou verdadeiramente, como nunca havia chorado antes.


 Chorou como nunca choraria nem se fosse para salvar a própria vida. Chorou pelo que perdeu, chorou pelo bebê no berço, chorou porque tinha perdido a única coisa que nunca lhe pertenceu.


 A cabeça de Lily pendia para trás, sem vida, a expressão era a mesma desde que fora morta. E Snape culpou à James. Não porque fosse realmente culpa dele, mas porque tinha que culpar alguém. Se ele não tivesse insistido em sair com Lily, ela nunca teria aceitado, Harry não existiria e a mulher em seus braços ainda estaria viva.


 James sempre lhe roubara tudo. Roubara a atenção de Lily quando ambos foram para a mesma casa, roubara-lhe a diginidade quando começou à azará-lo, roubara-lhe a chance com Lily quando chamou-a para sair, roubara-lhe os lábios de Lily quando a beijou pela primeira vez.


 


 Era uma tarde chuvosa em Hogwarts e o jardim estava encharcado pelo temporal que caía. Severo Snape se levantava da grama, vestindo as calças (que haviam sido arrancadas anteriormente por Sirius Black). Estava mais encharcado do que a grama e tinha consciência de que seu cabelos estava pintado por uma cor berrante.


 Vasculhou o local com os olhos para ver se encontrava seus livros (Sirius Black os havia jogado em algum lugar). Encontrou-os todos em uma poça de lama e sabia que seu dever de casa de poções estava em algum lugar em sua mochila, que encontrou pendurada no chifre de um gárgula. Ainda mataria aqueles grifinórios abusados e provaria para Lily que não precisava de sua proteção, embora esta ajudasse, e muito!


 Recuparadas suas coisas, Severo começou a voltar para o castelo, tentando enxergar pela chuva densa que caía forte.


 Paralisou no lugar ao ver, no meio do jardim e completamente enxarcados, Lily e James. Estavam discutindo – de novo – aos gritos.


 Lily tinha as roupas coladas no corpo por estarem molhadas e James, assim como Severo, certamente reparara nisso. Quando ela se voltou, como o dedo indicador apontado para o peito do moreno, acusando-o de alguma coisa que Severo não conseguiu ouvir, James enlaçou sua cintura e beijou-a. Doeu assistir àquilo. Doeu como não deveria doer.


 Foi à força, isso é óbvio, pois Lily começou a se debater em seus braços. Quando James finalmente soltou-a, levou um tapa na face direita.


 Deve ter doído, mas Severo viu que ele sorriu enquanto olhava a garota voltar para o castelo, indignada.  


 


I wanna be your last, first kiss


(Eu quero ser o último primeiro beijo)


That you’ll ever have


(Que você vai ter)


I wanna be your last, first kiss


 


 - Você se lembra, Lily? – perguntou ao corpo. – Se lembra disso?


 É engraçado o rumo que a vida toma. O modo como as coisas acontecem agora, pode afetar o que virá. Depois daquela cena vista sem querer no jardim de Hogwarts, Snape não conseguiu tratar Lily da mesma forma de antes. Passara a evitá-la pelos corredores, sem conseguir conversar normalmente quando se esbarravam.


 Como ele se arrependia daquilo agora! Se tivesse tratado-a da mesma maneira de sempre, talvez ela não tivesse buscado refúgio nos braços de James. Talvez ela ainda fosse sua amiga. Mais que uma amiga, se abusasse da sorte. Mas Snape tivera a ousadia de chamá-la de “sangue-ruim”, mesmo sabendo que Lily detestava as Artes das Trevas, mesmo sabendo que aquilo a machucaria. Na verdade, ele queria machucá-la. Sabia que era irracional, mas sentia raiva dela pela cena no jardim. E simplesmente tinha que culpar alguém.


 Agora ele sabia. A culpa nunca fora dela.


 


Amazing how life turns out the way that it does


(É surpreendente o jeito que a vida segue)


We end up hurting the ones, the only ones we really love


(Nós acabamos machucando os únicos que realmente amamos)


 


 - Lily? – ele voltou a perguntar, esperançoso. Como esperado, nada houve. No fundo, Snape sabia que não havia mais volta, mas podia deixar de se agarrar à esperança. – Me desculpe, Lily. – murmurou ao ouvido da mulher, mesmo sabendo que ela não podia ouvir.


 Por um milésimo de segundo, ele desejou que o tempo parasse no momento em que ainda eram amigos e continuar assim. Quis ter sido ele à ter a coragem de beijá-la, mesmo que à força, correndo o risco de levar um tapa.


 


I wanna break every clock


(Eu quero quebrar todos os relógios)


The hands of time could never move again


(As mãos do tempo poderiam nunca se mexer de novo)


We could stay in this moment [stay in this moment]


(Poderíamos ficar neste momento [ficar neste momento])


For the rest of our lives


(Pelo resto de nossas vidas)


 


 Queria nunca ter se envolvido com as Artes das Trevas, queria ter a descência e bondade de Lily, que morreu para salvar seu filho.


 Seu filho...


 Snape levantou a cabeça debilmente e olhou em direção ao espaçoso berço que ficava encostado na parede. Se distraiu, pensando em como não havia o notado antes. Talvez fosse porque sua atenção sempre fora para a mãe, nunca para as pessoas à sua volta.


 Seus olhos negros se depararam com um rostinho redondo de bebê que se parecia muito com James. Os olhinhos verdes, brilhantes por causa das lagrimas, o encaravam com curiosidade, como se esperassem que ele lhe pegasse no colo. Claro, Snape nunca faria isso. Não sentia nada pela criança, pelo contrário. Estava claro que os olhos do pequeno Harry seriam a única coisa de Lily que ainda estava viva, e isso o deixava irado.


 


Is it over now, hey?


(Está acabado agora?)


Is it over now?


(Está acabado agora?)


 


 Metade da culpa por Lily estar morta, era de Harry. A outra metade era de James.


 Claro, era irracional pensar assim. O fato de Snape ter de culpar alguém era irracional.


 Não era culpa de Harry, afinal. Ele não pedira para nascer.


 Mas era culpa de James. Se ele não tivesse se apaixonado por Lily, talvez ela tivesse beijado Snape e eles agora estivessem casados. Lily linda e viva. Snape feliz. E o bebê no berço seria filho dos dois.


 O homem desejou isso com tanta força, que quase sentiu se tornar realidade. Quase.


 


I wanna be your last, first kiss


(Eu quero ser o último primeiro beijo)


That you’ll ever have


(Que você vai ter)


I wanna be your last, first kiss


(Eu quero ser o último primeiro beijo)


 


 Mentalmente cansado, Severo Snape olhou o rosto de Lily e fechou seus olhos. Depositou-a no chão, com cuidado. Pôs-se de pé em um movimento curto. Olhou nos olhos do bebê no berço e chegou a sentir uma gotícula de compaixão, mas virou as costas e saiu pela porta do quarto.


 Desceu as escadas com pressa, a capa negra esvoaçando enquanto andava. Ignorou todos os quadros nas paredes, não querendo reviver os sorrisos e as caras de felicidade.


 Ao fim da escada, encontrou novamente o cadáver de James Potter. Olhou com certa indiferença para ele. Passou por cima, deixando a capa esfregar no rosto do morto e saindo pela porta da frente.


 


Is it over now, hey


(Está acabado agora?)


Is it over now?


(Está acabado agora?)


Is it over now, hey?


(Está acabado agora?)


It is not over now


(Não está acabado agora)


 


 Ignorando o frio, Snape saiu para a rua, fechando a porta atrás de si e ignorando a névoa esverdeada que ainda pairava sobre o local.


 Tentando não pensar na felicidade das crianças que ainda andavam pela rua e esforçando-se para não se lembrar das velhas coisas – que agora estavam perdidas para sempre -, Severo se encaminhou para uma suja ruela.


 


I wanna be your last first Kiss


(Eu quero ser o primeiro, último beijo)


That you’ll ever have [that you’ll ever have]


(Que você vai ter [que você vai ter])


I wanna be your last, first love [that you ever have]


(Eu quero ser o ultimo, primeiro amor [que você vai ter])


Till you’re lying here beside me with arms and eyes open wide


(Enquanto você estiver ao meu lado com os braços e olhos abertos)


 


 Severo Snape adentrou pela viela escura e desaparatou, não se sabe para onde.


 


I wanna be your last first Kiss for all time


(Eu quero ser o seu ultimo, primeiro beijo para sempre)


 


X&X


 


N/a: pessoal, o negócio não está revisado, se acharem errinhos de português, me avisem.


A música usada para fazer a fic foi “Inevitable” do Anberlin.


Não sei o que dizer sobre essa fic. Não ficou exatamente o que eu imaginava, e estou morrendo de medo de ter decepcionado.


Bem, comentem!


 

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Comentários (2)

  • Mary Jane W. Granger

    Ta fantastica, fartei de chorar e ouvir a musica ao mesmo tempo que leio ainda emociona mais. Bom trabalho

    2012-01-01
  • Lai Prince Slytherin

    ficou linda! *o* a música combinou PERFEITAMENTE, parece que foi composta pra esse pedacinho da história. eu sempre imaginei de vários jeitos essas cenas, no filme inclusive, foi muito linda. voce escreveu ela muito bem (e sem errinhos de português, rs) falando no filme, achei uma foto e fiz essa capa, se vc quiser: http://oi41.tinypic.com/oko8k6.jpg *-* a propósito, tem mais capítulos essa fic? pensei que fosse uma short, é que tá como "em andamento"

    2011-10-27
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