Faminto



 


| Do Nosso Jeito |


 


 


Capítulo Doze - Faminto


 


 


 




A poeira ali presente na soleira da porta já se acumulava pelo menos quatro centímetros. Isso era bom, mantinha a aparência de total abandono do estabelecimento, ainda que houvesse mil almas desoladas vivendo ali. A porta rangueu quando o grande homem a empurrou; isso era ruim, qualquer barulho parecia chamar atenção daqueles malditos caçadores de recompensas.


Alberfort ergueu a lamparina alto, e praguejou seu falecido irmão por ter doado de tão bom grando o desiluminador para o cabeça-de-vento Weasley.


Suspirou, sentindo-se ligeiramente culpado pela mais recente aquisição da Morte. Ela levara mais um Weasley, familia tradicional que jamais mereceu perder qualquer um de seus membros.


A luz fraca capturou os olhos famintos de alguns bruxos, as unhas sujas de outros, os rostos amarelados. Albefort praguejou. Como diabos iria liderar uma rebelião ao Ministério Negro, se nem nutridos seus aliados estavam?


O trapo que ainda se chamava Mundugus Fletcher estava encostado no canto da parede, o rosto mais macilento que o normal. Alberfort sabia que só estava ali porque era sua última opção; o Ministério não daria nada pela sua cabeça, mas os segredos dentro dela valiam milhares.


– Pelo visto não têm feito muita coisa para a miséria e o mal cheiro que se instalou aqui, não é? – rosnou, fechando a porta atrás de si. – Bem, agradeçam ao meu querido irmão, por ter nos deixado nessa escuridão bolorenta.


– Estamos famintos! – exclamou um bruxo de cabelos desgrenhados. – Iremos padecer!


– Fome não se relaciona com a falta de banho – disse Albefort, muito mau humorado. – E se acham que irão receber uísque de fogo de mãos beijadas, não poderiam estar mais enganados!


– Albefort – De longe, Kingsley apareceu. O velho respeitava aquele bruxo mais do que qualquer outro vivo; era a esperança de Albefort, era quem ele queria colocar no poder do Ministério, assim que limpasse a bagunça que a morte de Dumbledore e o sumiço de Harry Potter tinham proporcionado.


Porém, Kingsley estava longe de ser o homem que era antes. Perdera pelo menos uns dez quilos, e seus olhos eram marcados por profundas olheiras, além da cicatriz no ombro que ganhara na última emboscada à Bellatriz, por um feitiço que limitou seus movimentos com a varinha.


– Sim, Kingsley?


– Estamos realmente famintos. – Sua voz, pelo menos, continuava altiva. – Nossas reservas há muito já se foram. Precisamos fazer algo. Deixe que coloque em prática meu plano.


– Não! – rosnou Albefort. Não iria arriscar a cabeça do seu futuro Ministro da Magia por alguns pedaços de pão velho.


– Por favor, senhor, precisamos comer!


Uma voz do fundo falou, e um burburinho foi crescendo.


– O que supõem que eu posso fazer? – Perguntou, olhando para os rostos infelizes e sujos. – Qual a solução que vocês propõem? Que eu invente um banquete que satisfaça seus estômagos vazios? Sei que parece, mas não faço milagres!


– Temos o planos de Kingsley – disse um senhor.


– Mal sabes qual o plano! Como pode sequer citá-lo? – Bradou Albefort.


Ouviu-se um pigarro, e todos os olhos se viraram para o canto da sala, onde um Mundungus Flecther de aparência doente olhava fixo para o Dumbledore.


– Estamos à minutos de Hogwarts – ele disse, como quem não quer nada. – Estou certo de que não falta comida aos alunos de lá.


– Não – disse Alberfort, categórico.


– Essa é a única palavra que conhece, Dumbledore? – Perguntou Mundungus, irritado. – Estamos sofrendo de uma morte lenta e gradual. Como espera que lutemos contra o mal, quando sequer nos aguentamos de pé?


– É muito arriscado.


– Esse era o plano, não era, Kingsley? Sei que também sabe da passagem secreta que leva até Hogwarts pelo retrato da garotinha. Tivemos o mesmo raciocínio, não tivemos?


Kingsley pareceu incomodado, mas fez que sim com a cabeça.


– Kingsley não vai a lugar algum, muito menos a Hogwarts, com o nariz macilento de Snape fuçando tudo – falou Albefort, querendo sem demora encerar aquele assunto.


– Não sabemos que lado Snape está - comentou Kingsley.


– No meu ele não está! Ou pelo menos não o vejo passando fome conosco!


– Estou dizendo que talvez, só talvez, possamos confiar nele - anelou Kingsley. – Seu irmão confiava.


– E o que isso trouxe de bom para ele? Não me comove essa história de que é apaixonado por Lily Potter até hoje. Garota tão pura como ela, jamais chegaria perto daquele asqueroso Comensal das Trevas.


– De qualquer forma – interrompeu Mundungus, antes que Kingsley respondesse. Não estava interessado de maneira nenhuma na vida amorosa de Severo Snape. – Entendo porque não quer que Kingsley vá, Albefort. Por isso, vou em seu lugar. Sei muito bem que ninguém aqui me ama, e, convenhamos, não tenho família para qual voltar. É muito simples, entro, roubo comida, e volto.


Albefort olhou muito desconfiado para o bruxo. Não era o tipo de homem que se deixava enganar com facilidade, e muito menos sentia empatia com histórias mal-contadas.


– E por que faria isso?


– Porque estou com fome, Mérlin! Você não?


O burburinho recomeçou, e Albefort sabia que não ia conseguir lidar com isso naquele momento. Derrotado, balançou a cabeça em consentimento, e Mundungus desapareceu.


Estava faminto também, por Morgana. Não aguentava mais aquela dor de cabeça constante, e olhar para toda aquela miséria dentro do seu bar.


Andou, absorto em seus pensamentos. Parou em frente ao Espelho De Dois Sentidos, e suas lembraças redirecionaram-se para Harry Potter.


“Onde está você, garoto mimado?”


Pensou com agresividade, mas a verdade é que sua esperança era que o garoto estivesse bem. Parte dele agradecia o menino estar escondido, e outra parte desejava que ele reaparecesse e ajudasse a limpar toda aquela bagunça.


Porém, Albefort sequer sabia se O-Menino-Que-Sobreviveu estava mesmo vivo. O mais perto que chegara foi um boato de que ele estivera em Hogsmead, instigando pessoas para uma Revolução.


Mas o quão verdadeiro esse boato era, ele não poderia saber.


Olhando para o Espelho, desejou respostas.


E finalmente obteve-as.


Viu de relances os olhos de Harry, tão parecidos com os de Lily. Havia mais alguém com ele.


Ouviu um gritinho de mulher.


Dumbledore?


– Harry Potter! – Albefort berrou, afobado, liberando a magia do espelho. – Estamos no Cabeça de Javali!


 


*


 


 


Os dedos longos e pálidos ergueram-se à altura de seus olhos. Um anel negro perolado brilhava de forma anormal no seu dedo anelar. "Anel carregado de magia", diria Dumbledore. Homem tolo, com medos iracionais, diria Snape. Prazerosamente, estendeu os braços cobertos por uma túnica negra na cadeira que pertencera a todos os antigos diretores de Hogwarts. Sentiu um júbilo.


Poder, poder, poder.


Sempre fora tudo que ele queria.


Dumbledore repousava quietamente atrás de si, num quadro destinado a ele. Snape agradeceu estar dormindo; vez por outra, resolvia dar palpites sobre seu legado como diretor, fato que fazia Snape querer arranjar um feitiço que tirasse o velho daqui imediatamente. Aquela calma dele sempre o irritava. Devia reconhecer, obviamente, que o temperamento do ex-diretor o mantera na linha por muito tempo. Mas aí é que está: Snape não precisava mais andar na linha. Não existia linha para ele, não existia Dumbledores, nem Voldemort, nem limites. Nem mesmo Bellatriz Lestrange, que gostava de achar que tinha o controle da situação, o detinha. Ele era muito mais forte e poderoso.


E era ele que estava sentado ali, no segundo local mais importante do mundo bruxo, depois da cadeira do próprio Ministro. Não aspirava o Ministério, ele estava exatamente onde a sua vida inteira havia lhe negado.


Ah, quem dera James Potter pudesse vê-lo agora... Seu peito explodiria de inveja, Snape sabia.


Riu. Podia ver os mesmos defeitos do Potter-Pai, no Potter-Filho, e ele tirara muita vantagem disso, forçando Harry Potter a ver a criaturinha medíocre que era sempre que podia.


O Sonserino não conseguia ver o fascínio que as pessoas tinham com esse fedelho. Para ele, parecia que todos entravam num estado de histeria e esquizofrenia quando o assunto era aquele moleque mal-educado.


Por Mérlin, até Bellatriz Lestrange, que tinha tudo para tomar o Ministério Negro, e se tornar absoluta em todos os poderes mágicos, deixou-se levar pela obcessão pelo menino Potter, numa vingança burra e sem precedentes.


Que chance teria Harry Potter contra Bellatriz? Nenhuma, provavelmente. Porém, Snape não desejava-o morto. Desejava somente que pudesse ver onde o Sonserino tinha chegado. Desejava que o menino visse que sua vida poderia ser mil vezes melhor, apenas se sua mãe tivesse escolhido o homem certo...


Suspirou, os olhos fitando o anel negro novamente. Odiava lembrar Lily. Odiava ver como Harry parecia tanto com James e em nada com ele.


Uma batida na pesada porta o tirou de seus pensamentos.


– Entre.


Um monitor da Sonserina, trajando roupas negras com detalhes verdes e prateados, entrou na sala, arrastando um trapo.


Snape só percebeu que aquilo era uma segunda pessoa, quando o aluno jogou-o aos seus pés. Os trajes se movimentaram, revelando o rosto do invasor.


– Encontrei esse aí tentando assaltar a cozinha, Diretor.


– Interessante – comentou Snape, olhando para Mundungus com profundo despreso.


– Sabe de quem se trata? – perguntou o aluno, curioso. – Provavelmente um dos seguidores do Cadavér-Potter, não é?


– Não lhe interessa, Sr. Cobs – respondeu Snape, seco, sem desviar o olhar. – Agora, me deixe sozinho com esse traste. Cuidarei dele.


– Sim, senhor.


– Sr. Cobs? – Chamou Snape, antes que o garoto pudesse sair. – Uma das qualidades que eu mais aprecio é a discrição. Espero que entenda.


– Perfeitamente, Diretor.


O garoto saiu, fechando a porta sem dizer mais nenhuma palavra. Mundungus sustentava o olhar de Snape, com igual nível de nojo.


– Parece com fome, Sr. Fletcher – falou o Sonserino, mansinho.


– Não me diga que tem um filé de pato esperando por mim, Ranhoso – respondeu, com ironia.


– Quem o manda aqui, traste? – perguntou Snape, agora deixando de lado toda a falsa cortesia.


– O que o faz pensar que não estou só?


– Você é um inútil, incapaz de se virar sozinho. Está a mando de quem? – repetiu Snape, perigosamente.


– Do meu estômago.


Snape impacientou-se, e segurou os braços da cadeira com força para não lançar uma maldição em Mundungus.


– De que lado está, afinal, Ranhoso?


– Do meu lado. Sempre.


– Potter está vivo, e irá te derrubar como um Bispo derruba um Peão num jogo de xadrez.


– Desde quando virou um fanático religioso, Mundungus, e acredita em milagres? – Snape ergueu as sobrancelhas. – Que eu saiba, você sempre foi em cima do muro.


– Engana-se – ralho o outro. – Eu fui errado, ladrão, sujo... Mas nunca Comensal.


Snape voou no pescoço do homem, apertando com as mãos.


Nunca-mais-repita-isso!


– Não aceita o próprio passado, Ranhoso? – Perguntou Mundungus, tentando respirar entre os dedos do seu algoz. – Estou certo que sabe que Bellatriz Lestrange virá tomar Hogwarts de você, assim que conseguir achar Potter. É só uma questão de tempo.


– Ela não ousaria – disse Snape, entredentes.


– Desconfio que não conhece Bellatriz Lestrange tão bem, se acha isso realmente.


Snape soltou o pescoço de Mundungus, que imediatamente massageou a área. O Diretor sentou-se à cadeira novamente, tentando se acalmar.


– O que quer, Fletcher?


– Penso que seria proveitoso para nós dois que a Lestrange não encontrasse o Potter. Enquanto estiver ocupada com essa vingaça idiota, não me procurará e nem tentará tomar Hogwarts de você.


– Não tenho medo de Bellatriz.


– De certo – Mundungus comentou. – Talvez tenha de seu exército.


– Queime nas chamas do purgatório, Fletcher! Diga logo o que quer, e dê o fora da minha vista!


– Eu voltarei para a cozinha, e dessa vez você se certificará de que nenhum sonserino de merda me encontre. Pegarei tudo o que desejar, e a minha estada aqui será segredo absoluto.


– E o que ganho com isso? - perguntou Snape, desinteresado.


– A proteção de Potter.


– O que o faz pensar que ligo para o bem-estar desse traidorzinho sórdido?


– Vamos lá, Snape – Mundungus deu uma risadinha infame. – Estou certo de que já notou os olhos do garoto. São exatamente como os dela.


Snape não respondeu, seus membros rígidos agarrados à cadeira.


– Vá embora – disse, muito baixo. – Pegue o que quiser, leve até um hipogrifo, se assim desejar. Mas suma daqui! Agora! - Terminou berrando.


Mundungus saiu, rindo alto. Snape ficou paralisado alguns minutos mais, lembrando dos olhos de Lily, olhos que ele sempre amara, desde que era criança. De fato, a única coisa que Harry Potter tinha de bom.


Uma lágrima caiu de seus olhos, apenas uma. Ele jamais deixaria ninguém saber.


 


*


 


Dumbledore? – Esganiçou Hermione.


– Quase isso! - Harry quase gritou, animado. – Onde você está?


– Cabeça de Javali – respondeu o homem do outro lado do espelho, com a voz grave.


Harry tinha agarrado a mão de Hermione sem perceber. Mal lembrava que tinha acabado de se declarar apaixonado, tamanha a sua euforia.


– Não nos demoraremos. Fique aqui, Mione, irei avisar os outros. Quero dar o fora daqui o mais rápido possível.


Harry já se dirigia para a porta, quando algo o deteu. Hermione o segurava pela aba do suéter. Ele a olhou, questionando sua intensão com o olhar.


Então, Hermione fez o que já não fazia há alguns dias: se aproximou dele devagar, enlaçando os braços no seu pescoço e colando seus corpos num abraço caloroso.


Harry suspirou, sentindo o cheiro dela e as palpitações do seu coração relaxarem dentro do peito enquanto passava seus braços sob a cintura da menina.


– O que eu disse antes... – começou, fechando os olhos e aspirando o perfume de seus cabelos. – É verdade.


– Eu sei – sussurrou Hermione. – Depois nós conversamos. Você precisa salvar o mundo.


– Certo. Aceito.


Por mais que quisesse ficar ali, abraçado com Hermione, e ter uma definitiva resposta da amiga, ele sabia que não poderia.


Deu um beijo na testa dela, se demorando ali.


– Já volto.


E saiu, deixando uma Hermione muito vermelha para trás. Foi até a sala de estar, onde os quatro – Draco, Astória, Luna e Neville – estavam, e anunciou:


– Arrumem suas coisas. Nós vamos pra Guerra.


 


N/A: Tinha apagado esse capítulo sem querer, mas repostei imediatamente :( [03/04/13]

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Comentários (1)

  • michelle lima

    Quando terminei de ler este capitulo não saiu da minha cabeça a cena do homem-aranha 2, quando a mary jane vai encontra-se com o peter no apartamento dele.... soh faltou o tigrão....rsrsrrsrsrmuito bom mesmo o capitulo... me deu até fome... 

    2013-04-03
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