Terceiro Capítulo



-Veneza
O negro dos olhos era extraordinariamente substituído pelo azul dos mares. As ondas se viam em seus glóbulos, batendo contra a pupila dilatada, tornando-os ainda mais fantásticos aos olhos humanos.
Sua pele clara como a neve transmitia toda a alegria da mesma, compilada com a calidez e frieza que caminhava junto ao seu passo.
Seu vestido caía em longas camadas negras, com bordados monstruosos, nunca antes vistos, tão surreais quanto sua beleza.
Matthew vinha observando-a, com suas farroupilhas, de leves tons marrons, já desgastados. Sua pele era perfeitamente asiática. Os olhos puxados, extremamente fechados, mostrando apenas dois pequenos mundos de preto. Não se via sua pupila; mas, ainda assim, era transmitida toda sua ingenuidade. Negros como a noite, e quando reflexos de luz surgiam no antro, podia-se ver o efeito incrível... Era como se pequenas estrelas surgissem, tornando tudo tão angelical como a noite bucólica.
"Olá" – A voz da moça soou. Tudo era um perfeito silêncio. Sua voz era de uma suavidade e harmonia que chegava a parecer surreal. Era falha, hesitante, transmitindo, ainda assim, toda a crueldade implícita em seu olhar e gestos.
O sorriso tímido do garoto, ao encurvar os lábios levemente rosados, lhe causou repulsa.
Os longos cabelos de Matthew estavam presos para trás, em uma trança muito bem trabalhada, cujas pontas eram presas por fitas gastas que encontrara na cor que oscilava entre o preto e o violeta. Seus fios de cabelo eram grossos e tão escuros quanto lhes eram possíveis.
Aquele penteado machucava-lhe o couro cabeludo.
Quando percebeu o olhar da estranha moça direcionado para suas madeixas, a dor pareceu se intensificar. Parecia-lhe insuportável, levando-o a levantar as delicadas mãos à cabeça, onde acariciou com diligência.
"Corra" – Foi sussurrado em seu ouvido.
Uma forte ventania adentrou o recinto, as negras cortinas balançaram loucamente.
Matthew girava a cabeça para os lados, em busca de quem fora. Não havia ninguém.
O garoto não podia se lembrar de nada a respeito de quem o falou. Da voz, nada lembrava. Feminina ou masculina? Não sabia dizer, apenas se recordava da mensagem.
A garota, cuja beleza exuberante lhe era excêntrica, caminhava com passos lentos e compassados, movimentando-se junto ao vento. Suas roupas farfalhavam nas curvas avantajadas, tão belas quanto possível. Seus pés estavam descalços, roçando nus pelo assoalho, como numa dança.
Sua mente estava um turbilhão.
A cacofonia gerada pelos batimentos cardíacos do garoto lhe enlouquecia, junto de sua libido, gerada através da vivacidade expressa pelo menino.
Matthew mergulhava nos olhos da garota. Se lhe perguntassem quem era, como estava, o que pensava, ou qualquer coisa do tipo, simplesmente não saberia responder. Nada lembrava de pensamentos anteriores, apenas se deixava perder, sentindo-se agitado, de repente.
Estava tão vidrado que só percebeu a proximidade quando notou o sopro de ar em seu rosto. A garota estava tão próxima que seu nariz roçava levemente nas bochechas do menino. Sua pele era cálida, dolorida ao toque.
Seus dentes tremulavam, produzindo um som oco; Enquanto seus lábios se tocavam, fechando-se, para novamente abrir, tão lenta e levemente quanto lhe era possível, dando-lhe um efeito estarrecedor, devido ao fato da coloração dos lábios oscilarem entre cor-de-rosa e salmão, para depois se tornar vermelhos como sangue.
A respiração de Matthew cessou quando sentiu o leve toque dos cálidos lábios em seu pescoço. Dançando, compilada a respiração tão glacial que lhe parecia morna. Seus dentes afiados percorriam a pele. Os lábios continuavam com o toque, chegando ao rosto do garoto.
Seu couro cabeludo já não doía. A desconhecida se tornava mais bela a cada segundo. Seus olhos se apertavam com firmeza, tornando-os uma única linha de fios negros. Suas veias se salientavam, junto à sua pelugem.
Quanto mais calientes os toques ficavam, mais saliente se tornava seu carinho. Era-lhe dolorido o toque, pois sua pele parecia ser dilacerada, mas não se dava mais conta disso. Não conseguia se mover diante de tal acontecimento.
As mãos da garota percorriam seu couro cabeludo, massageando-o, escorregando seus longos dedos aveludados para a nuca, continuando seu percurso, até tocar seu peito.
O toque fez com que Matthew abrisse os olhos, tempo suficiente para ver os olhos azuis se tornarem tão vermelhos quanto os lábios da garota, cujos ossos se salientavam pela face.
"Adelina" – Sussurrou quando cravou as unhas na carne do garoto. A dor lhe foi tamanha, se alastrando por todo corpo, que chegou a desmaiar.
Mas continuou. Tecidos e órgãos eram retirados sem pudor algum, junto ao sangue que jorrava do menino, que permanecia vivo.
Quando o coração foi alcançado, a Bailarina deixou que longas gargalhadas deixassem sua garganta, enquanto sentia os fluidos da bondade lhe tornar outra vez poderosa.
A menina, cujos olhos flamejavam poder, notou pessoas se aproximando, em passos lentos e pesados.
Uma senhora, deduziu, devido à respiração lenta e falha, prejudicada pela necessidade de andar, rastejando-se pelo assoalho, com seus sapatos de toque macio, e sua bengala tamborilando.
Os passos da garota agora eram ligeiros, mas suas feições permaneciam macilentas, inerentes à sua origem.
Quando a senhora adentrou, enfim, o recinto, simplesmente permaneceu parada, com seus olhos entreabertos, coriscando, e mãos encrespadas sobre a bengala.
Sua pele era dotada de sulcos, com veias salientadas. Seus cabelos caíam em grandes mechas lisas e brancas como a neve, formando uma moldura em torno de seu rosto; Sua pele era banhada pelo sol, em tons variantes. Seus olhos verdes, claros e profundos demonstravam sua sabedoria infinita, tornando olhá-la abismal. Seus lábios eram grossos, com sua cor vinho natural, mas ainda assim parecia que haviam sido pintados com diligência.
"Ave rapina, condor! Maldita!" – Foram as únicas palavras sibiladas por sua voz fraca, que saía da garganta em longas golfadas de horror, compilado com medo e desdém. Adelina pulava a janela como um gato, quebrando a vidraça com anjos esculpidos com as unhas enxaguadas de sangue.
"Saia e não volte, animal maldito" – Voltou a sibilar a senhora. Seu coração batia com demasiada força, como se um pássaro voasse em seu lugar, tentando fugir alucinadamente.
Lágrimas corriam pelos sulcos de seu rosto em longas lufadas, chegando a seus lábios entreabertos que se moviam, soluçando.
"Oh, Matthew!" – Ouviu uma voz feminina gritando, horrorizada, partindo da porta que deixara entreaberta.
Só então dirigiu os olhos para o chão, enfim notando o garoto morto aos seus pés, em uma longa poça de sangue. Ainda estava quente, em sua cor rubra, lavando os pés da senhora, que chorava aos soluços, tremendo dos pés à cabeça.
A dor lhe batia na porta do coração, insistente. Há quanto tempo não se permitia o agourento sentimento?
Disso ela se lembrava com veemência, pois perpetuava na mente, onde se agarrava nas sinapses, agora debilitadas.
Ela sabia: A música voltava a ser tocada. A exérquia tomava forma, caminhando sobre o solo maculado da cidade novamente.
"O que devemos fazer, Lúcia?" – A voz que outrora gritava, falou. Agora transmitia calma, mas ainda assim permanecia embargada.
"Nada, não há nada a ser feito. Diga a alguém que venha limpar o chão e carregar o corpo. Por favor, Cecília" – Lúcia sibilou. Sua voz era calma e estridente, mas com um choro implícito.
A senhora, Cecília, cujos cabelos lisos e negros escorriam pelas costas, saiu pela porta.
Não pôde ver quando, minutos depois, Lúcia jogou a bengala na poça de sangue, fazendo com que este espirrasse.
A senhora caiu junto, se banhando. Seus sulcos a deixaram, tornando sua pele jovem; Sua visão se tornou clara, assustando-a por uma fração de segundos.
Ela estava se tornando jovem novamente, enquanto se banhava no sangue de quem realmente amara. O corpo de Matthew estava abraçado a ela, se permitindo chorar aos soluços.
Quando se levantou novamente, suas roupas estavam ensanguentadas, assim como sua face, cabelos e corpo.
O sangue todo fora sugado pela mulher. O corpo de Matthew fora levado pelo vento, como pó, se desfazendo rapidamente.
"Me leve até Adelina" – Foram as últimas palavras de Lúcia, antes de ir junto ao vento, separando todos seus átomos, para que pudesse acompanhá-lo em sua viagem.
/-Veneza/

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