Capítulo único



Existem certas regras que se deve seguir quando se quer ser uma verdadeira dama da sociedade. Primeira regra, só saia da cama arrumada. Uma verdadeira dama está sempre apresentável desde as primeiras horas da manhã. Não há espaços para cabelos desgrenhados, cara limpa ou roupões à mesa do café. Não importa quanto tempo leve arrumando-se, ou quão sofrível é vestir um espartilho, se você sentir falta de ar ao usá-lo é porque está gorda. Merece esta dor! A beleza não é nem por um segundo dispensável.


À primeira regra ela tinha mais que um respeito, uma verdadeira adoração. Ao sair da cama às cinco da manhã sua primeira parada era o banho. Uma hora após muito esmero, shampoos, cremes e mais cremes, Narcisa podia finalmente liberar o toilete para suas colegas de quarto. Então ela passava meia hora escovando os belos e loiros cabelos, num exercício demorado e caprichoso, enquanto suas colegas borrifavam perfumes, catavam sapatos embaixo da cama e ajeitavam as gravatas de qualquer forma antes e corre para o café.


Com o quarto vazio, a Black podia finalmente se ater ao árduo trabalho de escolher o uniforme que usaria naquele dia. Havia vários modelos, alguns feitos especialmente para elas pela adorável Madame Malkin (Narcisa tentara arrumar seus uniformes com estilistas franceses, mas a escola não admitira os esboços). Após ter certeza que as pregas da saia eram simétricas, que a blusa branca estava alva como a neve que caía lá fora, e que a gravata tinha um nó francês, Narcisa arrematava seu visual com os sapatos de salto que comprara em Milão e uma maquiagem suave no rosto de pele de pêssego.


Faltando dez minutos para as aulas começarem Narcisa Black descia as escadas do dormitório Sonserino direto para a sala, comer pela manhã era um sacrilégio. O que nos leva à segunda regra, seja o mais magra possível. Quanto mais magra, mas altiva e respeitável você se torna. Gordurinhas a mais na alta sociedade, só podem ser esbanjadas por matriarcas de 100 anos, e em uma escala aceitável de 50% a menos de sua progenitora na mesma época. Narcisa não se dera ao trabalho de decorar essa parte da regra, afinal sua magreza era inveja de todas em Hogwarts.


Terceira regra, case-se com um ótimo partido. Graças ao bom Merlin, a família Black era uma das famílias puro-sangue mais respeitadas da Inglaterra, o que resolvia metade dos problemas de Narcisa no quesito casamento. Sua altivez e seus modos impecáveis garantiram o restante para ser prometida ao melhor partido da Grã-Bretanha, Lucius Malfoy. Um verdadeiro tesouro no mercado casamenteiro, herdeiro único da maior fortuna inglesa desde os Gryffindors. Existia um adendo muito importante na terceira regra, não ame seu marido. Amar seu marido significaria instabilidade emocional, o que poderia jogar por água abaixo toda uma vida social impecável. Sem amor a tarefa de aturar o casamento é infinitivamente mais simples, já que não lhe incomodará as futuras amantes que seu marido invariavelmente terá.


Quarta regra, seja prendada. Não, você não precisa saber cozinhar. Uma dama da sociedade tem elfos domésticos para fazerem isso por elas, de que lhe valeria então estragar as delicadas mãos nas panelas e assadeiras? Ser prendada é ser dotada de todo entendimento sobre as artes. Saiba tocar um instrumento, de preferência piano ou harpa, saiba admirar uma obra de arte e administrar uma casa como se fosse uma orquestra de Chopin. Narcisa se esforçara nas aulas de piano, ela tinha um dom natural para música, e poder entoar canções com sua bela voz era um bônus importante nas festas da sociedade. Ela estudara detalhadamente as obras de arte dos grandes artistas bruxos da modernidade, e sabia gritar e dar ordens melhor que sua própria mãe, o que deixava a Senhora Black muito orgulhosa.


Narcisa seguia todas as regras da etiqueta e do manual de lady que era. Tinha um futuro brilhante, envolto em festas, chás e compras em paris. Era parte veela, conseguia tudo que desejava, e assim que terminasse a entediante Hogwarts, teria um casamento suntuoso, típico das antigas rainhas. Tudo seria perfeito se não fosse um detalhe. A quinta regra.


Para uma menina bem educada e de uma família influente, a quinta regra já devia estar entranhada em seu ser desde que nascera. Era como parte de sua alma e de sua vida, e nunca deveria ser ignorada. Mas embora Narcisa lutasse como uma leoa para preservá-la, alguma coisa em sua genética a impedia de seguir a quinta regra. Desde auto flagelação a promessas de suicídio, Narcisa tentara de tudo para instalar permanentemente o conceito daquela regra em seu coração e realmente praticá-la.


Mas fora em vão. Quando Narcisa Black entrava na sala de Feitiços, cruzava as pernas elegantemente e se entretia em observar sua pena de falcão real, dentro de si um turbilhão de emoções se confrontavam, seu estômago revirava e sua ansiedade ia a picos inimagináveis. Então seu companheiro de aula sentava ao seu lado, ignorado pela própria prima, o coração dela gelava e ainda assim batia mais rápido que as asas de um beija-flor. Ela deixava seu olhar fluir para o lado, como um criminoso pronto para agir, e então observava o moreno de cabelos compridos, olhos absurdamente negros e corpo musculoso, que ainda cheirava a sabonete.


- Olá Narcisa.- era a única frase que ele lhe dirigiria se pudesse, seco e cheio de desprezo.


- Olá Sírius.- ela tentava responder na mesma moeda, mas sentia sua voz tremer levemente.


 


- Quinta regra: Mantenha distância de tipos desprezíveis e galanteadores, e mais importante: Nunca, NUNCA! NUNCA SE APAIXONE POR ELES!!!


 


Sempre que havia um jogo de Quadribol, Narcisa se mantinha o mais distante do campo. Ela era capaz de passar horas ao piano, apenas para não ouvir os gritos estridentes dos torcedores, tolos que achavam graça em pessoas voando em vassouras atrás de bolas voadoras. Narcisa desprezava o Quadribol, tanto ou mais quanto desprezava o batedor da Grifinória, Sirius Black. A companhia das sinfonias de Bethoven era muito mais agradável que o cheiro de suor dos jogadores.


A loira deslizava seus dedos frágeis pelas teclas do instrumento, com a mesma agilidade que Sirius voava atrás dos balaços, e com a mesma intensidade com a qual ele os rebatia. Durante as partidas entre Sonserina e Grifinória, os gritos atingiam um volume mais alto, o que a fazia fechar os olhos e aumentar a intensidade das notas no terraço sul. Enquanto tocava, ela podia viajar por rostos, paisagens e vestidos. Mas quando a música começava a lhe trazer a voz grave dele em seus ouvidos, e a imagem de seus lábios macios e quentes, ela fechava a tampa do teclado com força e espiava o lago, braços cruzados, cabelos voando no breve momento de liberdade que tinham.


Às vezes ela podia jurar que sentia o cheiro do perfume dele, um cheiro forte e amargo, como o sentimento que infelizmente nutria por ele. Ela tinha um futuro perfeito, traçado nos mínimos detalhes, mas ele insistia em atrapalhá-lo. Não que o primo lhe tivesse dado alguma chance, ou alguma demonstração de afeto. Ele nem ao menos notava a presença dela, apenas aturava a prima metida todas as quartas por duas aulas conjuntas. Apenas duas aulas e praticamente não se viam mais na semana. E como ela esperava por elas.


Sírius e Narcisa estavam já no sétimo ano. Como o primo brigara com a família, nunca o veria em comemorações na casa dos Blacks, ele era considerado a ovelha negra, ou deveria dizer a ovelha branca da família? O que importava é que até mesmo falar com o primo poderia ser uma ofensa a grande família Black, um grifinório defensor de trouxas, um rebelde sem causa que odiava a linhagem a qual pertencia. Talvez por ser tão problemático e inconseqüente, Narcisa se sentia tão atraída por ele. Opostos se atraem, é a física. A bonequinha de luxo e o vagabundo, A bailarina e o mendigo, a lua alva e o mar bravio.


Foi no baile de Natal que algo começou a mudar naquela relação unilateral. Se Narcisa achava que era a única envolvida que sufocava seus sentimentos, suas idéias mudaram drasticamente durante aquele baile fatal. Como boa prometida que era, Narcisa era ostentada por Lucius Malfoy, como mais uma jóia ou anel na sua coleção. Era uma das principais funções de uma dama, ser ostentada.


Conforme a noite passava, e os Whisks de fogo contrabandeados faziam efeito, as ostentações de Lucius começaram a decair de nível, uma mulher deve entender as fraquezas do marido e acatar tudo que ele lhe pedir. Mas isso não se estende aos heróis de plantão. Ao ver como sua prima começava a ser depreciada na roda de sonserinos, os ânimos de Black começaram a se exaltar, e apesar das tentativas dos Marotos para aplacar a ira, o batedor grifinório se dirigiu firmemente até o loiro de sorriso falso e o nocauteou com apenas um soco no nariz empinado.


Era a bandeira verde para que a briga entre sonserinos e grifinórios começasse. Se a rixa já estava bem acirrada desde a derrota da Sonserina na taça de Quadribol, ver o seu “líder” ser nocauteado pelo traidor, era mais do que motivo para apelar para os feitiços aprendidos em casa e os socos de “defesa”. Ser motivo de um duelo na alta sociedade, seria com certeza mais um troféu na prateleira, mas uma briga de selvagens não era nada para se orgulhar. Narcisa saiu da briga rapidamente, corria pela neve de saltos, com uma certa habilidade, mas isso não impedira de cair de joelhos, manchando o belo vestido de tafetá azul, e fazendo a jovem explodir em lágrimas, como raramente se via. Estava acabado, todo seu futuro na sociedade acabado por causa do maldito.


Como se houvesse proferido um feitiço, sentiu seus braços serem puxados para cima, numa tentativa de erguê-la, e depois ter a cintura envolvida por braços fortes e másculos, apoiando-a contra o peito masculino. Ali estava o maldito. Aquele por quem chorava de raiva naquele instante, e ao mesmo tempo que quisera tanto estar em seus braços, o motivo por estar entre eles a fazia querer gritar e arranhá-lo como uma gata arisca.


Finalmente ela encontrou alguma força em seu corpo magro e frequentemente debilitado pela pouca comida que ingeria, e empurrou-o com uma força que surpreendeu aos dois. Sirius olhou-a sem compreender o gesto, mas fora apenas por alguns segundos antes de por sua máscara de rebelde sem causa novamente.


-O QUE VOCÊ FEZ? –ela finalmente gritou irritada.


- O que eu fiz? COMO ASSIM O QUE EU FIZ? EU FUI TE SALVAR!- ele esbravejou, algo dentro dela recuou, mas sua fúria estava maior do que seu senso de proteção.


- ME SALVAR? ME SALVAR DO MEU FUTURO MARIDO? VOCÊ ENLOUQUECEU?


- Aquela escória, seu marido ou não, estava te usando como objeto cabecinha oca. Ele praticamente ofereceu você para os amigos darem um amasso.- ele falava como se explicasse a uma garota de dois anos.


- E o que você tem a ver com isso seu traidor? Você não abandonou sua família pelos sangues ruins? Quem é você pra vir dar uma de irmão mais velho e protetor?- os olhos cinzentos da meio veela faiscavam enquanto despejava todo seu veneno no homem que destruiria seus sonhos.


- Eu... Eu sou mesmo um idiota. Deveria ter deixado que te usassem como o enfeite que você sempre quis ser. Uma prostituta de luxo.- o som do tapa ecoou na madrugada fria, a mão estava marcada no rosto do belo moreno, enquanto Narcisa encarava a própria mão espantada com o ato. É justamente por horas como essa que uma dama não deve amar.


- Eu...eu... Não...Sou...Uma...De...Suas...Prostitutas!- a voz saia falhada, a respiração forte. Ela nem pôde antever o tapa que o homem lhe desferiu na face alva, os olhos brilhando de fúria pela afronta.


- Eu não saio com prostitutas Narcisa, por isso nunca saí com você.- ela se preparou para revidar o tapa, mas a mão forte segurou sua ação de vingança no ar.


- Por que não confessa Sirius? Você estava com ciúmes. Você adoraria ter essa bonequinha de luxo, e não as mulheres que você tem. Você me quer Black. Com toda a sua alma.- ela encarou os olhos negros e frios, e ouviu algo que a deixou em choque.


- Infelizmente Narcisa...- Ele puxou a mão dela, ela sentiu o corpo dele colar-se ao seu- Como eu quero!- ela não pode revidar quando os lábios dele usurparam os seus, e a língua se apropriou de sua boca como uma chama inflamando a lareira. Ela nunca sentira tamanha paixão, ela nunca mais seria uma dama.


Narcisa se casou afinal. Contra a vontade de Sírius, contra a própria vontade, mas ela não podia jogar seu futuro fora. Sírius nunca a perdoaria, mas não a deixara tampouco. Narcisa era como um veneno em suas veias, apropriara-se de sua alma, e por mais que tentasse repeli-la, sempre voltava aos seus braços e à sua cama. Ela não era uma comensal afinal de contas, e tomar o bem mais precioso de Lucius Malfoy compensava-o.


No final das contas, ela se tornara uma dama. Pelo menos assim a sociedade a via, mal imaginavam que a correta Sra. Malfoy, cuja beleza era invejada, e cujo poder e brilho ofuscava até mesmo mãe, tia e irmãs,não seguia todas as regras que aprendera. Não havia figura mais forte que Narcisa Malfoy, na frente de todos, a esposa perfeita, nos braços do amante, uma fogueira em brasa. Era a vida perfeita, a quinta regra estava abandonada para a eternidade. Quem precisava dela afinal? Mas Voldemort matara os melhores amigos de Sírius, o Lord desaparecera como fumaça e o amante fora encarcerado em Azkaban. Seu prazer havia sido cortado, felicidade não durava para sempre. Sobrou-lhe um último desejo realizado... Um filho.


Não importava se era filho de Lucius ou Sirius. Seria criado como um Malfoy legítimo, seria herdeiro de uma fortuna, um homem de fibra e poder. E para ela, seria filho do seu amado, seria o último elo restante daquela relação tumultuada e inflamável. Desejava poder dizer ao primo, mas como comunicar-se com ele na prisão? Impossível. Foram 13 anos até que pudesse receber a grande notícia, ele estava solto. Um fugitivo, mas um homem livre. Finalmente poderia escrever-lhe. Finalmente poderia contar-lhe o que acontecera, do filho que poderia ser dele. Embora temesse que Sírius vestisse a capa de herói e decidisse resgatá-los da Mansão Malfoy, ela precisava contar-lhe. Precisava vê-lo.Mas seria isso impossível. Não sabia onde ele estava, o Lord ressurgira, e sua família agora era a principal aliada. Estavam sob o domínio de um louco poderoso, se a relação entre ela e Sírius aparecesse, com certeza Draco e Narcisa teriam um fim vergonhoso.


A carta ficara em sua caixa de jóias, escondida sob um fundo falso. Não chegara a ficar muito tempo lá, apenas dois anos antes da loira retê-la novamente em mãos. Narcisa leu cada palavra que escrevera ao amado, e saboreou-as amargas e cortantes. As lágrimas da mulher de gelo umedeceram o papel dobrado e até envelhecido. A tinta não manchara, mas aquelas letras, tão belamente desenhadas, nunca chegariam ao seu destinatário. Narcisa amassou o pergaminho nas mãos, seus soluços eram ouvidos pela casa, mas ninguém ousava questioná-la. De joelhos ela se entregou ao pranto enquanto rasgava furiosamente a carta de amor.


Ele estava morto. Morto pela própria irmã. Morto pela insana Lestrange. Morto pelo próprio sangue. Justo agora... Justo agora que ela sabia, que ela enxergava em Draco... Era dele. Draco era filho dele. Ela tinha certeza. Ela podia ver por baixo dos cabelos loiros. Ela podia enxergar atrás dos olhos cinzentos. Havia sírius dentro do rapaz teimoso, havia Sírius por trás das crises de raiva. Havia Sírius... E ela nunca deixaria que algo acontecesse a seu filho. Nem que tivesse que implorar de joelhos.


A mulher ergueu-se obstinada, com um aceno de varinha, os pedaços da carta viraram cinzas. Ela colocou seu melhor vestido negro, e como uma viúva, voltou às tarefas de casa. E nada, nem ninguém faria mal ao que restara de Sírius Black. Nem que precisasse implorar a Snape...E ela implorou!

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