Capítulo IV



Malfoy me jogou num sofá velho e meus olhos doeram com a claridade repentina, no momento em que ele tirou o pano de mim.


 


-Finite Incantatem


 


Sabe a sensação de quando você está na missa, ajoelhada ao maior tempão e aí se levanta? Então, foi isso que eu senti. Mas foi uma sensação boa depois de todo aquele tempo petrificada. Meus olhos estavam lacrimejando, mais pelo tempo em que ficaram abertos do que por qualquer outra coisa. Me virei para encará-lo, mas ele já estava de costas pra mim, trancando as portas e janelas magicamente, além de estar protegendo a casa com alguns feitiços.


 


-O que você pretende fazer comigo, Malfoy? – não foi uma surpresa perceber que minha voz falhou de tanto ódio.


 


-Eu não sei, Granger, mas você não vai embora.


 


-Você acha mesmo que vai conseguir me deixar presa aqui? Se você quiser matar Voldemort vai ter que sair de casa, e além disso, não vai conseguir nada sozinho.


 


-Eu tenho certeza de que pensarei em alguma coisa. – Ele simplesmente saiu da sala, me deixando ali sozinha. Eu fui atrás dele, afinal ainda tinha muita coisa entalada na minha garganta.


 


-Você não pode fazer isso comigo! Não seja mais covarde do que você já demonstrou ser, Malfoy. Me dê a minha varinha e duele comigo então!


 


Ao ouvir essas palavras ele se virou, rindo. Rindo de mim!


 


-Eu não quero matar mais ninguém, a não ser comensais e o Lorde das Trevas, Granger. Então entenda de uma vez, não adianta nada, você não vai sair daqui.


 


Me virei, procurando qualquer coisa que pudesse tacar naquela cabeça idiota e extremamente loira. Mas nesse momento, me lembrei de uma coisa. Uma coisa muito importante e que com certeza faria o Malfoy pensar novamente em me manter aqui.


 


-Bom, tem uma coisa que eu ainda não te contei, Malfoy. A Ordem sabe onde eu estou, e se eu não voltar em cinco dias, eles virão me procurar. E aí te encontrarão e você nem terá tempo de se explicar. Se eu fosse você me deixaria ir agora, e eu não voltaria aqui com eles, eu não diria que você está aqui. É melhor do que se todos eles te encontrassem, não?


 


As minhas palavras realmente tiveram o efeito que eu queria: ele ficou imóvel por um momento, e quando ele se virou, pude ver a sombra de dúvida passar muito rapidamente por seus olhos, antes que ele dissesse, sem muita segurança:


 


-Você está blefando.


 


-Não, eu não estou. Se quiser, espere pra ver.


 


-Então darei um jeito. Agora. – Seus olhos brilharam e eu percebi que, pro meu azar, ele tivera uma ideia. Só espero que ela não envolva a minha morte.


 


Ele andou rápido em direção à um cômodo e desapareceu por lá. Não vou mentir, meu coração tá batendo muito forte, vai que ele volta com uma faca. Mas ele tem uma varinha, pra que ele quer uma faca?


 


No meio dos meus devaneios, ele voltou, com um pergaminho, uma pena e um pouco de tinta e os colocou numa pequena mesinha de centro. Ele olhou pra mim, como que esperando algo. É claro que eu entendi o que ele queria, mas não, de jeito nenhum eu faria. Estou tendo a minha chance de ouro, e não vou correr o risco de perdê-la. Eu é que deveria estar encurralando ele agora, deixando como única opção me libertar, e não o contrário!


 


-Não vai dar certo, Malfoy. Você acha mesmo que eles vão acreditar e que por nenhum momento vão pensar que é forjada, ou que me forçaram a escrevê-la?


 


Pude perceber pela cara dele que eu estava certa. Vai, seu idiota, perceba que não tem jeito e me deixa ir! Ele bufou uma vez e olhou para o teto pensativo.


 


-Então, eu pensarei em alguma coisa. Cinco dias é tempo suficiente.


 


Ele saiu da sala mais uma vez, me deixando completamente frustrada. Não sobreviverei um dia na mesma casa que esse assassino, quanto mais cinco!


 


Quando ouvi seus passos entrando na sala mais uma vez, sequer levantei os olhos. Nem isso eu gastaria com ele. Mas então ouvi sua voz, e não pude deixar de me surpreender com o tom. Era tão... parecia tão... sofrido!


 


-Eu não vou te pedir para acreditar em mim, entender ou aceitar o que eu fiz, Granger. Se eu pudesse voltar no tempo, nunca teria feito o que eu fiz. E se eu pudesse escolher nunca teria te trazido pra cá, com certeza. Mas eu não posso mudar o que aconteceu, nada, então vamos fazer isso ser o mais fácil possível. Só finja que eu não estou aqui, e eu fingirei que você não está aqui.


 


Por alguns segundos eu fiquei sem fala, tentando absorver aquelas palavras.


 


-O mais fácil é você me deixar ir.


 


-Desisto, Granger. Eu já disse uma vez, disse outra, e não vou mais gastar meu tempo com você. O banheiro é ali – ele apontou para uma porta fechada – e a cozinha é lá.


 


E sem mais ele se trancou onde eu suponha ser um quarto. E eu fiquei sozinha ali, no sofá velho e duro, tentando entender tudo que tinha acontecido hoje. Ele assumiu ter matado minha mãe, e todas aquelas pessoas. Mas o motivo que ele alegou... até eu, odeio admitir, pensaria duas vezes antes de negar as ordens de Voldemort, sendo que minha família estaria em risco. Mas negaria, não é? Afinal ele matou dezenas ou até centenas de vida pra salvar duas. Vale a pena? E eu não posso mentir dizendo que não senti uma leve pontada de pena. Não por ele, é claro, mas pelos seus pais... Ele morreram, mesmo depois do Malfoy ter feito todas aquelas coisas horríveis, pensando inutilmente que adiantaria de algo.


 


Também, como ele pôde ser burro pra acreditar em Voldemort? ‘Se ponha no lugar dele, Hermione. Ele devia estar apavorado!’ Não! Ele não merece sequer que eu sinta pena dele! Além do mais eu não tenho nenhuma certeza de que ele está dizendo a verdade. Ele pode simplesmente estar mentindo para que eu não o matasse naquela hora. Ele pode estar me mantendo aqui para se divertir um pouco e depois me matar, ou então me levar para Voldemort! Esse pensamento me fez sentir um arrepio.


 


Me deitei, tentando tirar tudo aquilo da minha cabeça. Eu tinha vindo pra cá na tentativa inútil de me distrair, e olha o que acontece! Merlin me odeia, de verdade! E o pior é que, por mais que eu tente, não consigo tirar as palavras do Malfoy da minha cabeça. Se ele estivesse só atuando, o que é muito provável, tenho que dizer que ele é um ótimo ator. Já era de se esperar, sendo da Sonserina. Antes que desse por mim, estava adormecendo.


 


Acordei menos de duas horas depois, com os passos do Malfoy pela sala. Ele estava revisando alguns pergaminhos com olhos apertados, algumas rugas na testa. Uma das coisas que eu sempre tive que trabalhar foi saber me manter calada por muito tempo. Admito, é uma fraqueza minha! Mas acontece que falar é a única coisa que pode manter a minha sanidade durante esse tempo aprisionada.


 


-O que você está fazendo?


 


Ele parou de andar, e pude perceber que eu tinha atrapalhado alguma linha de raciocínio ali.


 


-Achei que tínhamos um trato, Granger.


 


-Então acho que você se enganou, Malfoy. Eu estou presa aqui, qual o mal em me falar o que você está fazendo?


 


Ele bufou, ainda me olhando com uma cara irritante de confusão.


 


-Estou analisando alguns mapas e uns planos que eu já fiz.


 


-Pra encontrar Voldemort? – não pude esconder o ceticismo na minha voz.


 


-É.


 


-Eu não acredito.


 


-Eu não te perguntei nada. E não me importo se você acredita ou não.


 


-Você já parou pra pensar nas conseqüências do que você fez? – Lá estava eu, batendo naquela tecla novamente. O olhar ameaçador que ele me mandou não teve efeito sobre mim. Já que eu estava ali, decidi que faria do melhor jeito pra mim.


 


-Eu já disse várias vezes, vezes demais, Granger! Eu não quero falar sobre esse assunto, ent...


 


-Mas eu quero! Eu tenho esse direito!


 


-Eu sei que foi errado, eu sei que nunca vou me perdoar por causa disso! Mas eu não posso mudar o passado, Granger! Eu já decidi o que fazer agora, e eu vou fazer!


 


-Mas é esse passado maldito que vai me assombrar pra sempre! E é tudo sua culpa!


 


-Será que vo... – ele parou de imediato, me olhando com interesse. Percebi que estava em pé, e que no calor da discussão, lágrimas já enchiam os meus olhos. – O que você disse?


 


-Que é tudo, tudo sua culpa.


 


-Não, antes. Que isso vai te assombrar...


 


Me sentei, e pensei se não valeria a pena dizer pra ele sobre a minha mãe. Quem sabe aquilo o fizesse se sentir menor, ainda mais covarde. Ou talvez aquilo só o fizesse se sentir vitorioso: descobrir que machucara a sangue-ruim da Granger de um jeito irreversível poderia deixá-lo minimamente satisfeito. Mas antes que eu conseguisse controlar, as palavras jorraram de minha boca:


 


-Você sabe quem eram aquelas pessoas que você matou?


 


Pude ver que a minha pergunta o pegou desprevenido. Provavelmente ele não se deu ao trabalho de saber muito sobre o evento em que ele “trabalharia”.


 


-Eram trouxas.


 


-Isso é tudo que você sabe?


 


-Eu precisava organizar um assassinato em massa, não um estudo de eventos trouxas! – enquanto ele mexia nervosamente em seu cabelo, pela primeira vez ele me pareceu cansado. Não só fisicamente, mas mental e espiritualmente. – Eu sei que era um encontro de trouxas para discutir assuntos internacionais, mundiais.  


 


-Certo. Muitos políticos foram, mas a maioria das pessoas ali eram civis engajados, que trabalhavam em Ong’s e... Minha mãe estava lá.


 


Eu já havia decidido que não mostraria um segundo de fraqueza na frente desse Comensal. Mas admito que não pensei que pudesse ser tão difícil segurar as lágrimas. Me forcei a levantar a minha cabeça, tentando encarar Malfoy com um olhar de ódio, mas quando focalizei seus olhos, fiquei confusa: ele parecia genuinamente incomodado com aquilo.


 


-Eu não sabia. Eu sinto muito por isso, Granger. Eu nunca quis acabar com famílias desse jeito.


 


-Você é... é difícil saber o que você realmente pensa, Malfoy. Você não é nem um pouco transparente.


 


Um sorriso de canto apareceu em seu rosto brevemente.


 


-Isso é uma habilidade que precisamos ter sendo Comensais.


 


Ele se sentou em uma cadeira encostada na parede oposta ao sofá onde em me encontrava, ainda segurando aqueles papéis e mapas.


 


-Bom, então eu acho que você entende pelo menos um pouco como eu me sinto. E é por isso que eu estou me rebaixando ao nível de te pedir, Granger, que facilite as coisas. Me deixe organizar meus planos para matar Voldemort e acabar com tudo isso de uma vez. Depois disso, você pode me matar. Eu não terei mais motivos pra viver mesmo.


 


O modo casual e resignado com o qual ele falou essa última frase, balançando os ombros, me deixou meio impactada. Ele não ligava que eu estivesse ali doida para matá-lo? Ele realmente deixou o caminho livre para me vingar depois que ele tivesse tentado matar Voldemort? Parecia que ele realmente estava arrependido por tudo que ele tinha feito.


 


-Então, temos um trato?


 


-Eu não vou atrapalhar. Mas eu quero ajudar. Nos seus planos.


 


Ele levantou uma sobrancelha, meio desconfiado.


 


-Eu sei de coisas que você pode não saber. – Tudo bem que era mentira, porque não me falaram nada de novo ou surpreendente na Ordem, mas se isso pode convencê-lo a me deixar ajudá-lo... Vai que ele tem informações importantes, quando eu voltar para casa, eu posso ajudar.


 


-Pode ser Granger. Mas não hoje. Está anoitecendo, e eu vou dormir.


 


-Já? Sem comer nada?


 


-Eu não costumo jantar. Mas você já sabe onde a cozinha fica, pode ficar a vontade. Eu vou trazer um lençol e um travesseiro para você.


 


Enquanto meu olhar acompanhava Malfoy sair da sala, minha cabeça latejava de tantas dúvidas. Talvez, só talvez, ele estivesse dizendo a verdade. E se assim fosse, ele poderia até ser útil à Ordem. Essa poderia ser, também, a minha chave para fugir daqui: se eu conseguisse convencê-lo a se juntar à nós... Seria útil e eu ainda poderia me vingar, no futuro.


 


Mal percebi quando ele voltou e deixou a roupa de cama (no caso, pro sofá) ao meus pés, e nem vi as horas passando quando finalmente saí do meu devaneio.


 


Caminhei lentamente até a cozinha, só agora percebendo como eu estava faminta. Não comi o dia inteiro, praticamente. Pra minha surpresa, a geladeira estava bem abastecida, e depois de um bom lanche, voltei para a sala. Pela primeira vez olhei em volta. A sala era pequena, como a casa toda parecia ser. As paredes brancas e descascadas deixavam claro que a casa nunca fora bem cuidada. Os únicos móveis ali eram o sofá, uma mesa baixa de centro, uma cadeira e uma velha e pequena estante. Com um suspiro resignado, dei uma última olhada no sofá vermelho e desgastado. Com certeza não era uma peça que Malfoy levou de sua própria casa. Com a certeza de que eu não passaria uma noite confortável, me deitei. E, bem como eu temia, demorei, e muito para pegar no sono, com milhares de pensamentos pululando pela minha mente.


 


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N/A: Olá pessoas do bem! Como vocês estão? Espero que muitíssimo bem.


 


Eu sei que eu demorei um tempo inaceitável para atualizar, mas eu tive uma crise de criatividade (ou seja lá qual é o nome disso), e depois tive tantas ideias ao mesmo tempo que fiquei presa nelas.


Bom, eu sei que isso nem chega a ser um capítulo, mas eu quis colocar logo porque eu queria atualizar antes do Natal, quando eu viajarei. Aí, ficarei um mês sem poder entrar, então já viu, né...


Beijos pra todos e muuuuuuuito obrigada a quem comentou. Como eu já respondi nos próprios comentários, não vou colocar aqui também. Mas espero que continuem acompanhando, mesmo com toda essa minha lerdeza.


Ah, e se encontrarem erros no capítulo, é só me falar.


Obrigada!

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