Único



Não havia nada. A casa estava completamente destruída, o que sobrara, eram algumas paredes que permaneciam em pé e alguns móveis. Estava silencioso, não havia ninguém ali. Ninguém. Nem uma alma viva. O garoto já havia sido levado.



Subiu a escada, esperou, queria ver se não havia alguém. Escutou. Silêncio. Prosseguiu com sua marcha lenta e silenciosa, seu coração batia freneticamente, como um beija-flor. Estava com medo do que encontraria.



 O nível superior estava visivelmente destruído. Não sobrara nada. Mas havia algo ali que chamou sua atenção, em meio a aqueles escombros havia algo que não fora destruído. Um berço azul.  Estava perfeitamente inteiro como se nunca tivesse visto o pior. Seu medo se acelerou. Ele se aproximou do berço. Seu medo de encontrar aquela que tanto amava caída era muito grande. Mas não havia nada ali, a não ser o berço.



Apoiou-se na grade. Um lenço azul claro com pequenos bruxinhos voando em vassouras estava jogado de qualquer forma em cima do colchãozinho. Seus dedos tremiam. Pegou o lenço cuidadosamente, segurando firme entre seus dedos. Algo caiu dele. Um pequeno pedaço de pergaminho, perfeitamente dobrado, jazia em seus pés. Deixou o lenço dentro do berço, e se abaixou para pega-lo. Sentiu um calor entre os dedos. O medo dominava seu coração. Por mais que estivesse curioso, estava com medo de abrir aquele papel. Respirou três vezes e o abriu.


Querido Severo,


Sei que tanto já se passou, e depois de tantos acontecimentos não tenho mais a devida intimidade para lhe chamar de Sev. Cada um de nós seguiu caminhos completamente diferentes e opostos. E isso nos separou. Sua tendência para o lado das Trevas sempre me apavorou. Mas isso era uma questão sua. E o que eu poderia dizer sobre isso?


Sento-me nesta escrivaninha, e algo me manda pegar um pergaminho e escrever para você. Não sei nem porque estou lhe escrevendo isso. E nem sei como lhe entregarei isso. Mas penso que chegou a hora de lhe dizer: Não tenho raiva de você Severo, você foi um grade amigo. Você me chamou de sangue-ruim, sei que é um comentário péssimo para se fazer a alguém, mas nossa amizade ia muito alem de sangue-puro ou mestiço. Meu sentimento por você era e é verdadeiramente puro.


Sua escolha, que seja certa ou errada, não formará seu caráter, porque eu sei que você é uma pessoa pura, de bom coração e inteligente. Você sofreu sua vida inteira, e procurar um meio de se vingar disso não irá lhe ajudar em nada.


Talvez você nem esteja mais lendo essa carta – talvez você tenha jogado-a fora, queimado na lareira ou, quem sabe, guardado em uma gaveta para ter outra oportunidade de ler. Ou, quem sabe, está ainda segurando este pergaminho, lendo essas palavras que fluem pela minha cabeça e eu apenas passo para o papel. Se ainda estiver lendo, peço-lhe humildemente que se decida se irá ler até o final ou parar agora mesmo. Se começar a ler, termine, por favor. Ou então, nem comece. Se não quiser, não leia, jogue fora a carta, esqueça-a e continue sua vida. Finja que nunca leu isso. Ou melhor, acredite que nunca leu. Que essa carta nunca chegou às suas mãos.


Sei que estou lutando contra aquele que você venera, mas nunca Severo, NUNCA  lutarei contra você e contra seus sentimentos. Porque eu te amo Severo, como amigo, como irmão. Esperei por todos esses anos que você aparecesse em minha porta, sei que você não gosta e nem nunca gostará de Tiago, mas sei que você gosta de mim. E estarei te esperando onde quer que eu esteja. Eu te perdoo Severo, só quero que você saiba disso, por todas as escolhas erradas que você fez ou irá fazer. Você com certeza teve um motivo para fazê-lo. O seu arrependimento é o princípio do perdão divino. E não importa Severo quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso.


E tudo que eu te peço é que se algo acontecer a mim e a Tiago, quero que cuide de Harry, ele pode ser muito parecido fisicamente com Tiago, mas lhe garanto ele tem mais de mim do que dele. Quero que cuide dele. Não deixe que nada lhe aconteça.


Obrigada Severo por tudo.


Afetuosamente,


Lilian Potter ou se preferir Lilian Evans.


Um homem pálido, com longos cabelos negros e oleosos, nariz de gancho e pele macilenta caiu descuidadamente sobre os escombros. Releu a carta várias vezes. Ela escreveu aquilo enquanto estava sendo perseguida por Voldemort, poderia até ter escrito hoje. Será que sabia o que iria lhe acontecer? Será que sabia que o culpado daquilo tudo era ele?


Como seu único pedido, queria que ele cuidasse do garoto. E iria fazer. Por mais que isso pudesse lhe doer, ele iria fazer pela alma de Lilian.


Pela primeira vez em anos ele chorava. Chorava de ódio de si mesmo, chorava pela perda da amada, chorava pelo perdão dela. Ela era boa de mais. E ele tinha certeza de que ela sabia, sabia que ele era o culpado de tudo aquilo. E isso lhe doía, mas do que qualquer coisa.


Ele se levantou. Guardou a carta sob as vestes. Sentindo o papel grosso sobre o peito. Ela estaria esperando ele onde quer que esteja. Cuidaria da criança, e quando tivesse certeza que sua missão terminar, ele não ficaria com medo de morrer. Porque finalmente ele poderia encontrar aquela que ele amava. Aquela que fazia seu coração continuar batendo.


 

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