Velhas Histórias



—Capítulo 4—


Velhas Histórias


 


      


Já fazia uma semana desde que se hospedara na casa de suas primas. Sophia não havia tocado novamente no assunto e Pedro sentia-se um tanto agradecido por isso. Jinx passava um bom tempo fora de casa, visitando James, seu primo e noivo. Isso tudo dava ao garoto tempo o suficiente para organizar tudo antes de partir.


Chronus havia finalmente chegado até a mansão. Trazia escondido em um anel em sua pata, uma pilha de pergaminhos magicamente encolhidos. Retirou com cuidado e agradeceu a coruja, alisando suavemente suas pernas.


Engorgio. —Disse Pedro, apontando a varinha para os pergaminhos encolhidos.


Os pergaminhos retornaram à seu tamanho normal. Era uma pilha de, mais ou menos, vinte centímetros. As bordas eram velhas e desgastadas e o tempo também se marcava firmemente nas manchas amareladas distribuídas pela superfície.


Um a um ele foi separando. Documentos, noticias de jornais, interrogatórios.  O que não lhe servia o garoto amassava e jogava num lixeiro, que devorava tudo com gosto, soltando um arroto sonoro logo em seguida.


—Muito bem... —Murmurou Pedro, ajoelhado ao lado da cama, observando a pequena pilha de pergaminhos e jornais velhos que ainda restava. Do outro lado da cama havia separado quatro pilhas menores.


Cada ficha continha uma foto em preto e branco, com um rosto maldoso e desdenhoso. Um homem corpulento, outro mais magro, bem parecido com o anterior, um jovem de aparência nervosa e cabelos cor de palha e, por fim, uma mulher de cabelos espessos e grande olhos cinzentos. Seu olhar, porém, não fixou-se na mulher, apesar do salto doloroso que seu coração deu, liberando uma onda de ódio que espalhou-se como veneno por suas veias. Seu olhar voltou-se para o jovem de cabelos loiros.


—Barth Crouch Jr. —Deixou o nome escapar por entre seus lábios, de uma maneira quase gelada. —Não preciso me preocupar com esse.


Pegou a pilha de documentos referentes à ele e atirou no lixeiro, que mastigou gostosamente antes de soltar um novo arroto.


Em seu quarto ano em Hogwarts, Bartolomeu Crouch Jr., disfarçado de Olho-Tonto Moody, infiltrou-se na escola, alterou o Cálice de Fogo de modo a inculir Harry Potter como um de seus competidores e, assim, levar-lo até Voldemort, para que esse pudesse retomar seu corpo. Depois de descoberto, o Comensal recebeu o Beijo do Dementador e hoje era apenas uma casca oca e sem vida.


Ele não valia seu tempo. Passar o restante da vida sem calma, como um vegetal, já era castigo o suficiente para ele.


Os outros três, porém...


O homem corpulento, de cabelos negros era Rodolphus Lestrange. Ao seu lado, Rabastan Lestrange, irão de Rodolphus. Ambos estavam em Azkaban, até os Dementadores se voltarem contra o Ministério e aliarem-se à Voldemort. Agora, assim como Bellatrix, os dois estavam sumidos.


—Pedro? —A voz de Sophia chamou a atenção do garoto. Levantou-se rapidamente, mas sem preocupar-se em esconder os arquivos.


—Hey...Soh. —Disse Pedro, sorrindo meio torto. —Aconteceu algo?


—Não, não...só vim saber se quer almoçar. —Disse Sophia, olhando brevemente para as pilhas de pergaminho sobre o colchão. —Dever de casa?


—É...mais ou menos isso... —Disse Pedro, ainda sem graça, coçando a nuca. —Hmmm...então...almoçar! Parece uma boa idéia.


Sophia ficou em silêncio, ainda observando os documentos. Tinha certeza de que agora ela encarava a foto de cada um. Por fim, soltou um suspiro resignado antes de virar-se para o primo mais uma vez.


—Então vamos! É um saco comer sozinha com aqueles elfos olhando. —Disse Sophia, e Pedro notou que havia algo de forçado em seu sorriso e até em sua animação.


Desde que chegara ali, haviam dispensado a sala de jantar. A mesa era grande de mais e só havia os três na casa. Muitas vezes, Jinx nem comia com eles. Então preferiam levar seus pratos para a sala da TV ou mesmo para o jardim.


O calor insuportável do lado de fora forçou-os a escolher a sala naquele dia. Sophia sentou-se no cadeirão confortável que pertencia à seu pai, com os pés para cima como uma criança, o prato colocado entre as pernas. Pedro sentou-se num sofá ao lado, as pernas para cima também, meio que deitado, o prato flutuando centímetros à sua frente, como se estivesse apoiado numa bandeja invisível.


—Não vejo a hora de ser maior de idade... —Murmurou Sophia, terminando de mastigar antes de voltar a falar. —e ter esse maldito trace removido. A vida fica realmente mais fácil com magia.


—Acho que em breve isso não vai fazer muita diferença. —Disse Pedro, juntando comida no garfo e levando até a boca.


—O que quer dizer com isso? —Perguntou Sophia, abaixando as sobrancelhas de leve, sentindo-se confusa. —Acho que poder fazer magia sempre vai fazer diferença.


—Não, não falo disso... —Disse Pedro, largando os talheres sobre o prato. Sento-se melhor no sofá de modo a poder olhar para prima. —Pode não ser hoje..ou amanhã...mas logo não vai fazer diferença ser ou não maior de idade...teremos problemas mais sérios do que adolescentes usando magia.


—É... —Murmurou Sophia, abaixando os talheres e olhando para baixo. —Depois da morte do Dumbledore, eu imaginei algo assim. —Deu um sorriso de canto, meio desanimada. —É meio que o estopim pra guerra, né?


O silêncio entre eles foi a resposta mais dura que poderia ser dada. Sophia mexeu-se incomodada na cadeira antes de levantar-se com o prato na mão.


—Você já terminou? Vou levar o prato pros elfos. —Murmurou a garota. Pedro olhou para a prima por um instante antes de, com um aceno da varinha, fazer o prato flutuar até ela.


Sophia não demorou muito. A garota logo estava de volta, segurando uma garrafa com um liquido verde e dois copos largos e baixos. Ergueu-os na direção do primo, como se oferecesse. Pedro observou a prima por um instante, com as sobrancelhas baixas, antes de sacudir os ombros, levantando e indo até ela.


—Do estoque particular do meu pai. —Disse Sophia, com um meio sorriso no rosto, enquanto servia os dois copos. —Mas como meu pai quase não bebe, então...o estoque particular dele é quase que meu também.


Pedro riu de leve e pegou o copo. Levou até diante dos olhos e sacudiu o liquido de leve, como se estivesse analisando algo. Por fim, soltou um suspiro demorado e ergueu o copo em sinal de brinde.


—Vamos brindar ao que? —Perguntou Pedro, olhando a prima, que balançava suavemente o copo.


—Não sei...ao futuro... —Disse Sophia, dando de ombros, erguendo o corpo e batendo no do primo. —ou ao que resta dele.


Pedro deu um sorriso meio amargo e repetiu quase num murmúrio “ao futuro”. Levou o copo aos lábios e bebeu lentamente, sentindo o ardor do álcool descer por sua traqueia. Fez uma careta de leve, antes de estalar os lábios, sentindo o gosto amargo, penetrante e marcante da bebida.


—Isso me lembra de alguém... —Murmuro Pedro, voltando a olhar o liquido verde pálido que dançava suavemente em seu copo. —um velho amigo. Que eu não vejo há muito tempo.


—Eu não gosto nem e lembrar do que isso me lembra. —Disse Sophia, num tom de voz meio amargo, enquanto pegava a garrafa e o próprio copo. Levou ambos até o meio da sala, sentando-se no chão, ao lado de uma mesa de centro. Colocou a garrafa ali e bebeu o restante do liquido que havia no copo em um único gole.


Pedro observou o movimento da prima, com a testa franzida. Sophia sempre havia sido um grande mistério para ele. Desde os incontroláveis porres, até a tentativa de suicídio. Tudo um grande mistério. Nunca perguntara à prima o que levara à tudo aquilo. Seja lá o que fosse, deveria ser algo pessoal. E só ela sabia a hora certa de contar tudo.


—Eu nunca entendi... —Disse Sophia, chamando a atenção do primo mais uma vez. Servia uma nova dose no próprio copo, pondo a garrafa mais uma vez sobre o tampo da mesa. —por quê Rowena escolheu construir sua casa aqui em Londres...entre os trouxas...


—Não foi ela. —Disse Pedro, caminhando lentamente até a prima, sentando ao seu lado, as pernas cruzadas como uma criança. —As duas mansões foram construídas muito depois de Rowena Ravenclaw. A mansão Ravenclaw original ficava no pé de um penhasco, numa região isolada, mais ao norte.


“Depois da morte de sua filha mais velha, Helena, Rowena meio que abandonou os cuidados com a casa. Quando ela morreu, seus outros filhos abandonaram a casa. Gilbert, o segundo mais velho depois de Helena, construiu a primeira Mansão em Liverpool. Depois o filho dele, Bronwen veio para Londres e construiu essa casa”.


—No lugar da casa original, construiu-se um vilarejo chamado Raven’s Ville. Mas foi destruído anos atrás... —Terminou com um certo ar de melancolia. Seu olhar estava vidrado na mesa. Após algum tempo, como se parecesse puxar algo da memória. Por fim, soltou um longo suspiro e bebeu o resto do absinto.


—Uau... —Murmurou Sophia, o copo ainda parado em sua mão, olhando para o primo com as sobrancelhas erguidas. —como você sabe disso tudo?


—Eu morei em Raven’s Ville. —Disse Pedro, com um tom de voz ligeiramente amargo. Era como se cada palavra contivesse uma certa dose de veneno. —Eu estava lá quando ela foi destruída.


—E...o que foi que aconteceu?


O olhar de Pedro permaneceu baixo. Suas mãos fecharam-se brevemente, deixando o nó dos dedos embranquecidos. Quando, por fim, relaxou, levou a mão até a garrafa e serviu-se de mais uma dose.


—Comensais da Morte invadiram o vilarejo. Destruíram tudo. E mataram todos os habitantes. Inclusive meus pais...


Virou o olhar para a prima, com as sobrancelhas ligeiramente erguidas, antes de dar um grande gole em seu absinto. Seu rosto tentava mostrar uma certa indiferença, mas havia uma raiva contida em seus olhos que não conseguiu disfarçar.


—Eu...sinto muito. —Murmurou Sophia, abaixando o olhar e bebericando seu absinto em silêncio.


—Não tem problema. —Disse Pedro, bebendo a outra metade do copo em um segundo gole. Ficou um instante olhando para o copo vazio, com apenas uma fina lamina verde no fundo, antes de voltar a encher-lo. —Soh...você sabe algo sobre um diadema?


—Diadema? —Disse Sophia, franzindo a testa de leve, aproveitando a deixa para mudar o assunto.


—É. Quando Carrow invadiu minha casa...ele estava procurando por um tal diadema. —Falou Pedro, levando o copo até os lábios mais uma vez, olhando a prima por sobre ele.


—Bem... —Começou a garota, pegando a garrafa mais uma vez e servindo-se de outra dose. —tem o Diadema de Ravenclaw. Digo, não imagino os Comensais querendo diademas para dar um jeito no cabelo.


—E para que eles iam querer esse diadema? —Disse Pedro, a testa ligeiramente franzida.


—Bem, talvez o Voldie pretenda deixar crescer uma bela cabeleira. —Disse Sophia, sorrindo de leve. Pigarreou logo em seguida e bebeu outro gole do absinto, antes de voltar a falar. —O Diadema de Ravenclaw é conhecido por aumentar a inteligência de quem o usa. Os alunos de Hogwarts sempre buscaram o diadema para...bem...levarem a melhor nos exames. Mas ninguém nunca encontrou. Provavelmente Voldemort quer a inteligência de Rowena para bolar algum plano ou coisa assim.


—Faz sentido... —Disse Pedro, dando um novo gole na bebida. Já não queimava tanto quanto no primeiro gole. Sentia o corpo ligeiramente mais leve e a língua mais solta a cada gole. —Só não sei porque ele pensou que estaria logo comigo.


—Talvez porque você seja o mais distanciado da família. —Disse Sophia, sacudindo os ombros de leve, o copo balançando suavemente em sua mão. —Seria obvio de mais se estivesse aqui...ou na casa do tio Octavius. Você seria a opção mais segura.


—É...talvez... —E deixou as palavras planarem no ar, enquanto enchia a boca com o restante do absinto que havia no copo.


Um silêncio modorrento plainou sobre eles. O som do liquido sendo derramado em seus copos e da garrafa batendo contra o tampo da mesa, era o único ruído à quebrar o silêncio. A garrafa já estava mais da metade vazia e os dois estavam quase largados no chão, os olhos já um tanto avermelhados e apertados, como se as pálpebras estivessem pesando. Sophia encheu o copo mais uma vez e pôs a garrafa na mesa. Ergueu o copo suavemente, quase na linha dos olhos, e deixou-se perder um tanto melancólica nas curvas suaves que o liquido verde vazia, parecendo rodopiar ao fundo do copo e logo voltar, num movimento quase continuo e imperceptível.


—Algum problema, Soh? —Murmurou Pedro, pondo o próprio copo ao lado da garrafa, apoiando as mãos no chão.


—Não é nada. —A melancolia de seus olhos estendia-se à sua voz. Seguia fixando o absinto que já não dançava em ondas suaves e estava parado como um lago congelado.


—Sabe. Tem uma coisa que eu nunca entendi. —Disse Pedro, brincando com o dedo pelas bordas do copo. Sophia finalmente desviou o olhar do copo e fitou o primo, com um ar curioso. —Você é uma garota linda. Mas nunca vi você namorando ou coisa do tipo. E também... —Parou um instante, pigarreando baixo antes de erguer o olhar até a prima. —todos nós gostamos de beber. Mas você...parece que usa como válvula de escape.


O olhar de Sophia seguiu fixo no do primo por um instante. Parecia refletir uma espécie de medo, mesclado com o choque. Por fim, abaixou o rosto e fitou o tapete à seus pés. Seus dedos brincavam sutilmente por entre os pelos do tapete, enquanto a outra mão agarrava o corpo com força, como se buscasse apoio para se segurar.


—Não é nada de interessante. —Disse Sophia, dando sutilmente de ombros enquanto, com um sorriso meio irônico. —Eu sou a ovelha negra da família. Tenho que fazer jus ao meu honroso título.


—Não... —Murmurou Pedro, estreitando o olhar. Inclinou-se ligeiramente na direção da prima, como se procurasse algo. —Não é isso. Eu sou a ovelha negra da família e nem por isso me tornei um alcoólatra.


—Eu não sou alcoólatra! —Exclamou Sophia, defendendo-se, erguendo o olhar horrorizado para o primo.


—O que aconteceu, Sophia? —Disse Pedro, num tom de voz baixo, o olhar ainda mais estreito na direção da prima.


A garota encarou o primo por um instante, parecendo ponderar varias coisas em sua mente. Abaixou o olhar mais uma vez e deixou-se mais uma vez perder-se entre as linhas complexas que formavam o desenho do tapete. Abria e fechava os lábios rapidamente, como se repassasse cada detalhe de uma história que ela já conhecia tão bem, antes de voltar a falar.


—Um dia. Eu estava voltando de uma festa...com um namorado. Não, não...com O namorado. —Deixou um sorriso meio triste dançar em seus lábios. A primeira lagrima rompeu a barreira e desceu por seu rosto, manchando sua pele. —Estávamos meio bêbados. Eu insisti pra voltar dirigindo. Ele hesitou, mas acabou deixando. Eu não tinha noção da velocidade que estava. Eu sentia meu pé leve, como se eu nem estivesse pisando no acelerador.


“Então, vindo só Merlin sabe de onde, um caminhão de lixo cruzou o caminho. O carro estava rápido de mais, eu não tive reflexo. Bati a cabeça no volante e desmaiei. Acordei com o bombeiro serrando as ferragens e me tirando de dentro da cabine. De algum modo eu saí quase ilesa...”


—mas ele... —A voz, que já era carregada e embolada, perdeu-se num ultimo fio. As lagrimas já desciam por seu rosto sem o menor controle, pingando em suas mãos.


—Soh... —Murmurou Pedro, olhando para a prima com certa pena. A garota ergueu as mãos e fez um sinal de negativo, falando com a voz esganiçada.


—Não sinta pena de mim. Eu fui a errada. Eu fui a culpada de tudo. —Engoliu o choro, passando a mão pelo rosto, tentando secar as lagrimas. —Ele poderia estar vivo...


—Você sempre vai pensar isso. —Disse Pedro, esticando a mão e pondo sobre a da prima. —Existem mil possibilidades, todas elas formuladas por nossas mentes, para que quem amamos pudesse estar vivo. Mas há apenas uma realidade. E ficar se culpando não vai apagar ela.


Sentiu a garota tremer de leve ao segurar sua mão. Franziu um pouco mais a testa antes de puxar-la para si, encostando a cabeça da prima em seu ombro, enquanto afagava seus cabelos. Ainda tremendo, chorando muito, Sophia passou os braços pelo corpo do primo, abraçando-o também.


 


 


 


O sol já estava quase se pondo quando o som de uma porta batendo acordou Pedro. Sua cabeça doía e sentia o corpo pesado. Estava largado no chão. Os copos jaziam esquecidos ao lado e a garrafa ainda estava sobre a mesa. Sophia dormia sobre seu peito, o rosto ainda manchado de lagrimas, meio de lado.


—Soh... —Murmurou quase sem voz, empurrando a prima de leve. —Soh. Acorda.


Um tanto sonolenta, parecendo perdida, a garota ergueu a cabeça. Balbuciou algo que ele não entendeu antes de olhar para os lados, como se tentasse lembrar de onde estava.


—O...o que aconteceu? —Murmurou Sophia, olhando para o primo, com um ar meio grogue.


—Você chorou no meu ombro até dormir. Eu estava tonto e acabei deitando aqui mesmo. Acho que adormecemos. —Disse Pedro, soltando um gemido dolorido ao sentir as costas meio duras por causa do chão.


—Ah...claro... —Disse Sophia, parecendo constrangida agora. —Me desculpe. Não devia ter alugado seu ombro.


—Hey. Não precisa pedir desculpas. Está tudo bem. —Falou o garoto, tentando sorrir amigável, mas sentindo o corpo mol de mais para isso. Apoiou a mão no sofá e levantou-se com um pouco de dificuldade. Esticou a mão e ajudou a prima a levantar-se também.


—Eu vou tomar um banho. E umas aspirinas. —Anuncio Sophia, passando a mão pela cabeça, cambaleando alguns passos para trás, tentando manter o equilíbrio. —Ops.


—Tudo bem. Acho que vou tirar um cochilo na cama. —Fechou os olhos com força, tentando afastar a maldita dor de cabeça. Olhou para a prima por um instante antes de acenar meio sem jeito, dando a volta no sofá, tropeçando na quina, antes de seguir para fora da sala.


O caminho rumo ao quarto não foi dos mais fáceis. Ainda sentia-se meio zonzo pelo absinto e a cabeça doía da ressaca. Subiu as escadas apoiando-se no corrimão e saiu tateando na parede até chegar ao quarto.


—Chega pra lá, Chronus. —Murmurou mal humorado, fazendo um gesto para a coruja sair, antes de jogar-se na cama. Os pergaminhos antes tão bem organizados caíram para os lados, misturando-se.


A coruja piou indignada e deu um passo para o lado. Ficou observando o dono que estava com os olhos semicerrados, antes de aproximar-se dele aos pulos. Beliscou seu rosto de leve. Ao ver que não tinha resposta, beliscou a bochecha dele com mais força.


—Auch! Que droga, Chronus! —Resmungou Pedro, olhando para a coruja. Só então notou que havia um pergaminho preso à sua pata. Franziu a testa e esticou a mão, até retirar o pergaminho da coruja, que abriu as asas e saiu dali, indignada.


Não demorou a reconhecer a letra caprichosa de Amanda. Estreitou o olhar para que a vista não embaçasse, lendo a linha única.


 


“Onde se meteu? Seu apartamento saiu no jornal trouxa. Mande noticias, rápido!”


Amanda Gryffindor


Ficou relendo a mensagem por um bom tempo, antes de largar o pergaminho de lado. Tanta coisa havia acontecido que simplesmente esquecera-se de avisar à seus amigos onde estava. Levantou-se ainda tonto e foi até a lareira que havia no quarto. Pegou um pouco de pó que havia num pote ao lado e, puxando a varinha com a outra mão, apontou para a lareira.


Incendio. —Chamas irromperam magicamente das toras na lareira. Jogou o pó no meio do fogo, que tornou-se verde esmeralda. Respirou fundo antes de abaixar-se e colocar a cabeça para dentro do fogo.


—Mansão Gryffindor!


Ok, definitivamente a viagem via rede flu fez o garoto sentir-se ainda mais enjoado do que antes. Quando por fim sua cabeça parou de rodar por entre as diversas lareiras, viu-se encarando uma enorme sala de visitas, quase igual à da mansão onde estava, exceto, claro, pela predominância das cores vivas da Grifinória.


—Amanda? Tem alguém aí? —Perguntou Pedro, tossindo logo depois ao sentir a boca encher-se de cinzas.


Suas palavras ecoaram pela lareira e logo morreram no silêncio da sala. Sentiu-se um tanto incomodado, como se houvesse alguém, que não devesse, lhe observando. Quando já estava pensando em puxar a cabeça para fora da lareira, ouviu passos, não muito distante.


—Já vai, já vai... —Disse uma voz bastante conhecida. Não precisou esperar o garoto ruivo, com sardas no rosto e olhos incrivelmente azuis abaixasse para saber de quem se tratava. —Pedro!


—Chap! Como vai? —Perguntou Pedro, sorrindo de leve, ainda sentindo a cabeça doer um pouco.


—Bem.—Pigarreou Chapolim, virando o rosto para o lado. —Amanda!! Vem cá!


Ao longe, meio abafado, escutou um “já vai!”. Após alguns segundos, outros passos se aproximaram da lareira. Ouviu o questionamento baixo de Amanda, para saber quem era, antes de ver o rosto da amiga à sua frente.


—Pedro! Você quer nos deixar loucos, garoto?! —Disse Amanda, num tom meio cortante. Respirou fundo antes de voltar a falar. —Onde você está?


—Estou na casa de umas primas. Não se preocupem. —Respondeu Pedro, ajeitando melhor o corpo do outro lado da lareira. —E vocês? Como estão?


—Estamos bem. —Disse Amanda, sentando-se no chão, as pernas cruzadas como se fosse criança. —O que aconteceu?


—Amico Carrow invadiu meu apartamento. Nós duelamos e tudo acabou pegando fogo. —Respondeu Pedro, da maneira mais simples que podia.


—Mas porque ele foi atrás de você? —Perguntou Chapolim, sentando-se ao lado da namorada, a testa ligeiramente franzida.


—Ele estava atrás do Diadema de Ravenclaw. —Murmurou Pedro, estreitando o olhar de leve. —Aparentemente, achava que estava comigo por eu ser um...renegado.


—O Diadema de Ravenclaw. —Murmurou Amanda, olhando para o chão. —Pensei que fosse só uma lenda que os alunos inventam nas épocas de prova.


—Aparentemente não. —Disse Pedro, com um ar ligeiramente impaciente. —Mas isso não é importante agora. Quais são as novidades?


—Bem...você deve ter lido no Profeta Diário a nota de demissão da professora de Ensino dos Trouxas. —Disse Chapolim. Pedro balançou a cabeça positivamente, enquanto observava os amigos. —Ela está sumida há uns dias já. Achamos que ela não se demitiu. Voldemort está por trás disso tudo.


—Faz sentido. —Ponderou Pedro, abaixando o olhar.


—Está difícil tomar alguma atitude. Tem espiões dentro do ministério. A Rede de Flú está sendo monitorada. —Disse Amanda, adiantando-se antes que Pedro falasse algo. — Essa lareira é a única segura na mansão. Não se preocupe.


—Temos que ter cuidado com o que escrevemos. —Disse Chapolim, com um tom de voz sombrio. —Corujas estão sendo interceptadas. Pessoas estão sendo seguidas.


—O cerco está se fechando. Não se pode confiar em todo mundo. —Murmurou Amanda, abaixando ainda mais a voz.


—Vocês têm razão. —Disse Pedro, tão sério quanto os amigos. —Tem noticias dos outros?


—Lilá está conosco. Tomando banho no momento. Ashley está na França com os pais.


—E não poderia estar mais segura. —Disse Amanda, com uma pontinha de ironia em sua voz.


—William vem nos visitar com freqüência. É ele quem nos passa a maior parte das informações. —Disse Chapolim, contando os amigos nos dedos. —Não temos noticias do Lucius desde a despedida, na estação.


—E a Liv? —Perguntou Pedro, tentando reprimir sua ansiedade.


—Também não temos noticias. —Murmurou Amanda, num tom pesado. —Mas deve estar bem.


—Sim...deve estar bem. —Repetiu o garoto, sem parecer convencer-se das próprias palavras. —Eu tenho que ir agora.


—Claro. E, por favor...nos mantenha informados.


Pedro apenas balançou a cabeça positivamente antes de pegar impulso para trás. Sentiu o mundo girar novamente antes de cair sentado no chão. Ficou um instante ali, tentando recuperar o fôlego perdido. Quando por fim sentiu a cabeça parar de rodar, algo chamou sua atenção.


—Soh? —Perguntou o garoto, com as sobrancelhas ligeiramente erguidas. —Há quanto tempo está aí?


—Algum tempo. Não quis atrapalhar. —Disse Sophia, encolhendo os ombros de leve. Estava sentada na beirada da cama, parecendo desconfortável.


—Você não atrapalharia. —Disse Pedro, apoiando a mão no baú e levantando-se lentamente. —Então. Algum problema?


A garota olhou demoradamente nos olhos do primo, antes de desviar o olhar para o fogo que ainda crepitava na lareira. Seus olhos se encheram com a claridade alaranjada do fogo. Ele quase podia ver palavras se mesclando à memórias na menta da garota, que abria e fechava a boca em movimentos ritmados. Por fim, quando pareceu escolher as frases certas, começou a falar.


—Eu sempre fui considerada a ovelha negra da família. —Deixou uma risada baixa e irônica escapar por entre os lábios, antes de continuar. —Meus pais, tios. Ninguém nunca me levou a sério. Tirando você, a Jinx e a Nat, ninguém nessa família se preocupa comigo de verdade.


“Por isso, desde antes disso tudo acontecer, eu estava planejando sair de casa nas férias. Sair de perto dos meus pais e de toda essa atmosfera pesada e venenosa que eles carregam. Nunca tentei ser perfeita, principalmente para eles. Mas agora eu acho que é a hora de eu ter a minha própria vida”.


E voltou a olhar para o primo, parecendo decidida. Pedro retribuiu seu olhar, arqueando suavemente uma sobrancelha, como se não entendesse onde ela queria chegar. Sophia respirou fundo, como se tentasse pegar fôlego para gritar. Deixou o ar escapar lentamente por suas narinas antes de murmurar.


—Eu quero ir com você.

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