Acredita em destino?



Letras de Fogo: Suspense & Paixão!


 


Capítulo 1: Acredita em destino?


 


         Acordei assustada naquela segunda feira. Era março, podia jurar que havia visto e ouvido um vulto atravessar o meu quarto. Não que eu ainda me importasse com isso, há meses acontece. Quando procurei o rádio-relógio no criado mudo ao lado de minha cama não o encontrei. Levantei-me rapidamente e me pus a procurara-lo. Estava um pouco fresco fora da cama, fresco demais para a época do ano. O despertador estava no outro canto do quarto, parcialmente desmontado, certamente devido a um choque contra a parede. Devo ter arremessado durante o sono, noites bem dormidas são raras para mim.


         Foi então que percebi o perigo de estar atrasada. - “Não justamente hoje não!” – Pensei desanimada. Tateei no escuro minha cama a procura do celular. Lembro-me que dormi a noite anterior trocando SMS’s com minha amiga, Ana. Passados alguns instantes encontrei o telefone em meio aos lençóis. Vi as horas nele e para minha surpresa (e alívio) vi que era pouco mais de seis e meia da manhã. Ainda faltava mais de uma hora para o início do ano letivo.


         Caminhei até a proximidade da porta e acendi a luz. O quarto estava um pouco mais bagunçado do que me lembrava de ter deixado antes de dormir. Havia dois livros fora das estantes, algumas folhas de trabalhos e provas do ano anterior estavam espalhadas, o material da escola que havia deixado em cima da escrivaninha, agora estava ao chão, à pequena bagunça estava completa com o rádio-relógio.


Cogitei que pudesse ser sonambulismo. Rechacei a idéia pensando – “Só o que me faltava, como se eu já não fosse estranha o suficiente.”


 Com isso, me pus arrumar meu material de aula. Hoje teria apenas duas aulas, História e Química. Embora duvidasse seriamente que houvesse realmente aula no primeiro dia de volta à escola, pus os dois pesados livros e dois cadernos de duzentas folhas na pasta, o estojo já estava lá. Após descer as escadas vi meu pai deitado no sofá, me aproximei e conclui que estava dormindo. Não quis acordá-lo. No mínimo duas vezes por semana ele chegava em casa as altas horas, devido a alguma importante “reunião”. Nesses dias mamãe não o deixava subir ao quarto.


Fui à cozinha e preparei meu café da manhã, novamente ouvi um ruído, ele vinha da direção da sala. Meu pai deveria ter acordado. Tomei o café apressada, em três ou quatro goles terminei meu copo de leite achocolatado, embora estivesse extremamente folgado o tempo para a aula, me sentia estranhamente sufocada em casa. Entretanto teria ainda de arrumar a pequena bagunça localizada na segunda porta a direita no andar superior. Me dirigi pesarosamente para lá só parando brevemente para constatar que meu pai ainda roncava no sofá próximo a lareira durante meses não acesa.


Tomei literalmente um susto ao entrar no quarto, ele estava arrumado, ou parcialmente pelo menos. Os destroços do rádio-relógio estavam postos acima do bidê. A maior parte das folhas estava recolhida em um canto. Além disso, o quarto estava realmente frio, um frio digno do auge de agosto, mas era arrecem inicio de março. Certamente estava com problemas, odiava ter de admitir, mas tinha de ir a um especialista. Porém não seria naquela hora e nem mesmo naquele dia. Eu enrolaria até que a situação ficasse insustentável. Peguei meu material e fui até a garagem, estava sem paciência para esperar a carona de minha mãe. Peguei minha bicicleta e me pus a pedalar.


Minha casa não ficava próxima da escola, eu morava afastada do centro de Canela, já na estrada que levava a Gramado. Entretanto não era a primeira vez que enfrentava aqueles quilômetros pedalando. Os raios de sol começaram a aparecer tímidos no horizonte, e o frio, que já não era muito intenso, se dissipava aos poucos.


Depois de alguns quilômetros aconteceu algo inesperado, devido a uma pedra particularmente pontiaguda o a câmara interna do pneu dianteiro de minha Caloi explodiu. Caí esfolando meu joelho, fiquei um bom tempo no chão amaldiçoando minha sorte, levantei-me e rodei mais um pouco apenas no aro, percebi que esse trabalho era maior que o de completar o percurso a pé.


Caminhei o máximo que consegui, mas a dor em meu joelho era aguda, ele não parava de sangrar. Decidi então me abrigar na sombra de uma arvore e pedir carona. Depois de muitos minutos e alguns carros passarem por mim, sem prestarem a menor atenção avistei no horizonte um caminhão, levantei o polegar esquerdo sem muita esperança, mas a jamanta parou. O vidro se abriu rapidamente e um caminhoneiro mulato, de meia idade, com cabelos já grisalhos e um tanto gordo falou simplesmente:


- Suba princesa.


Eu odiei o modo como ele me olhou, praticamente me despindo com os olhos, percebi imediatamente o meu erro. Falei encabulada:


- Desculpe, mas vou deixar passar.


O Caminhoneiro não gostou nada da resposta, desceu do veículo e veio em minha direção. Eu me esquivei andando de costas até o meio da via. Por pouco ele não me agarrou pela mochila, que eu carregava nas costas. Ele falou:


- Não precisa se preocupar garota, que mal há em uma carona?


Entretanto estava claro que haveria sim, muito a que se preocupar com aquela carona. A voz do motorista tinha um tom sarcástico, provocador. Ou seria apenas seu sotaque, certamente nordestino.


- D-deixa ass-sim, estou bem! Ob-brigada. – Gaguejei amedrontada.


O caminhoneiro percebeu meu medo e em seu olhar desejoso pude perceber gozo e contrariedade. Ele veio lentamente em minha direção, como se a cada passo saboreasse um pouco mais meu medo. Quando ele estava a pouco menos de dois metros de mim apareceu um carro cinza chumbo que derrapava e buzinava ao mesmo tempo. Eu e o motorista ficamos paralisados olhando o carro se aproximar de mim, fechei os olhos com toda a força, mas o impacto não veio. Quando abri os olhos percebi que o caminhoneiro também estava com os olhos cerrados. O carro estava há um pouco mais de três metros de mim e do motorista, a porta do carona se abriu e eu não hesitei. Nada poderia ser pior que ser agredida pelo nojento motorista do caminhão.


Quando eu entrei no carro, antes mesmo de fechar a porta ou botar o cinto de segurança, o carro arrancou ferozmente. O caminhoneiro teve de dar um pulo para trás para não ser atropelado. A porta bateu violentamente ao meu lado. Olhei para o motorista e agradeci. Ele nada respondeu apenas virou rapidamente a cabeça em minha direção e sorriu brevemente.


O motorista do carro era um garoto com mais ou menos a minha idade. Não pude deixar de alisá-lo. Porte físico atraente, pele ligeiramente pálida, cabelos castanhos claros maltratados e compridos. Ele vestia uma calça jeans maltratada e uma camisa social branca de mangas curtas. Tinha nos olhos um “Ray Ban” antigo, mas o que mais chamava atenção em sua aparência era a cicatriz em sua bochecha direita.


- Minha bicicleta, já era. – Falei mais para mim do que para ele.


- Acho que perder sua bicicleta foi o menor dos males. – Disse ele com uma voz suave, porém com um leve sotaque que não conseguia distinguir de onde pertencia.


- Realmente se não fosse por você, nem posso imaginar o que poderia ter acontecido. – Embora tenha dito isso, a verdade é que estava imaginando dês de que entrei no carro, e aquilo não me alegrava nem um pouco. – Obrigado. – Repeti.


Novamente ele girou brevemente a cabeça em minha direção. Depois de alguns instantes percebi a velocidade do carro. O velocímetro estava cravado entre a marcação de 160 km/h e a de 180 km/h. Disse assustada:


- Está com pressa?


- Imaginei que deveríamos correr para um hospital. – Disse ele apontando com a cabeça para meu joelho e desacelerando. Senti uma sensação estranha como se percebesse que seus olhos miravam minhas coxas expostas pela mini saia de jeans e não para meu joelho. Uma sensação engraçada, mistura de orgulho, malícia e timidez, tomou conta de mim.


- Ah, isso. Não é nada, tenho certeza que posso cuidar disso na enfermaria da escola. – Disse embaraçada apontando para o escudo da camisa que vestia.


- Colégio Maria Imaculada? – Disse com um esboço de sorriso no rosto. – Pelo visto seremos colegas durante esse ano.


- Engraçado, sabe do que chamo isso? – Perguntei e respondi sem dar chance de replica. – Destino. – Quando as palavras saíram de minha boca me amaldiçoei com muita intensidade, que tipo de garota ele iria pensar que eu era? Bem, estava muito longe para voltar a trás. Deveria seguir na linha e tentar contornar a situação. – Você acredita em destino? an... – Percebi que não perguntara seu nome.


- Você não imagina o quanto. – Falou o rapaz com uma voz um pouco sombria. – A propósito, me chamo James. E você, qual seu nome?


- Me chamo Caroline. – Pausei e vendo que o garoto não iria prosseguir o dialogo falei. – Então James, você não é daqui, é?


- Não, sou americano. – Disse com o esboço de sorriso voltando aos seus lábios. – Estou fazendo intercambio aqui.


- Seu português é muito bom. – O elogiei.


- Obrigado, estou algum tempo no Brasil.


- Aposto que estava procurando sol e praia quando veio fazer intercambio no Brasil, meus pêsames por ter parado nesse fim de mundo.


- Está brincando? – Disse ele parecendo realmente surpreso. – Essa cidade é demais, ou melhor, essas cidades são demais. Moro em Gramado. São cidades extremamente charmosas. Exatamente o que procurava. – Fez uma pausa e após alguns instantes emendou. – Além do mais, acho que é claro que não sou muito fã de praia. Acho que da para perceber, não?


Olhei diretamente para sua pele branca e sorri. Vendo que novamente o assunto estava se perdendo emendei a primeira coisa que me veio à cabeça:


- Eu não, adoro praia. Quando menor ia sempre para Santa Catarina com meus pais, Florianópolis, Bombinhas... – Após falar pensei varias coisas ao mesmo tempo. “Que você está fazendo? Você não é de se abrir com estranhos! Será que está muito na cara esse mole todo que estou dando? Que isso, eu não sou assim!”


- Você não vai mais?


- Não, eram outros tempos. Para mim e para minha família. – Respondi pesarosa.


Ele pareceu respeitar meu pesar e não retrucou, aproveitei e fiz silêncio também para que não pudesse falar nada que me comprometesse mais ainda. Cerca de dois ou três minutos depois estávamos entrando no centro de Canela. A cidade estava despertando, as pessoas aos poucos saiam às ruas e seguiam seus caminhos. Dirigimos-nos ao colégio. Chegando lá James me conduziu até a enfermaria. Ou melhor, me acompanhou, afinal ele não sabia onde era a sala dos curativos. Ao chegar à porta em que se lia “Enfermaria – Enfermeira Maíra Gonçalves” percebi que esta estava trancada.


- A Enfermeira já deve estar chegando. – Disse James retirando seus óculos. Seus olhos eram de um verde escuro, profundo, intenso. – Bem, acho que te deixo aqui. Tenho algumas pendências, vou me encontrar com o diretor.


- Boa sorte com o irmão. – Disse sorrindo. – Aquele homem me assusta.


E sem mais nenhuma palavra ele se virou e seguiu seu rumo. Antes mesmo de ele dobrar ao final do corredor já ansiava por vê-lo novamente. Afinal, que atração maluca é essa?


 

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