Felix Felicis



FELIX FELICIS


O resto do final de semana foi tranqüilo. A brisa da manhã de sábado se intensificou e na segunda-feira o dia amanheceu mais frio.


Quando cruzei o salão principal junto a meus amigos, nem me preocupei em ver se Severus estava lá ou não. Já estava acostumada à sua ausência.


As aulas que tive pela manhã passaram extremamente rápido. E eu me sentia surpreendentemente feliz com a chegada dos primeiros indícios de inverno. Na hora do almoço, podíamos ouvir o abafado barulho de chuva banhando o castelo.


Animadas, Lilian e eu conversávamos a respeito das aulas de Aritmancia. Ótimo... Uma coisa que tínhamos em comum. Rindo à vontade, lancei, sem compromisso o olhar à porta do grande Salão Comunal e senti um arrepio ao ver Severus, Avery e Mulciber atravessando o corredor. Vinham alegres, com os cabelos encharcados pela chuva. Então, sentaram-se junto à Bellatrix e Narcisa, que se curvavam para evitar as gotas de água que saltavam propositalmente dos cabelos dos garotos.


Senti uma pontada de ciúmes e desejei poder estar lá, rindo ao lado de Snape. Bobagem... Ele me odiava. Mas enquanto o observava com cautela, percebi que havia algo diferente nele aquele dia. Algo mais além das risadas e brincadeiras. Mas eu não sabia o que era. Examinei-o com mais cuidado. Sua pele parecia menos pálida. Concluí que deveria ter sido o efeito da chuva pontiaguda... Além disso, suas olheiras eram agora bem menos perceptíveis, mas havia algo mais. Havia mais alguma coisa diferente nele...


- Hermione, o que você está olhando? – interrogou-me Lilian.


Naquele exato momento, os olhos de Severus lampejaram e encontraram os meus.


Virei-me para Lilian, deixando meu cabelo cair e esconder meu rosto, embora desta vez, eu tivesse certeza de que quando os olhos de Severus encontraram os meus, ele não estava rude nem antipático como da última vez. Só parecia inocentemente curioso e aparentemente contrariado.


- Severus Snape está olhando para você! – riu Lilian à minha orelha.


- Ele não parece estar com raiva, parece? – indaguei, sem me conter.


- Não. Por quê? Ele deveria estar? – perguntou a garota, confusa com minha pergunta.


- Sei lá. Acho que ele não gosta muito de mim.


- Ah... Ele e aqueles amigos dele não gostam de ninguém... Bom... Eles nem ao menos parecem perceber a presença de alguém para gostar. Mas ele ainda está olhando para você.


- Pare de olhar para ele! – sibilei.


Continuei meu almoço em silêncio, enquanto sentia meu estômago dando pulinhos de medo, só de pensar que eu teria de me sentar ao lado de Severus novamente.


Ao sair do salão, precisei me esconder sob a capa para atravessar o pátio e a ponte do Viaduto, mas mesmo assim acabei me molhando. Depois de descer à masmorra através das comprimidas escadinhas em forma de espirais, entrei na sala de Poções. Fiquei aliviada ao ver minha carteira desocupada e me sentei. Tecnicamente, a aula começaria só daqui a alguns minutos, mas o professor dava os primeiros anúncios sobre a aula.


- Como combinamos na última aula, hoje vocês analisarão algumas poções que eu preparei com muita cautela para esta aula. – falou o professor Slughorn, enquanto distribuía alguns frasquinhos pequeninos para cada dupla. – Para isso terão de trabalhar em equipe.


Delicadamente tirei uma caderneta de anotações da bolsa, mantendo, com cuidado, os olhos afastados da porta. Ouvi com muita clareza, quando a cadeira ao lado da minha se moveu, mas meus olhos continuaram cuidadosamente focalizados na caderneta que eu coloava sobre a minha mesa.


- Oi – disse uma voz suave e aveludada.


Olhei para o lado, atordoada ao perceber que Severus estava falando comigo. Estava sentado à maior distância de mim que a carteira permitia, mas sua cadeira estava voltada para mim. Os longos cabelos negros dele gotejavam, despenteados. Seu rosto deslumbrante era simpático e franco. Um leve sorriso pendia em seus lábios impecáveis, mas os olhos eram cautelosos.


- Meu nome é Severus Snape. Não tive a oportunidade de me apresentar na aula passada. E você deve ser Hermione Granger. – continuou ele, confiante.


Minha mente girava de tanta confusão. Como ele poderia estar sendo tão educado agora se há uma semana parecia me fuzilar com os olhos? Eu não podia ter inventado tudo aquilo... E agora ele estava esperando uma resposta. Eu precisava dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Mas não conseguia pensar em nada convencional para dizer. Por isso, desviei o olhar para os frascos sobre a mesa e fingi ignorá-lo.


- Como sabe meu nome? – perguntei, sem vacilar e sem olhá-lo nos olhos.


Aguardei um segundo e voltei a encará-lo. Seus lábios estavam envolvidos em um sorriso suave e encantador.


- Ah, acho que todo o mundo sabe seu nome. Dumbledore anunciou sua chegada no castelo a todos os que quisessem ouvir.


Dei um sorriso duro. Eu já previa este tipo de resposta. Felizmente o professor Slughorn começou sua aula e eu mantive minha atenção em suas palavras.


- Há cinco frascos sobre a mesa. Cada um deles contém uma poção. Vocês terão dez minutos para trabalhar com seus parceiros e não deverão usar seus livros. Quero que examinem as poções e rotulem-nas. Podem começar!


Imediatamente aproximei o primeiro frasco e comecei a analisá-lo. A poção em seu interior era incolor e borbulhava feito água fervendo. “Ah... Muito fácil” pensei.


- Hum... Simples demais... Esta é Veritaserum. Apesar de não possuir cor nem odor, força quem a bebe a revelar a verdade, e se for preciso... Os segredos mais íntimos também. – falou Severus, antes que eu pudesse responder.


Por um instante pensei ter visto indícios de malícia em seus olhos, quando ele disse as últimas palavras. No entanto, tive certeza de que ele percebeu minha irritação quando semicerrei os olhos. Olhei rapidamente para o segundo frasco, e reconheci imediatamente aquela poção com aspecto de lama.


- Poção Polissuco: uma das poções mais complexas conhecidas atualmente. É capaz de fazer com que uma pessoa assuma a forma de outra, temporariamente. Seu efeito dura uma hora. – falei, determinada, desta vez, antes que ele pudesse responder.


Severus olhou-me com uma expressão aprovadora, porém desnecessária. Eu já sabia que estava certa.


- A próxima é conhecida como Poção Apimentada. – disse ele, olhando de soslaio para o terceiro frasco, que continha uma poção prateada. – Cura resfriados comuns, rapidamente. Tem o efeito de fazer as orelhas fumegarem.


- Felix Felicis – falei, imediatamente, referindo-me à penúltima poção, cor de ouro derretido. – sorte líquida. Bastante perigosa quando ingerida em excesso.


Severus aprovou-me mais uma vez. E em seguida puxou para perto de si o último frasco, cuja poção de brilho perolado eu já reconhecera. Abriu-o lentamente e um vapor começou a subir em formato de espirais. Eu estava prestes a dizer o nome da poção, quando vi sua expressão mudar. De repente ele ficou mais pálido e começou a se afastar, o máximo que pôde do frasco. Logo, empurrou-o para longe e torceu o nariz, como que sentindo repugnância por aquela poção.


- Sua vez, Severus... – desafiei-o, em tom indiferente, ignorando seu aparente mal-estar.


Snape esforçou-se para olhar para mim. Não parecia estar muito bem.


- Lamento. Não sei. – falou secamente.


Eu acho que deveria ter ficado contente, mas não fiquei. Não era possível que aquela poção lhe causasse tal reação.


- Amortentia. – falei com prudência. – A poção do amor mais poderosa do mundo. Tem um cheiro específico para cada um de nós, de acordo com o que nos atrai. – ele me observava atenciosamente. – Eu, por exemplo, sinto cheiro de...


- Tempo encerrado, garotos. – interrompeu o professor. Enquanto isso, Severus tratava de fechar o frasco que lhe trazia tanta aversão. - Deixe-me ver... Muito bem! Ótimo trabalho... Conseguiram nomear três das cinco poções... Tenho certeza de que irão se sair melhor da próxima vez. – disse o mestre de Poções a uma dupla do outro lado da sala.


Ele analisou todas as duplas, e ninguém conseguira nomear todas as poções, apenas nós dois.


- Excelente, senhorita Granger... Senhor Snape! Formam uma dupla maravilhosa. Vou me lembrar de mantê-los sempre juntos!


Severus e eu nos entreolhamos. Ele parecia um pouco receoso. Sua postura confiante e simpática havia sido um pouco afetada depois que ele abriu o frasco com Amortentia, mas mesmo assim ele parecia mais amigável do que na última vez.


O professor Slughorn parou à frente da classe.


- Muito bem... Como puderam perceber, as poções que acabaram de analisar eram, respectivamente, Veritaserum, Poção Polissuco, Poção Apimentada, Felix Felicis e Amortentia. – e prosseguiu com um discurso a respeito de cada uma delas. – Gostaria, pois, de ressaltar esta penúltima. A Felix Felicis é uma poção extraordinariamente difícil de se fazer e que pode causar muitos problemas se for produzida de maneira incorreta, mas presumo, que com um pouco de dedicação e prática, cada um de vocês conseguirá produzi-la até o término deste ano letivo. – prosseguiu ele. – Hoje, no entanto, para compensar o brilhante trabalho da senhorita Granger e do senhor Snape, vou bonificá-los com um frasco desta poção.


De repente, o professor estava entregando um frasco de Felix Felicis a cada um de nós. Vibrei com a surpresa. Eu nem imaginava aquilo... Tampouco sabia quando iria ingerir a poção...

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.