Capítulo Único



Brincar de colorir




É como dizem: quando algo faz você perder parte da consciência, seus sentidos, seu senso de certo e errado, perde-se a habilidade de diferenciar que o que se sente nem sempre deve ser dito. Quando algo deixa você fazer e falar o que sempre quis, é aí que você é mais você.


~x~


- Fleur? Fleur? – seu nome soava como música. – Acorde, Fleur! Você consegue me ouvir?

Ela piscou os olhos algumas vezes deixando as imagens a preencherem como o som da voz dela fazia. As paredes do quarto tão brancas, os móveis tão pretos, tudo tão sem cor.

- Por Deus, Fleur, fale comigo! – alguém gritou dando-lhe tapinhas no rosto.

Foi aí que ela se voltou para a voz que vinha do outro lado. As imagens do quarto ainda muito confusas, distorcidas como num terremoto. Não, como um borrão de tinta preto e branco.

A voz tornara-se uma mulher sentada ao seu lado. Parecia preocupada e continuava chamando-a enquanto dava tapinhas em sua mão. Ela também estava sem cor, exceto seus cabelos e olhos. Os cabelos em um rosa quase cegante e os olhos amarelo vivos, como os de um gato, brilhavam, hipnotizavam. Era engraçado o contraste. Quase uma pintura.

- Hey! Consegue me ouvir?

- Tonks? – sussurrou de volta.

- Finalmente! – gritou aliviada. – Deus, estou aqui há cinco minutos tentando te trazer de volta à realidade. Não que eu tenha conseguido completamente, mas você ter me reconhecido já é um bom começo.

Ah, Tonks. Cada dia diferente, mas a mesma tagarela de sempre.

- Como você está? – disse franzindo o cenho.

Não que Fleur estivesse vendo-a perfeitamente, mas dentre todas as imagens, ela era a mais nítida e colorida. Ainda não entendia porque tudo estava tão morto, fora Tonks.

- Acho que tonta... Tem algo estranho...

- O que?

- Está tudo confuso, borrado, sem cor...

- Tudo o que, Fleur?

- O quarto. Vejo tudo em preto e branco. – falou olhando ao redor. – Menos você. Você é a única cor.

- Você está doente, Fleur. – informou com cautela. – Está com febre de 40,5º. Consegue entender isso?

- Sim. – respondeu num sussurro.

- Já avisei ao Gui. Ele está vindo de carro, mas me disse para chamar o Dr. Damon. Ele vai cuidar de você. – sorriu.

- Não! – rebateu segurando sua mão. - Quero você. Tonks, quero você.

Tonks a encarou alguns segundos vendo-a fechar os olhos pelo cansaço e sussurrar coisas que ela não conseguia entender. Deixou a última frase dela de lado ao lembrar-se do estágio de alucinação. A febre continuava a aumentar, o doutor não chegava e ela não sabia direito o que fazer.


~x~


- Está tão frio. – falou baixinho, se encolhendo. – Você deixou a janela aberta em pleno outono, Tonks? – perguntou ainda de olhos fechados.

- Estamos na primavera. Você está fervendo em febre e o frio é resultado dela. – comentou. – Vamos, vou te dar um banho bem frio para tentar reduzir a febre. Vamos, acorde.

- Não. – resmungou remexendo-se na cama.

Tonks puxou a coberta, jogou-a no chão e puxou Fleur pelos braços forçando-a a se levantar. Apoiou um braço dela nos ombros e caminharam a passos curtos até o banheiro.

Sentou-a na banheira e começou a tirar suas roupas com certa dificuldade. Após despi-la encheu a banheira de água fria ouvindo-a resmungar:

- Está muito frio. Não, Tonks. – e tentava agarrá-la pelos braços.

- Calma, calma. – dizia tentando soltar seus braços. – Confie em mim.

Sentiu Fleur encarar profundamente seus olhos e relaxar. Foi então que a imergiu até o pescoço.

Mergulhou as mãos na água e levou-as até o rosto da loira. Fleur fechou os olhos enquanto seu o rosto era banhado.

Encheu a mão de água de novo e passou a palma na testa dela com delicadeza. Repetiu o processo em um lado do rosto de Fleur, fazendo-a produzir algo como um suspiro. No outro lado, entretanto, a loira segurou a mão dela junto ao seu rosto e assim ficou por alguns segundos. Segundos esses em que Tonks não conseguira reagir não se sabe se pela boa sensação que a mão dela na sua provocava, ou se pela tranqüilidade que a fisionomia de Fleur transmitia.

Ajudou-a a ficar de pé após o banho para que pudesse vesti-la. O sol entrava pela fresta da janela entreaberta do banheiro iluminando o corpo pálido de Fleur. Não se pode negar que era uma bela visão, menos ainda mentir ao dizer que Tonks não a olhara de uma forma a qual deveria se recriminar depois. Deveria.


~x~


O Dr. Damon havia ligado dizendo que teria uma cirurgia de emergência para fazer. Tonks ficara preocupada. Gui ainda demoraria a vir e no meio do nada onde estavam qualquer ajuda levaria um bom tempo para chegar.


~x~


Molhava sua testa quando a ouviu rir baixinho.

- O que foi Fleur? – perguntou colocando o pano dentro da bacia cheia d’água.

A loira rira gostosamente antes de responder:

- É o outono. É a estação que mais gosto. – e sorriu a encarando. – Vem, Tonks. – estendeu-lhe a mão. – Perceba como é gostoso sentir as folhas secas se quebrando debaixo dos seus pés.

- Você está delirando Fleur. – disse num tom indiferente.

- Vem. Dá-me a sua mão. – pediu. – Vamos!

Tonks encarou o sorriso dela por uns instantes e, presa naquela visão, segurou sua mão deitando-se ao seu lado.

- Agora tire os sapatos.

- Nós estamos no seu quarto. – rebateu num tom cansado.

- Só tire os sapatos e venha comigo.

Ela respirou pesado olhando para o teto bordô enquanto empurrava os sapatos para fora dos pés. Voltou-se para a loira e fechou os olhos apertando mais a sua mão e rendendo-se àquela loucura.

- Isso! – vibrou a outra com um sorriso. – Agora venha. – e a puxou para debaixo duma árvore velha. – Sente isso?

Tonks riu:

- Faz cócegas!

- É! – concordou rindo. – Mas é gostoso. Adoro o outono. – disse fechando os olhos e respirando fundo o ar frio típico da estação.


~x~


- Para aonde estamos indo? – Tonks questionou andando ao lado dela por um campo verde.

- Não sei. – deu de ombros. – Espere. Está ouvindo isso? – questionou parando de caminhar.


- Sim. – respondeu parando na frente dela. – Parece...

- O vento. – concluiu antes dela e no segundo seguinte alçou vôo.

Seus cabelos e vestido balançavam na direção do vento, e ele começava a arrastá-la para cada vez mais alto quando Tonks começou a voar, desengonçadamente, também. As folhas secas amarronzadas, amareladas e alaranjadas faziam um anel ao redor delas numa bela sincronia, subindo e descendo. Desenhando no céu um círculo recheado pelas duas.

Mas repentinamente as folhas transformaram-se em borboletas que saíram voando pelo céu, cobrindo o azul celeste de marrom, laranja e amarelo. As duas as seguiram.

Era um contraste e tanto. O verde vivo do campo lá embaixo, algumas árvores secas, o azul do céu, o branco das poucas, porém grandes nuvens e as borboletas. Tonks e seu cabelo rosa seguindo ao lado de Fleur pareciam mais vivos dentro daquela pintura. Ela a encarou e seus olhos amarelos pareciam um par de borboletas proibidas de voar. Viu-a sorrir maravilhada. Ela também deveria estar assim. Pegou na sua mão, voltou a encarar o horizonte e a outra não recusou o toque.

Avistaram um rio logo à frente. Alguns peixes pulavam na água. Peixes de todas as cores. Algumas borboletas voaram entre eles e os peixes, ao saltarem, transformaram-se em borboletas também.

Listradas, vermelhas, azuis, pretas... E todas se uniram, colorindo o céu com todas as cores possíveis numa imagem surreal e linda.

- Nossa! – sussurrou Tonks olhando estarrecida para as borboletas que pareciam pintar quadros abstratos no ar.

Fleur apertou forte sua mão fazendo a outra encará-la. Foi só aí que ela percebeu como estavam próximas. Suas mãos coladas, os braços se roçando, as cores de seus cabelos se misturando por causa do vento forte e o vestido dela roçando nas suas pernas.

- Sente isso também? – questionou a loira séria. Mais séria do que Tonks já a havia visto antes.

- O que? – perguntou.

- Isso. – disse pegando a outra mão dela e a apoiando sobre seu peito esquerdo.

Tonks sentiu as batidas aceleradas do coração de Fleur e estreitou os olhos ao encará-la sem entender.

- É você. – sussurrou fazendo Tonks retirar a própria mão. – Sempre mexeu comigo, Tonks. Só nunca tive coragem de dizer isso.

- Não, Fleur. – dizia num tom compreensivo. – Estamos no meio de um delírio, que eu não sei mais se é seu ou meu, – e rolou os olhos nervosa. – e é por isso que você está dizendo essas coisas. – e desgrudou suas mãos.

- Não! – exclamou enquanto a outra tentava se afastar, mas era impedida pelas borboletas que as cercavam de todos os lados. – Aqui eu me sinto segura. Aqui eu sou diferente. – Tonks tentava afastar as borboletas buscando passagem, atordoada. – Por sua causa. Não estou delirando e você sabe disso. Sabe que não estou mentindo, não sabe Tonks? – e a encarou fixamente.

Tonks parou permitindo que algumas borboletas, assustadas com os tapas que ela dava antes no ar, passassem pela sua frente em alta velocidade, deixando que visse apenas partes de Fleur, nunca seu corpo todo. Mas era o suficiente para ela perceber a loira se aproximar. Seu coração saltitava. Sim, ela sentia que Fleur estava sendo sincera e odiou isso apenas pelos segundos que demorou até a loira pegar sua mão delicadamente e invadir o espaço das borboletas primeiro com o nariz, depois os lábios, olhos e por fim o corpo todo.

Tonks levou sua mão até o rosto dela, afagando-o. Seus cabelos estavam soltos e era a primeira vez que os via assim. Admitiu pra si mesma que ela ficava particularmente mais bela desse jeito. Fleur aproximou o rosto e a beijou grudando ambos os corpos que continuavam no ar cercados por todas as cores, mas que agora formavam uma única pintura.

As unhas dela subiram pelo pescoço de Tonks fazendo-a se arrepiar. Os abraços tornaram-se desesperados, bem como a necessidade de sentir o beijo dela. Seria talvez a única vez. A única verdadeira vez que se deixariam levar pelo coração e não pelo bom senso. Então se permitiram beijar e serem beijadas, tocar e sentir, provocar, apertar, morder e até machucar. Que marcas fossem deixadas. Seria a lembrança mais concreta delas depois.

- Tonks? – ouviu alguém a chamar. – Tonks, onde você está?

- Gui! – exclamou pra si mesma e soltou-se de Fleur abrindo os olhos e voltando a realidade.

O peito arfante, os braços ainda ao redor dela, os lábios roçando nos dela e as marcas das mordidas na pele alva de Fleur.

Levantou-se de súbito e logo depois Gui adentrou pelo quarto esbaforido.

- Finalmente te achei! – exclamou aliviado. – Como ela está? – perguntou indo até a beirada da cama e alisando os cabelos da esposa.

- Hum... Delirando. – disse.

- Pegue as coisas dela. Vou carregá-la até o carro. – informou ajoelhando-se na cama.

- Certo. – falou ainda atordoada.


~x~


Somente a família Weasley já ocupava boa parte do saguão do hospital. Todos inquietos, especialmente a mãe de Gui. Andavam para lá e para cá, falavam, importunavam os médicos e enfermeiros de minuto em minuto ou provocavam uns aos outros - passatempo preferido dos gêmeos. Tonks era a única que destoava ali. Cabelos rosa e não ruivos - como os Weasleys -, estava quieta, sentada numa cadeira a um canto com a sola de um dos pés na mesma, um braço envolvendo a perna e o queixo apoiado no joelho. Ela fugia os olhos do tumulto causado pelos ruivos detendo-se apenas à cabeça de um deles: Gui.

Viu-o chegar meio perdido, falando rapidamente com todos enquanto os olhos a procuravam. Encolheu-se mais. Não queria Remo ali, mas ele a achou no canto do saguão e se aproximou, sentando-se na cadeira ao seu lado.

Afagou seus cabelos beijando-lhe a face e começou a dizer algo como um pedido de desculpas pela demora e outras coisas as quais ela não ouviu, pois detinha os olhos em Gui, que falava com um médico agora.

- Hum... – ela concordou ainda sem nada escutar. Apenas para fingir estar ouvindo.

Ergueu a cabeça e se endireitou na cadeira ao ver Gui vindo em sua direção. Remo parou de falar ao notá-lo.

- Como ela está? – Lupin perguntou.

- Dormindo. – respondeu sério e aparentemente abatido. - Os médicos a medicaram porque as alucinações estavam mais intensas. Fleur gritava, se mexia na cama, não parava, então acharam melhor lhe dar um sedativo.

- E adiantou?

- Não completamente. – lamentou. – Ela continua inquieta. Está bem menos agitada, é verdade, mas ainda sussurra coisas dormindo e os médicos acham que seu sono está um pouco perturbado.

- E eles entendem algo do que ela diz? – questionou franzindo o cenho.

-Tonks. – disse voltando seus olhos pra ela. – Ela fica repetindo o seu nome.

Teve vontade de sorrir, mas não precisou. Seus olhos fizeram o papel dos lábios.


~x~


Foi ao hospital todos os dias em que Fleur permaneceu lá em tratamento. Sentava ao lado de sua cama e segurava sua mão por alguns minutos até Gui chegar do trabalho. Aí ela ia embora.

Depois de alguns dias chegou ao hospital e passou na recepção como de costume. A recepcionista a informou que Fleur havia recebido alta naquela manhã e que alguns Weasleys já a estavam levando para casa.

Apressou o passo e, ao chegar ao quarto dela, abriu a porta vendo Gui, Sr e Srª Weasley e ela. A loira virou-se e ambas se encararam por alguns segundos, um sorriso brotando nos lábios de Tonks. Seu coração batia forte. Ela ainda tinha esperanças.

Viu-a se aproximar sem pressa e meio hesitante e abraçá-la sem vontade. A outra agarrou suas costas em um ato desesperado e aliviado. Ela estava bem. Sentiu a respiração dela em seu pescoço o que lhe causou um arrepio.

- Obrigada. – disse Fleur num sussurro quase inaudível e se afastou.

Obrigada? Só um “obrigada” depois de tudo? Depois de ela ter entrado naquela loucura e ter descoberto que todas as brigas e implicâncias eram porque se gostavam! Depois dela não conseguir pensar em mais nada a não ser Fleur e desejar com todas as forças que ela voltasse logo! Depois...

Seu rosto estava inexpressivo. Deu alguns passos para trás enquanto a outra pegava uma bolsa e sorria ao passo que Molly falava. Passaram pela porta e a loira esbarrou-se nela, que ainda permanecia lá parada, mas continuou a conversar como se nada tivesse acontecido. Artur saiu logo atrás deixando Gui a encarar Tonks.

- Os médicos disseram que por causa dos medicamentos ela não se lembraria de nada do que aconteceu, as alucinações, nada. – contou dando alguns passos até ela. – Tivemos que explicar que você ficou ao lado dela durante algumas horas, por isso a perdoe caso ela não retribua o imenso favor que você nos fez. De qualquer forma, muito obrigado Tonks. – abraçou uma Tonks ainda estática, e sorriu saindo do quarto.

Encostou-se na porta após ele ter saído e ficou assim alguns segundos. Tantas coisas na cabeça ao mesmo tempo... Saiu do quarto de supetão e caminhou apressadamente até o saguão onde os Weasleys estavam. Parou a um metro deles e abriu a boca. Diria tudo a eles e eles acreditariam. Ela ainda podia ver uma marca avermelhada no pescoço alvo de Fleur. Diria o que aconteceu e aí Fleur não teria coragem de dizer que apesar de não se lembrar de nada não sentia o que sentia por ela.

Mas sua boca se fechou ao vê-la rir tão gostosamente enquanto Gui dizia algo em seu ouvido. Valia à pena estragar a vida e a felicidade garantida que ela tinha com ele? Seria assim tão egoísta?

- Que há? – a loira disse ao notá-la. – Está espantada com o que?

- Nada, não é nada. – gaguejou um pouco.

Viu-a virar os olhos entediada e continuaram a seguir pelo saguão até a saída.

- Você vem ou não? – indagou Fleur para Tonks num tom cansado, quase do lado de fora do hospital.

A jovem acenou rapidamente para a recepcionista e os seguiu correndo e quase se esbarrando em um senhor que entrava.

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Comentários (3)

  • velasflutuantes

    Meu Merlin! Uma das fics mais perfeitas que eu li! Amei muito, tipo, muito MESMO! Nossa, ela é perfeita, indescritível, e o final é triste, e é disse que eu goste, hehe. Nossa, amei muito muito mesmo. Perfeita

    2011-10-29
  • Bruna Behrens

    Meu foco mesmo é o ff.net, mas lá também não tenho muitos comentários. Postei algumas fics aqui tem poucos dias. Que bom que gostou. Obg pelo coment. ;D

    2011-10-27
  • Lai Prince Slytherin

    que fic mais... colorida *o* AEHUAEHUAEHAEU muito linda a parte do beijo, todas aquelas borboletas, parecendo um quadro mesmo. e tadinha da Tonks, ficou pensando na Fleur e ela nem deu bola no final, esqueceu toda aquela cena linda e colorida :// você já postava fanfic em outro site né? porq todas suas fics aqui tem poucos leitores e visualizações... merece bem mais, escreve muito bem *-*

    2011-10-27
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