Capítulo Único



Análise do amor


 **

Hermione Granger era sensata.
Não, não só isso. Ela era sensata e politicamente correta. Era delicada e feroz. Era inteligente e compassiva.
Nenhuma novidade.
A novidade talvez se restringisse ao fato de aos 22 anos, solteira e com uma carreira promissora à frente, ela jogar tudo para o alto, e fugir.


Mas esse não é o começo.
Talvez tenha começado com seu fracassado namoro com Ron Weasley. Não que não houvesse paixão, porque havia, e muita. Mas faltaram os elementos básicos para transformá-la em amor, e após três anos juntos, eles se separaram. Foi uma separação pacífica, quase gradativa, que culminou no mínimo possível de ressentimentos. Mas apesar de tudo, ela não foi capaz de engajar-se num novo relacionamento. Talvez esse tenha sido o começo. Ou talvez tudo começou naquela fatídica briga com Gina, que deixou cicatrizes demais para uma reconciliação completa.
O fato é que depois de um tempo, ou melhor, com o tempo, ela mudou. Havia um resquício de mágoa permanentemente refletido em seus olhos, e os suspiros imergiam por entre o silêncio, perturbando minha paz. Eu queria fingir que não via, queria ser como os outros, cuja distância favorecia a ignorância, mas eu estava ali, na mesa ao lado. Via-a sumir por entre pilhas de pergaminho, roer as unhas enquanto contava azulejos, prender o cabelo com a pena e depois procurá-la como louca. Enfim, eu estive o tempo todo ali. E talvez esse fosse o verdadeiro começo.


 **

27 de Abril, 12h50


- Que tal sairmos dez minutos mais cedo hoje?

Hermione escrevia rapidamente sobre um pergaminho, e pareceu assustar-se com minha pergunta.


- Dez minutos? Nem vi o tempo passar.


- Você não desgrudou os olhos dessas folhas desde que chegamos! _ reclamei. Ela estava meio obsessiva com aqueles documentos, que eu sequer sabia do que se tratava.


- Muito trabalho Harry. – respondeu-me enquanto esfregava os olhos sem maquiagem. Juntei minha própria papelada sobre uma pilha e larguei-a no canto da mesa. – Então, vamos?


Hermione puxou a saia numa vã tentativa de desamassá-la, colocou seus documentos numa pasta negra, e trancou-a em sua gaveta particular.
Com isso, saímos para o almoço.
Todos os dias, almoçávamos juntos no Camélia, um  singelo restaurante que parecia ser construído entre os espaços de um jardim. Era simples, pequeno e tranqüilo, e o melhor, ficava apenas a duas quadras de distância do Ministério.
Caminhamos em silêncio, eu dosava as passadas para que ela pudesse me acompanhar. Recentemente Hermione adotara um jeito vagaroso de andar, como se não houvesse energia suficiente em suas pernas. Eu estava profundamente preocupado com tudo aquilo, mas não sabia o que fazer, não sabia me expressar.
Nosso lugar no restaurante era o Espaço Margarida, que Hermione mesmo escolhera, nos dias em que ainda fazia questão de alguma coisa.
Sentamo-nos e eu fiquei a observá-la. Ainda estava em silêncio, os olhos meio mortos, marcados por profundas olheiras.


- O que está acontecendo? – perguntei.


Ela piscou algumas vezes e voltou-se para mim.


- O que?


- O que está acontecendo? – repeti.


- Olha só Harry... É muito trabalho. Eu estou cansada, você não?


Meu coração afundou mais alguns metros na lama do medo e da insegurança. Alguma coisa estava muito errada, mas tudo que eu disse foi: - Claro.


Entre uma garfada e outra, falamos sobre amenidades, elas às vezes parecia fugir, incrustar-se novamente em sua concha impenetrável.
Quando voltamos ao serviço, eu chafurdava em hipóteses e teorias que não tinha coragem de perguntar se eram verdadeiras. Eu era um covarde.


**


27 de Abril, 22h19


Eu estava deitado sobre o sofá, o som tocava uma música que eu não conhecia, e a única luz presente era a que penetrava pelas janelas abertas.
A campinha tocou.
Levantei-me num pulo, e corri para atendê-la. Na porta, Hermione usava um leve casaco vermelho, estava magra e descabelada.
Afastei-me para que ela pudesse entrar.


- Aconteceu alguma coisa?
Ela estava parada de costas para mim, arfava levemente.
Eu fechei a porta, e a toquei no ombro.


- O que aconteceu? -  perguntei dessa vez. Era óbvio que algo acontecera.


Ela olhou-me meio confusa, abriu a boca algumas vezes, mas nada falou. Por fim, num gesto surpreendente, pulo em meus braços e me abraçou.


- Há algo que eu preciso te contar. – disse finalmente.


Com a mão em suas costas, conduzi-a para o sofá, sentamo-nos, e eu esperei que ela começasse.


- Harry, eu vou embora.


Acho que não entendi de imediato. As palavras entraram em meus ouvidos mas meu cérebro perdeu-se no som de sua voz.


Ela disse novamente. – Eu vou embora.


- Você acabou de chegar. – pronunciei após um longo silêncio.


Ela sorriu de leve e abaixou a cabeça.


- Há muito eu venho pensando nisso, e agora, finalmente tomei coragem. Não há o que fazer aqui, e sinceramente, eu não sinto que me encaixo em lugar nenhum.


Eu fiquei confuso. Olhei para ela, ouvi seu suspiro, senti suas mãos frias sobre minha perna. Não se parecia com a verdade, não tinha sequer o cheiro.


- Por quê? - eu perguntei simplesmente.


- Eu acabei de dizer...


- A mentira. Foi isso que você acabou de dizer.


Ela afastou suas mãos de mim e eu vi, mais uma vez, a mágoa e a tristeza resplandecerem em seus olhos.


- Você acha que eu mereço isso? – perguntou-me, a voz soando embargada. – Não foi isso que eu sonhei. Sinto-me velha, frustrada e sozinha. Você não acha que eu mereço mais?


Àquelas palavras atingiram-me profundamente. Eu nunca soube que ela sentia-se assim.


- Por que você nunca me disse nada? Eu teria te ajudado...


- Harry, não há e nunca houve nada que você pudesse fazer por mim. Você simplesmente não pode salvar a todos. Entenda, não se trata de você.


Ela me feriu mais uma vez. Eu fechei os olhos e deixei a escuridão me consumir. Nem sempre foi assim.


**


Um ano antes


Hermione estava completamente bêbada, e eu ria de seu enorme esforço para manter-se sobre os saltos.


- Acho melhor aparatarmos. – falei. Ela virou-se rapidamente, perdendo o equilíbrio por um instante, no que eu segurei-a pelos braços.


- Você está certo, mais uma vez. – Ela cheirava a whisky e Dolce & Gabbana.
Eu a abracei e aparatamos em minha casa. Os móveis estavam afastados, porque mais cedo naquele dia eu tentara inutilmente pintar as paredes sem usar magia. Hermione socorreu-me a tempo, mas a bagunça ainda estava armada.


Caímos sobre uma poltrona e eu me afastei para sentar na poltrona ao lado.


- Você não deveria beber tanto. – pontuei enquanto tirava os sapatos. Ela chutava seus saltos para longe e resmungava ao som da minha voz.


- Eu estou quebrada Harry, entenda.

Levantei e tirei a camisa de dentro da calça, ela estava largada, o vestido sujo na barra, e ainda assim, achei-a linda.


- Não entendo. Achei que você já tivesse superado o fim do seu namo...


- A gente nunca supera a falta de amor. – Cortou-me antes que eu terminasse a frase.


- Não pode ter sido tão ruim...


- E não foi. – Ela abriu os olhos e me olhou. – O sexo sempre fora ótimo.


Eu ri sem jeito.


- Mas nem tudo é só sexo Harry.


- Então o que foi ruim?


Ela jogou os cabelos para o lado distraidamente e por instante pareceu sair daquela sala. 

- Ruim é após três anos de namoro, 47 buquês de rosa, e incontáveis noites juntos, eu não saber reconhecer o amor.


Eu não entendi. Sentei-me novamente e tentei pensar no que ela disse. Mas não entendi. Acho que ela percebeu, porque suspirou longa e sofregamente. De repente, levantou, debruçou-se sobre mim e segurando carinhosamente meu rosto, juntou seus lábios aos meus.
Após, com a voz ainda torpe pela embriaguez disse:


- Vou para sua cama. Você dorme no sofá.


Eu fiquei lá, sentando, ainda sem entender o que ela dizia muito menos o que fazia.
Já no fim do corredor, ela virou-se e falou:


- Você ainda é o mais perto que eu já cheguei do amor. – Fechou a porta do quarto e sumiu.


**


De volta à realidade, Hermione ainda estava sentada no meu sofá, apertando as mãos e comprimindo os lábios.
Abri meus olhos e contemplei o escuro da casa. Mal podia vê-la ao meu lado.


- Eu sou o que você tem de mais próximo ao amor. – sussurrei. Ela emitiu um ruído assustado e virou-se para mim.


- É verdade.
Então, consciente finalmente da minha posição, passei os braços sobre os ombros dela e a abracei. Hermione recostou-se calmamente sobre meu peito.


- Por que você não vem comigo? – perguntou-me. Eu deslizei os dedos pelos cachos soltos e um pouco murchos. Amava-a.


- Porque se eu for, você não terá para onde voltar.


Suspirando novamente, ela afundou o rosto em mim. O silêncio, o escuro, pareciam compactuar com àquele momento, que no futuro, eu jamais saberia explicar.


- Eu vou voltar para você Harry.


A voz dela era rouca e um pouco falha. Eu a beijei no topo da cabeça e aspirei seu suave perfume. Deixei o silêncio inundar minha alma, e em meu ultimo gesto de menino, falei:


- E eu estarei aqui, esperando você.


** 


N/A: Obrigado aos que lerem a fic. Ela é um rompante de uma tarde quente de Março e é também meu singelo e indecifrável protesto aos que esqueceram o que realmente é amor. Espero que gostem ou que pelo menos ela sirva em seu objetivo de “passar o tempo.”
Sempre com carinho, Nina.

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