Versão 1 - Cap. Único



Blue Valentines*


(“namorados tristes”, numa tradução livre)


 


Severo tinha sete anos quando a viu pela primeira vez. Estava observando as formigas que caminhavam pela cerca quando a viu, correndo da irmã. Seu primeiro pensamento foi que os cabelos dela estavam pegando fogo. Não conseguiu desviar o olhar, pensando em como afinal ela conseguira fazer aquilo – e, mais incrível ainda, como conseguia não urrar de dor.


 


A única explicação possível, concluiu, era que ela era uma ninfa do fogo. Tinha que ser. Ficou abismado por ver uma tão de perto. Ele sabia que elas existiam! Apesar do que seu pai costumava berrar, bêbado, ele estava certo! Voltou para casa correndo e muito feliz.


 


Ele sabia o que tinha que fazer agora – oferecer as flores da pimenteira-brava à ela, para ganhar sua bênção. Pelo menos, era o que diziam todos os seus livros. Quase caiu de tão empolgado que estava ao voltar, mas ela já havia sumido. Que decepção! Mas tudo bem.


 


Conseguia vê-la de vez em quando pelas cortinas, mas nunca mais tinha encontrado com ela no jardim. Aos poucos se convenceu de que ela não deveria ser uma ninfa do fogo, afinal, e que seus cabelos não estavam em chamas, mas a admiração inicial que sentia nunca diminuiu.


 


Aos nove anos, encontrou uma maneira de falar com ela, nervoso e vermelho, contando-lhe que era uma bruxa. Ela havia sorrido para ele, e Severo quase caiu da cerca. Na infalível lógica das crianças, “ela me respondeu, ela é minha namorada!”  (mesmo que ainda não saiba disso, é claro!). Ainda não dominava a magia, ficou bravo. Pegou uma faca na sua cozinha e raspou na árvore do seu jardim “S+L”, prendendo na casca a sua felicidade.


 


Passaram-se alguns anos e, assim como acabara admitindo que Lílian não era uma ninfa do fogo, Severo percebeu que ela também não era sua namorada. Entretanto, o mesmo sentimento continuava queimando seu peito.


 


Pensava em contar à ela, mas todas as vezes não conseguia. Se sentia vermelho e se jeito como quando tinha nove anos e contara a ela a verdade sobre a magia. Sabia que ela não era uma ninfa do fogo, mas no fundo, no fundo não estava tão certo disso... talvez por isso sempre morresse de medo de afugentá-la (ninfas são criaturas arredias!).


 


A casa onde crescera estava vazia, mas a árvore continuava ostentando seu amor infantil, entalhado à faca.


 


Tinha então quinze anos e estava chegando o dia dos namorados. Para ele e para Lílian, juntos, mas separados, ao menos mais separados que do Severo gostaria. Pensou muito. Acabou decidindo dar à ela alguma coisa. Remexeu na antiga caixa de jóias, pegou um velho pingente que fora de sua mãe e decidiu entregar à ela. Tinha o formato de uma cobra enroscada em uma flor – alguma coisa relativa à entrada de Eileen na Sonserina.


 


- Feliz Dia dos Namorados! – dissera ele, inconscientemente voltando aos nove anos, quando realmente acreditava que ela era sua namorada, só não sabia disso. Não diziam que era só acreditar que as coisas aconteciam?


 


Lílian havia sorrido.


 


- Obrigada, Sev, só você mesmo para me consolar por estar sozinha no dia mais acompanhado do ano. Eu também tenho uma coisinha pra você, na verdade.


 


E estendera um pacote. Severo abrira, tremendo. Era um sapo de chocolate, versão infantil, com um algum tipo de brinquedo surpresa. No caso dele, havia vindo um anel prateado, fino e tão pequeno que não cabia nos dedos de ninguém com mais de dez anos.


 


Ele tremeu. Isso queria dizer que eram namorados, não era? Trocar presentes no dia doze?


 


- Sabe, Sev, eu às vezes penso que vou terminar sozinha. Nunca tive ninguém mesmo. Até minha irmã brigou comigo! Eu sempre me sinto triste no dia dos namorados. Parece que é um dia só pra esfregar na cara das pessoas que elas não tem ninguém. Obrigada por ter percebido e me animado! Eu achei que faria isso. Por isso comprei esse sapinho, é só uma lembrancinha, mas...


 


- Vou guardar para sempre.


 


Ela sorriu, e o puxou em um abraço.


 


- Sev, você é muito fofo. Não sei como está sempre sozinho.


 


Ele não respondeu.


 


- Sabe, eu acho que vou morrer de ciúmes o dia em que finalmente alguma menina for esperta o bastante para estar com você – disse ela, com uma careta. – Prometa que não vai se esquecer de mim, sim?


 


- Nunca. – respondeu ele, com sinceridade.


 


- Cuida de mim?


 


- Eu... claro, Lílian. Para sempre.


 


Ela o soltou. Sorriu a ponto de fechar os olhos. A luz do sol fazia parecer que realmente seus cabelos estavam pegando fogo.


 


- Isso aí! E quando a gente tiver cinqüenta anos, se ainda estivermos sozinhos, a gente se casa e vive feliz para sempre.


 


Pareceu um plano excelente para Severo Snape. Ele corou e assentiu.


 


Lílian chegou mais perto dele.


 


- É um acordo então, hein? Temos que selar com um beijo.


 


- Mas.. hã...


 


Então, Lílian encostou seus lábios na bochecha dele. Severo, chocado, escorregou na grama, de modo que a boca de Lílian desviou para quase tocar na sua... quase mesmo.


 


E ela começou a rir.


 


- Seu bobo!


 


Depois o abraçou de novo.


 


- Não me deixe nunca, está bem? Eu não sei o que faria sem você.


 


E Severo retribuiu o abraço, e lembrou de quando explicara magia a ela, e de quando a protegera dos meninos da Grifinória, e de quando ela brigara com ele mas depois reconhecera que ele estava certo... e soube que sempre teria de protegê-la. Sempre.


 


A ninfa do fogo seria sua eterna namorada. E algum dia... algum dia, ele estaria junto com ela. Ele sabia. Tantos anos, e ainda tinha medo de afugentá-la com um movimento mais brusco...


 


E passaram-se os anos, Lílian se esqueceu dele, se esqueceu de que pedira para ele cuidar dela, se esqueceu de sua presença, se casou, viveu. E em Severo continuava marcado, assim como no tronco da velha árvore do seu jardim, “S+L” em sua letra torta, um amor talhado à faca, disforme, dolorido, impossível de tirar.


 


Ele nunca deixou de amá-la. Nem de esperá-la. Ela sempre seria “sua namorada”.


 


“Ela é minha! Eu a vi primeiro!” berrava um Snape de sete anos de idade dentro dele. Mesmo quando se casou com Tiago. Mesmo quando morreu. A justiça não era aquela. Ele gostava mais dela. Um dia, aquilo seria corrigido. Ele esperava. Ele só podia esperar.


 


Era dia doze, estava nevando. Severo caminhava sozinho pela neve. Estava levando um presente para Lílian. Uma coroa de flores, lírios vermelhos entrelaçados com pimenteira-brava. Ela não tinha um túmulo, então ele costumava se encontrar com Lílian no jardim de sua antiga casa.


 


Debaixo da árvore marcada.


 


Morta como ela.


 


Morta como suas esperanças gravadas à faca: “S+L”.


 


Deixou a coroa ali. Conversou um pouco com ela.


 


- Eu estou quase com cinqüenta anos, Lílian. Você não se esqueceu da sua promessa, esqueceu? Eu estou sozinho. Eu fiquei sozinho esperando você. Você também está me esperando, não é?


 


Tirou de dentro de sua blusa uma corrente, de onde pendia o velho anel prateado, já torto pelos anos, pendurado sempre ao lado do coração. Tocou-o com os lábios.


 


- Eu sinto sua falta.


 


E ele foi embora.


 


- Feliz dia dos namorados.


 


O namorado eterno de Lílian Evans. 

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