Único



As luzes do amplo aposento cinzento piscavam nervosas, como se o necrotério gelado, cercado de gavetas cromadas em suas paredes, tivesse sido diretamente transportado de um conto de terror para o subsolo do Hospital St. Mungus. Simas Finnigan colocou os dois pés no aposento, seguindo o médico legista, rolando os olhos ao redor, segurando-se para não sair correndo dali, tal assustadora era a cena.


Fazia apenas alguns dias que ele fora aceito no corpo policial bruxo de Londres como detetive, recebendo suas indicações de trabalho e distintivo com uma rapidez e honras tal. Aquele era o primeiro caso do qual ele cuidava sozinho. Simas não precisava mais deixar as cenas de crime assim que os superiores chegavam e muito menos acompanhar os detetives em trabalhos de campo, o que era um plus pro temor que lhe abatia enquanto ele caminhava até a mesa de autópsia, no centro do aposento. Havia um corpo pequeno estendido debaixo de um lençol amarelado.


- Morte causada por arma trouxa, senhor Finnigan. - Informou o médico, afastando o lençol do rosto do corpo sem vida. - Tiro certeiro no coração, o que sugere um bom atirador, correto? - O homem afastou o lençol mais um pouco, deixando de fora um pequeno pedaço dos seios da mulher, mostrando o buraco ainda aberto causado pela bala certeira.


- Certo, o senhor pode fazer teste para a polícia. - Brincou Simas, reunindo forças para conseguir se aproximar do corpo da antiga colega de escola, anteriormente Ana Abbott, mas agora conhecida como Sra. Longbottom. Os cabelos loiros compridos estavam jogados embaixo de seu corpo, emoldurando um rosto extremamente pálido, porém ainda incrivelmente dotado de sua beleza clássica característica.


- A polícia não costuma vir até o necrotério... - O médico observou, prestando atenção aos movimentos e olhares do detetive. Estava claro que a relação do policial com a vítima ia além do crime-justiça.


- Eu a conhecia. - Simas refletiu, lembrando mentalmente de todos os momentos em que vira a mulher em vida. - Estudamos juntos e ela foi casada com um dos meus grandes amigos.


- E o senhor se apaixonou por ela antes ou depois de ela casar com seu amigo?


Simas ergueu os olhos, apertando as sobrancelhas para a pergunta cheia de afirmações do médico. Sua expressão dizia claramente que ele não responderia à pergunta indiscreta, porém ele ao menos deveria saber que deveria responder com a certeza de que nunca sentira nada por Ana, mas apenas o que vinha em sua mente era o fato de que não podia se apaixonar por ela, simplesmente porque não era certo. Simas baixou os olhos para o corpo novamente, arfando.


- Eu vou buscar a ficha da autópsia. - O homem anunciou, começando a andar até a saída. Talvez tivesse se dado conta de que não devia ter mencionado o que mencionou. Simas fez menção de andar atrás do homem. - O senhor pode me esperar aqui.


Era torturante estar naquele aposento gelado acompanhado pelo corpo sem vida de Ana. Era gelado como a morte, Simas observou consigo mesmo, olhando ao redor. Quase podia sentir aquele frio tomando sua pele e seus órgãos... O homem fechou os olhos, respirando fundo. Não era profissional que ele se deixasse abalar tanto. E o que ele fora fazer ali era uma atividade totalmente profissional. Isso se ele não contasse o fato de que não precisaria visitar o corpo.


O frio continuou a tomar conta dele mais forte do que antes. Era quase como se ele tivesse tocado em um dos corpos que esperavam no aposento pelo momento do enterro ou cremação. Era uma sensação que merecia ser espiada, o que o obrigaria a abrir os olhos, uma coisa que ele não queria fazer. Simas não queria ter que abrir os olhos e ver mais uma vez o corpo pálido. Porém a sensação de estar sendo congelado era mais arrebatadora e quase abria seus olhos contra vontade.


Contrariado, o jovem policial abriu os olhos, temendo o que veria, mesmo sem ter qualquer motivo para temer abrir os olhos. Sua respiração já estava acelerada enquanto ele mantinha os olhos fechados, quase sendo impossível que ela pudesse aumentar a velocidade. Porém, foi exatamente o que aconteceu enquanto ele abria os olhos e encarava o rosto de Ana Longbottom com os olhos azuis bem abertos.


- Merlin! - O homem saltou para trás, levando a mão à boca, cobrindo-a para não gritar. Seus olhos se arregalaram involuntariamente, enquanto ele se amontoava perto de algumas das gavetas cromadas. Ana não podia ter os olhos abertos, era impossível.


Simas tentou se recuperar do susto, ainda cobrindo a boca, sem permitir-se soltar nem um gemido sequer. Só podia ter imaginado, ele pensou dentro de si mesmo, rindo de sua ridícula alucinação. Aquela visão só podia ser um reflexo da noite mal dormida em que passara pensando em seu passado e relembrando das tantas festas de aniversários e natais que ele passara na casa dos Longbottom, desejando intimamente a esposa de seu amigo.


- É um castigo... - Ele sussurrou, afastando-se das gavetas e tentando fazer com que seus pés andassem mais rápido até a mesa. - Não posso dizer que não mereço... Agora estou ficando maluco.


Simas demorou-se a encarar o rosto de Ana, mas ao fazê-lo quase se arrependeu, porque os olhos ainda estavam lá, bem abertos. Os olhos vidrados e sem brilho algum encaravam o teto. Seu peito se mexia muito devagar, numa velocidade quase imperceptível, como se ela precisasse respirar. Simas estancou os pés no chão branco, obrigando a si mesmo a encarar aqueles olhos de que ele tanto gostava.


Não foi surpresa quando os olhos dela viraram em sua direção, ainda sem brilho e vidrados, mas passando todo o temor que sentia, como se os sentimentos dos ex-colegas de escola funcionassem em espelho. Ana estava com os olhos arregalados colados no rosto de Simas quando seus lábios se separaram um pouco, sibilando palavras sem que precisasse realmente falar.


- Tenho que lhe mostrar uma co * src="includes/tiny_mce/themes/advanced/langs/en.js" type="text/javascript"> isa. - A voz dela saiu de sua boca sem que ela precisasse abrí-la mais do que aqueles milímetros, como se Ana estivesse apenas projetando algum tipo de pensamento telepático que seria reproduzido apenas na mente do policial no necrotério.


- Ana? - Ele conseguiu dizer, esticando a mão sem conseguir tocá-la. Sua mão parecia não querer avançar além dos centímetros que havia se mexido.


- Nós não temos muito tempo. - Ana disse, novamente sem mexer os lábios.


Ela ergueu o tronco, deixando que o lençol encardido caísse de seu tronco, revelando mais do que Simas esperava ver. A figura apática de Ana esticou os dedos, tocando de leve o braço de Simas. A sensação era como a anterior, como se o frio e a solidão daquele lugar estivessem adentrando o corpo dele sem atravessar com muita rapidez nenhuma das camadas de sua pele. Era como se o frio corroesse seus órgãos, sem deixar que ele sentisse mais do que choques espalhados pelo corpo.


Por mais incrível que parecesse, seus olhos conseguir deixar de se fixar na imagem nua de Ana e passaram a prestar atenção ao seu redor, já que algo ainda mais fora dos padrões acontecia ao redor deles. Eles não se moviam, mas as coisas a sua volta tomavam uma velocidade muito maior do que a natural. Em segundos, Simas pode ver passar em sua frente todo o momento em que estivera em frente ao corpo de Ana sem conseguir se mexer e seu terror ao espremer-se contras as gavetas. Assim como os momentos em que estivera acompanhado do médico no aposento e o momento em que entrara no necrotério.


Por um segundo achara que poderia estar voltando no tempo para acompanhar a si mesmo, mas sua peregrinação pelos minutos e horas era ao lado do corpo de Ana. Ele estava acompanhando todos os momentos do corpo dela depois do assassinato, o que mais cedo ou mais tarde, o levaria à cena do crime. Era isso que ela tinha de lhe mostrar... quem era seu assassino! Simas alegrou-se com o pensamento, enquanto via o médico legista e seus jovens formados colocando o corpo recém chegado da mulher, usando uma camisa branca sobre a lingerie, na mesa de autópsia.


Automaticamente, o rosto de Simas virou-se para o corpo pálido e sem expressão da mulher, que agora estava ao seu lado. Como que por mágica ou alguma força sobrenatural, Ana estava vestindo a camisa branca grande para seu corpo, provavelmente de Neville, sobre a lingerie preta com laços de cetim. Os cabelos apareciam meio presos, pendendo sobre o busto. Ele voltou-se para a cena em sua frente.



Agora já não via o necrotério e muito menos a ambulância em que Ana fora carregada e sim um apartamento simples, de grandes janelas cobertas por cortinas de voal colorido. Estava agora ao lado do fantasma de Ana, em pé na sala da casa dos Longbottom. A fantasma continuava apática, sem demonstrar emoção nenhuma no rosto pálido demais, como se estivesse cansada de assistir aquela cena. Simas pode ainda perceber que já não estavam voltando no tempo e sim acompanhando os momentos anteriores ao assassinato de sua amada Ana em tempo real.


Os ponteiros do relógio grande faziam um 'tic-tac' nervoso. A sala estava muito quieta, com as janelas abertas permitindo que o vento, que entrava quente, balançasse as cortinas como numa dança medieval. Simas quase conseguia ouvir sua respiração, e ele estava se concentrando nisso, quando um gritinho fino e quase engasgado cessou o silêncio monasterial da sala. Ele virou-se, nervoso, para o fantasma de Ana, mas este apenas tinha a expressão apática colada em uma das portas escuras que as paredes claras sustentavam.



- Oh! - Simas arfou, mexendo seus pés para adentrar no aposento, mas os dedos gelados do fantasma de Ana o seguraram, automaticamente estancando seus passos.



- Não podemos mexer no passado. - Ela disse, de repente abrindo um sorriso, como se estivesse feliz. Simas rolou os olhos pela sala, esperando ansioso que o corpo ainda com vida de Ana saísse pela porta de onde ainda se ouviam gritinhos. Ele apertou as sobrancelhas, apurando a audição, percebendo, envergonhado, que ela não estava em apuros. Ana estava dando gritinhos de felicidade de dentro do aposento.



Mal Simas piscara e a porta do aposento abrira-se com um toque suave. Ana ainda dava seus gritinhos alegres, mexendo o corpo dourado com uma desenvoltura descordenada. Ela fazia uma espécie de dança da vitória, batendo as palmas das mãos como faziam os ciganos, carregando consigo o que parecia uma estaca de plástico branco.



Continuou com sua dancinha até que alcançou um pedaço de pergaminho sobre uma escrivaninha, buscando uma pena e escrevendo muito depressa em uma letra muito garranchuda um bilhete para o marido. Simas adiantou-se para a escrivaninha, curioso com o que ela escrevia. Talvez fosse uma pista para sua tamanha alegria. A mulher jogou o cabelo para trás, enrolando o papel na pata de uma coruja que, magicamente, aparecera na janela, antes que ele pudesse ver o que estava escrito.



Ana largou a coruja, voltando-se para a sala de estar de sua casa com um sorriso imenso no rosto. Pela primeira vez, desde que o corpo vivo de Ana estava na sala, Simas desviou os olhos de seu rosto vibrante para notar o que ela estava vestindo, dando-se de frente com vestes que ele já vira antes. O homem voltou-se para trás, conferindo que as duas Anas da sala vestiam a mesma camisa grande demais e a lingerie com cetim.



- O assassino deve estar chegando. - Simas sussurrou para si mesmo, voltando para perto do fantasma de Ana, que agora exibia as mesmas expressões faciais da Ana viva. Devia ser algum tipo de reação espelhada, já que aquele fantasma ao seu lado era o espírito da mulher ainda viva revendo a cena de seu assassinato.



Simas mal terminara sua frase, colocando-se ao lado do fantasma, quando batidas nervosas na porta de madeira, que dava acesso ao Caldeirão Furado, acordaram Ana de seus devaneios de felicidade. Ela pulou de onde estava, abrindo um sorriso ainda maior do que aquele que expunha antes. A camisa grande caía de seus ombros, mas ela não se importava, apenas queria abrir a porta e deixar seu marido entrar.



- Porque você veio pela porta? - Ela perguntou, escancarando a mesma e dando-se de frente com uma figura conhecida por ela, mas que não era seu marido. Sua atitude involuntária foi ajeitar sua vestimenta, recolocando a camisa nos ombros e apertando-a no tronco para esconder a lingerie. - Simas? - Sua voz confusa perguntou enquanto o Simas que via a cena de fora se assustou com o chamado de seu nome.



- O que eu estou fazendo aqui? - Ele perguntou numa voz confusa na direção do fantasma, como que desconhecendo sua própria imagem, que agora entrava sem ser convidado na sala dos Longbottom.



O Simas que agora entrara na sala, trazia no rosto uma expressão cansada, como se ele não dormisse, nem descansasse há longas noites. Ele vestia o uniforme policial que o Simas, parado ao lado de um fantasma, não usava desde que fora promovido, há duas semanas. A gravata estava larga e o colarinho aberto. Ele suava e mantinha os olhos arregalados, encarando cada pedaço da mulher assustada em sua frente.



- Simas, eu - Ana começou, tentando esconder as roupas impróprias, mantendo a porta aberta. Ela estava claramente assustada, assim como a fantasma ao lado de um Simas atordoado, que apenas podia assistia a si mesmo.



- Não Ana! Deixe-me falar antes que eu não consiga mais... Eu - Ele a interrompeu, levantando as mãos. - amo você, Ana. Amo desde o primeiro minuto em que a vi. Amo você mesmo antes de conhecê-la! Eu sei que pode parecer uma coisa maluca, mas meu amor por você é maior do que o amor que eu sinto por mim mesmo, ou até mesmo aquele amor que eu sinto pela minha família, você entende? Não... Como você pode entender? Não há como entender o que eu sinto, porque eu preciso demonstrar o que eu sinto e eu estou disposto a colocar todo esse amor para fora e, claro, preciso de você para isso. - Ele disse todo o discurso, que parecia muito bem ensaiado, sem respirar entre as frases. - Eu amo você!



O Simas que apenas assistia bateu com os dedos na testa, amaldiçoando aquela visão com o mais profundo pesar. Desde quando ele teria a coragem e a indecência de chegar à casa dos Longbottom declarando-se para a mulher de seu melhor amigo? Aquela cena nunca acontecera e nunca aconteceria, ele teve certeza, enquanto virava-se para o fantasma de Ana, que mantinha a mesma expressão da Ana ainda viva. Não que agora ele pudesse distinguir, já que a Ana ainda viva tinha a expressão apática que a fantasma, por natureza, tinha.



- Isso é loucura... - Ele refletiu, encarando com descrença sua amada Ana caminhar com lentidão em direção à porta de saída, ainda sem expressão em seu rosto. Era claro que ela sentia medo, isso estava visível no modo como ela mexia as pernas cambaleantes e respirava cuidadosamente.


Ela estava com medo, Simas constatou, andando passos curtos atrás de Ana, assim como o Simas que ele assistia fez. Só que, diferentemente do Simas que ele assistia, o Simas ao lado do fantasma não correu até a porta, trancando-a e jogando Ana para o outro lado da sala. O rosto dele estava marcado pelo cansaço e agora tingido de uma paixão doentia que acuava Ana em um canto da sala de móveis rústicos.



- Simas, eu - Ana começou, choramingando apavorada, afastando-se em direção à parede. - Eu amo meu marido e... Estou esperando um filho dele.



Os rostos dos dois Simas na sala se tingiram ao mesmo tempo com um sentimento que misturava mais do que surpresa e decepção. Ainda existia alguma ponta de raiva e autoridade naquela expressão. Suas vozes saíram graves e chorosas ao mesmo tempo, com a mesma frase. Será que Simas também não notara que seu rosto era um espelho das expressões e sentimentos do Simas que ele assistia, assim como acontecia com o fantasma de Ana?



- O quê?! Grávida?!



- Sim, grávida. - Ana agora chorava profundamente, encostando-se na parede, acuada pelos passos pesarosos que os dois Simas davam em sua direção naquele momento. Os olhos dela se arregalavam e ela tentava jogar as coisas no caminho do ex-colega de escola, tentando inutilmente que ele parasse de andar.



- Eu amo você, Ana! - Apenas o Simas visto por Ana conseguiu segurar o braço da mulher, puxando-a para perto de si, sem a mínima delicadeza. O pedaço de plástico que ela carregava caiu aos seus pés, mostrando-se como um teste de gravidez trouxa com resultado positivo, mostrado pelas listras verticais.



- Você está me machucando! - A mulher chorava, debatendo-se.



O Simas que não a segurava virou-se para o fantasma da mulher, que estava debatendo-se contra uma parede imaginária. O rosto dela se contorcia com dor e medo. Foi como se uma luz iluminasse a cabeça loira de Simas e ele encontrasse finalmente o porquê de o fantasma de Ana ter lhe trazido de volta no tempo e tendo feito com que ele assistisse à cena.



- Fui eu quem a matei...? - Ele sussurrou, temendo qualquer afirmação ou negação do fantasma, que não prestava atenção no que ele dizia. Seu rosto continuava contorcendo-se de dor. Simas gritava, tentando segurar o fantasma, sem sucesso, pois seu corpo gelado era feito de uma matéria gelatinosa que não permanecia em seus dedos.



- Se eu não posso ter você - O outro Simas na sala bradou numa voz tristonha, por entre os soluços de uma Ana que desistira de se debater. O Simas que tentara segurar o fantasma virou-se nervoso. Agora ele sabia exatamente o que aconteceria.



Ele não precisou ouvir o restante da frase que saía dos lábios do outro Simas, apenas virou o rosto quando uma luz fria e verde saiu da ponta da varinha que ele levantara e apontara para Ana, atingindo-a. Algo caiu ao chão com um baque surdo, no mesmo instante em que o fantasma de Ana caiu ao chão, apenas mantendo seus olhos abertos. O teatro acabara. Ana estava morta e Simas finalmente conseguira descobrir quem a matara.



- Eu não posso ter feito isso. - Ele pensou, consigo mesmo, virando-se para a cena que ainda acontecia atrás de si. O outro Simas na sala abaixava-se ao lado do corpo morto de Ana, com os olhos cheios de lágrimas pesadas que pingavam inundando o chão de madeira encerada.


O outro Simas ainda abaixou-se mais para tocar os lábios mortos de Ana com os seus, num ato desesperadamente mórbido. Simas viu a si mesmo apontando sua própria varinha para seu peito... Não precisava ver a cena que viria a seguir, apenas precisava ficar ciente de que seu corpo não bateria com força no chão quando a luz verde o atingisse. Simas fechou seus olhos, apertando os cílios muito forte um contra o outro, implorando para que aquilo fosse apenas um sonho e ele acordasse em seu quarto, sozinho.



- Você tem de acordar! - Ele ouviu a voz apática do fantasma de Ana cochichar em seu ouvido. Não era possível que aquilo tudo fosse verdade... Não podia ser verdade!



- Eu não fiz isso! - Ele gritou, decidido, ainda sem abrir os olhos.



- Você precisa acordar!



- Ana morreu pelas mãos de uma arma trouxa e não por culpa da minha varinha! - Ele argumentou, mantendo os olhos fechados. - O próprio legista me disse quando eu visitei o corpo no necrotério! Eu estou investigando o caso dela! Como poderia ser o culpado por seu assassinato, matando-me em seguida? É impossível!



- Você precisa acordar dessa falsa vida! - O fantasma insistia, mas dessa vez Simas abriu os olhos, vendo-se parado na sala de estar dos longbottom, vestindo seu antigo uniforme policial.



- Do que você está falando?



- Estamos esperando por você, Simas. - O fantasma disse, andando até a porta de saída da casa. Suas passadas eram lentas e tão sem expressão quanto seu rosto pálido e ainda bonito. - Estamos esperando que você acorde dessa vida que seu espírito construiu para se livrar de um trauma. Estamos esperando que você aceite que não pode mais andar entre os vivos!



Simas observou ao seu redor, tendo alguma dificuldade em enxergar graças ao tempo que passara com os olhos apertados. Ou seria culpa de alguma outra coisa que seus olhos estivessem demorando a colocar as coisas em foco? Algumas pessoas entravam no cômodo, entre elas um Neville que gritava, chorando pela esposa e pelo amigo. Será que aquilo era mesmo verdade?



- Quem está esperando? - Ele disse, com a voz baixa e mais calma, observando ao longe a silhueta borrada de Ana cruzar o batente da porta.



- Você está acordando de uma vida inventada, Simas. - Ele ouviu as palavras ao longe, como se Ana estivesse quilômetros longe dele. Sua visão agora era apenas um borrão e ele aos poucos sentia seu corpo caindo em algum buraco sem fundo.



- Eu estou morto...?



Simas proferiu sem tantas dúvidas mais, antes que seu espírito caísse em uma espécie de transe, ainda ouvindo ao longe os gritos injuriados de seu melhor amigo, que perdera a esposa por suas mãos de amor doentio. Era possível que Ana tivesse sido mandada para acordá-lo de um sonho que ele mesmo inventara para que pudesse se desculpar de seus atos desesperados?



Simas finalmente acordara de um sonho projetado por seu espírito para livrá-lo da culpa de ter matado uma pessoa amada. Ele caía ainda mais profundamente naquele transe escuro e borrado, mantendo a pergunta intacta em sua mente: Quem mais esperava que ele acordasse, além de Ana? Uma força maior? Uma espécie de deus? Sua consciência finalmente se calara enquanto seu corpo seguia em um grande túnel, que parecia não ter fim, atrás de uma silhueta conhecida.



Ana o estava guiando.

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