O Principio da Tentação



A sala iluminada apenas por lâmpadas coloridas em verde e azul era tão grande quanto era a sala de redação do profeta diário, mas mesmo assim Susan Bones não estava se sentindo totalmente à vontade, mesmo que estivesse escondida atrás do gravador de voz e da câmera informal de fotografia. Câmera informal de fotografia sem flash ou atrapalharia a sessão de fotos de Basílio, dissera Anne, a assistente.


- Querida?


A voz de Basílio veio de trás da câmera comprida, expressando uma impaciência que fez os pelos do pescoço da única bruxa na sala se arrepiarem, chegando até a modelo. Vestida apenas com um biquíni de estampa psicodélica no centro da sala de ar condicionado um tanto frio, sentada em uma esteira de praia estendida sobre areia falsa, ela agitou os cabelo, fazendo biquinho e olhando na direção da lente.


– Você não quer fazer uma pausa e encontrar o – ele ergueu as mãos, fazendo um sinal referente a aspas. – “eu” para esse ensaio, na outra sala? – Baixou a voz, largando a câmera e segurando uma caneca de café: – Apenas saia da minha frente!


A impaciência e tédio eram visíveis em sua voz e no modo como ele se mexia. Susan viu naquele intervalo um momento perfeito para sua abordagem, que deveria ser rápida e sem perguntas que o incomodassem. Certo, ela tinha entendido. Anne apenas não havia comentado que tipo de perguntas o incomodariam.


- Basílio? – Ela chamou, tímida, esgueirando-se para perto dele, enquanto o homem mexia nas lentes da câmera.


- Repórter iniciante de onde? – O homem foi ríspido, sem nem olhar para ela, prevendo que o tom tímido, as mãos envoltas em um gravador de voz e a câmera informal eram característicos de qualquer repórter amador.


- Jornal da faculdade.


- Faculdade? – Seu tom era vago, mas ele claramente pedia mais informações.


No milésimo de segundo que passou entre a pergunta de Basílio e a resposta da jovem repórter, passaram pela cabeça de Susan milhares de faculdades, das quais podia citar o nome. O sotaque naturalmente inglês a reduzia a algumas centenas e a proximidade com Londres, a apenas algumas.


Porém, ela já havia preparado uma história.


- Oxford. – Mentiu, segurando forte o gravador por dentro dos bolsos. Sempre que mentia, sentia a necessidade de apertar alguma coisa ou de trincar seus dentes. Por algum tipo de milagre, ela conseguiu mentir sem falar entredentes.


- Cherwell? – Ele perguntou, levantando o rosto e a encarando pela primeira vez.


Suas sobrancelhas estavam tão erguidas e a expressão em seu rosto tão descrente, que pareceu a Susan que Basílio sabia que ela estava mentindo. O homem sorriu, mostrando um pequeno pedaço dos dentes amarelados pelo cigarro.


- Sim. – Ela respondeu, apertando o gravador mais ainda. – Estudou em Oxford?


- Fotografia.


Basílio largou a câmera demonstrando agora, um pouco de paciência na maneira como ergueu a cabeça para analisá-la. Os olhos dele vasculharam as roupas, torcendo o nariz para os jeans, mas demoraram-se nos cabelos vermelhos e no dorso bem marcado pela camiseta justa de mangas longas que ela usava.


Se Susan não tivesse quase certeza de que ele não estava fazendo nada além do que fazia todo o dia enquanto tirava fotos de modelos muito bem torneadas, teria se sentido honrada. Ela ainda tinha pura certeza de que Basílio não a estava analisando simplesmente por gostar de mulheres.


O olhar do homem de baixa estatura parou-se em seus cabelos, presos embaixo de uma tiara de tecido escuro. Ele sorriu novamente, tragando seu cigarro mais um pouco, antes de Susan pigarrear no mesmo instante em que ele explodiu em uma pergunta e em um convite, quase irrecusável.


- Você é ruiva de verdade? – Ele bateu as cinzas do cigarro. – Quer tirar fotos para um catálogo?


- Sou ruiva sim, mas eu...


- Está aqui a trabalho. – Ele completou, tragando mais uma vez.


- Sim, estou aqui querendo fazer uma entrevista sobre fotografia com você. – Ela explicou, sentindo cada vez mais idiota por ter que esclarecer o que estava fazendo ali. – Aliás – Ela apertou o REC de seu gravador, esticando a mão para apresentar-se. – sou Susan Bones.


- E eu sou Basílio Hurshey lhe fazendo uma proposta irrecusável.


Susan respirou fundo, tentando ao máximo não ser ríspida e muito menos mal educada com o homem, ou sua matéria para o Profeta estaria arruinada. Não que não existissem outros fotógrafos na cidade, mas Basílio era de longe o melhor e o mais requisitado entre os famosos, e acredite se quiser, o fotografo oficial da família real.


- Ok. – Susan cerrou os olhos, baixando a cabeça, recuperando sua calma. – Eu estou aqui para fazer meu trabalho, mas se isso faz você feliz e se isso pode me garantir uma exclusiva um pouco maior do que o espaço do intervalo, eu faço.


- Uma troca?


- Uma troca. – Confirmou.


- Quer entrar no lugar daquela modelo? – Ele apontou com o cigarro, quase terminado, para a porta dupla de saída da sala.


- Com biquíni não. – Respondeu prontamente.


- Usando roupas. – Disse o homem, levando a caneca de café aos lábios. Susan deixou a cabeça cair para o lado, erguendo os ombros.


- E depois, a entrevista completa. – Ela negociou.


Basílio concordou, baixando a caneca enquanto a garota se afastava. A modelo voltava ao estúdio mal iluminado, ainda tendo no rosto a mesma expressão que tinha ao sair. O fotografo não estava nem um pouco satisfeito com aquilo. A modelo se posicionou, mas ele não voltou a pegar a câmera.


- Cancelaremos por hoje. – Ele disse num tom alto o suficiente para que alguém com problemas de audição escutasse.


- Como assim? – A modelo ergueu-se rapidamente, deixando transparecer em seu rosto toda a decepção que estava sentindo. Seus olhos se apertaram e ela parecia prestes a chorar, mas líquido nenhum saiu deles.


- Você veste suas roupas, a equipe deixa o salão e eu posso beber meu café em paz. – Ele enumerou nos dedos, irônico. – Assim.


- Continuaremos amanhã? – O agente da modelo intrometeu-se, alcançando um roupão para a garota assustada.


- Eu ligo para você.


O agente concordou, mas sabia que as chances de que Basílio ligasse eram exatamente as mesmas de sua modelo conseguir expor outra, que não aquela mesma, expressão sensualmente bizarra. Aos poucos a equipe de Basílio foi se retirando do salão, enquanto ele, sentado em sua cadeira confortável, terminava mais um dos seus cigarros com aroma de laranja. Susan se pôs a sair também, ajeitando o gravador dentro do bolso do moletom, mas a voz estridente do homem a fez parar.


- Você fica. – Ele disse, levantando-se e caminhando muito rápido até a única porta de saída para trancá-la. – Temos uma sessão de fotos prestes a acontecer aqui.


- E uma entrevista.


Susan sorriu, seguindo o homem até uma arara de roupas. Minutos depois, lá estava ela, em pé na frente de um tecido colorido, usando uma blusa justa de mangas compridas. Seus cabelos estavam soltos e esvoaçantes, como ela nunca conseguia deixá-los e a maquiagem era tão natural e tão bem feita que ela não parecia ser a mesma repórter que entrara no estúdio, usando um moletom largo.


 

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