Por Ti, em Silêncio





“Espero ansioso que me procure, porque quero beijá-la e abraçá-la,
pois só quando ver-me em seus braços poderei sentir PAZ”. (Cazuza)


No princípio eram inimigos. E era natural que fosse assim, pertenciam a mundos diferentes e as classes não deveriam se misturar. Mas toda regra enseja o desafio e tão logo se apresentou uma oportunidade, tornou-se fácil desfrutar da presença de quem antes era simplesmente indesejável.

Ela chegou de mansinho em sua vida e bagunçou todo o seu mundo com suas manias estranhas e livros espalhados pela sala dos monitores-chefe. Brigavam todo dia. E riam o tempo todo, enquanto ele falsamente criticava sua aparência e ela tentava convencê-lo de suas idéias utópicas. Era muito bom estar com alguém de seu nível para variar, mas ele não pretendia fazer essa confissão em alta voz.

Tudo nela soava proibido e os primeiros dias de conversa foram um passo para o desejo. Sim, desejava tê-la para si. E a teria. Eram amigos, mas isso já não importava... Tudo o que importava era a paz que só ela poderia lhe oferecer.

...

A vida ao lado do inimigo foi toda uma surpresa. Dividir espaço, dividir tempo e por um descuido, partilhar segredos. Ele poderia ter sido seu amigo, mas não foi assim. Antes que pudessem de fato partilhar algo, ambos foram pegos de surpresa e perceberam-se no olho de um furacão. Sentimentos inexplicáveis a consumiam a cada vez que ele se aproximava. Ela o queria, mas não sabia se poderia tê-lo.

Um dia. Dois meses. Três anos.

Ele ainda estava lá povoando sua mente e a tocando em seus sonhos. Não iria embora, não importava o que fizesse. O medo de perdê-lo apenas os afastou. Havia sido uma árdua batalha, mas era preciso admitir a derrota. Ela o viu sozinho aquela noite e então, finalmente compreendeu o que precisava fazer.

...

Era madrugada. Silêncio. Escuro. Apenas mais uma madrugada em que fugia do frio... Na primeira noite que passaram juntos, imaginou se ele ainda poderia ser seu amigo, mas ele escolheu o silêncio e dessa forma respondeu definitivamente sua pergunta. Entre os lençóis de seda escura, ela se movia inquieta, ainda tentando compreender o que se passara nas últimas horas. Sim, aquela mulher refletida no espelho era ela. Sem roupas, sem disfarces.

Não era boa, pura ou má... Era apenas alguém que sentia e desejava e o seu mais louco desejo se concretizava ali, na cama dele. Nada era e nem jamais seria como em seus sonhos de menina. Ele não lhe falaria de amor e nem lhe daria um anel. Fidelidade, não, melhor esquecer essa possibilidade. Não era um príncipe. Era um homem, um homem que a fazia se sentir uma mulher.

Não cobraria nada. Não mudaria nada. Nem mesmo a mania de deixá-la sozinha na cama para fumar um cigarro. Aceitava-o, desde que ele também a aceitasse e assim era.

O desejo mais louco. O sexo mais louco. A mulher da qual ele não conseguia afastar as mãos... Mas tentava ainda afastar o olhar. Não correria o risco de permitir que aquelas emoções bobas estragassem tudo. Não eram amigos, depois de tudo não podia exigir isso dela e por isso não falaria nada. Melhor levantar e respirar um pouco, fumar um cigarro e deixar que ela vá embora e volte amanhã.

Era isso que esperava. Era isso o que aconteceria.

Ela era mais do que qualquer outra foi. Fascinava-o a forma com que ela lhe olhava... Olhos de fogo, de ciúme, de desejo. Apenas os olhos falavam de seus sentimentos, pois de seus lábios apenas o combinado. Ela aceitara as regras e já não fazia as exigências que tanto o incomodavam no princípio.

Havia vencido. Tinha tudo o que exigira, mas não tinha a ela. Sentia saudades de suas críticas, sua mania de tentar mudar o mundo e de seu sorriso.

Sem cobranças, sem excessos, a liberdade que tanto prezava estaria completamente a salvo, se não houvesse aquele incomodo que o angustiava sempre que a via se afastar. Ela era sua paz, era como o ar, uma necessidade que já não podia ser negada. “Não serei escravo disso!” – pensou antes de apagar o cigarro - consumindo-se pela angústia de simplesmente não poder ter tudo.

Teria sido um erro torná-la sua amante? Porque a ausência daquelas conversas tão tolas lhe doía tanto? O que mais ele queria dela? Queria tudo. Tal constatação chegou amparada pela aflição de quem necessita apostar tudo de uma única vez. E se ela já não se importasse? E se já não o quisesse?

Deitada com os olhos fechados, ela pensava apenas em relaxar naqueles últimos minutos. Logo o dia nasceria e ela precisaria partir, como uma gata que sorrateira invadiu a dispensa. Era o que haviam combinado, ela aceitou os termos, embora sofresse por saber que se convertera em mera diversão. Mas não se arrependia da decisão. Por algumas horas na madrugada, ele escolhia ser seu e ao menos por aquele tempo ela poderia fingir que ele correspondia aquele amor insano e pertencia a ela e mais ninguém.

Ainda com um sorriso satisfeito brincando em seus lábios, foi surpreendida por um beijo meio doce, meio amargo.

Ele era assim. Meio bom, meio mal. Meio seu, meio do mundo... Ele aprofundou o beijo e ela decidiu aproveitar. Ele ainda era seu. Passou-lhe os braços em volta do pescoço e retribuiu o beijo com ardor. Logo rolavam novamente entre a seda.

- Hei, estranho... – disse ela com a voz ofegante, enquanto ele continuava a tocá-la. – O dia está nascendo... Preciso ir embora...

Ao ouvir aquelas palavras, ele soube que precisava colocar todas as cartas na mesa. Cada dia só tinha sentido pela expectativa da noite, quando iria vê-la. Esperava ansioso que o procurasse, porque somente seu beijo e seu abraço lhe traziam paz. Não iria pensar nem mais um segundo, não havia tempo a perder.

-Não! Você nunca mais irá embora! – decidiu o homem enquanto tomava a mulher que amava em seus braços mais uma vez.

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