2 a 5 de Novembro

2 a 5 de Novembro



Capítulo 11
de 2 a 5 de novembro


Dia 35, Segunda


Eles não deveriam ter tentado ir para a aula, Draco pensou enquanto se apoiava na parede, os pensamentos lentos e desfocados. Deveriam ter ido direto da Grifinória para a ala hospitalar. Ou talvez de volta para o dormitório.


Por que não tinham feito isso?


Porque… porque Potter havia dito que eles precisavam tentar. Ele tinha dito… algo sobre a enfermaria ser fácil demais, que seria admitir que estavam se entregando.


E por que isso seria tão ruim assim?


Por deus, Draco nem conseguia se lembrar. A parede que seus dedos tocavam era fria e dura. Ele estava debatendo consigo mesmo e nem se lembrava mais o motivo.


Ir para a enfermaria era ruim porque… porque eles não queriam desistir. Certo.


Por que não podiam voltar para o dormitório ao invés de ir para a aula de Poções?


Porque aí eles iriam querer fazer sexo e acabariam desmaiando e ninguém conseguiria encontrá-los e…


E por que mesmo isso era ruim?


Que se dane, ele não sabia.


Deveria ter discutido com Potter. Como é que fora deixar Potter convencê-lo a tentar ir para a aula? Mas estava em território Grifinório, cercado por eles, e os outros pareciam temerosos, mas basicamente queriam dar razão ao precioso Harry, que queria ir para aula. O sonserino não tinha forças para lutar contra todos eles. Além disso, pensou que talvez os outros estivessem certos e que os dois conseguiriam.


Mas era uma má idéia confiar em grifinórios em qualquer situação, menos ainda pensar que eles poderiam ser racionais a respeito de Potter. Eles amavam Potter, acreditavam que ele podia fazer qualquer coisa. Mesmo Weasley, Longbottom e Thomas tendo levado meia hora só para conseguir tirá-los da cama, os grifinórios queriam acreditar que aquilo não tinha importância, porque se Harry havia dito que conseguiria, Harry conseguiria, porque Harry podia fazer qualquer coisa.


Grifinórios idiotas, não faziam idéia de que Harry mal se agüentava de pé. Eles não tinham um elo para sentir o que o grifinório sentia e não tinham o bom senso que deus dava mesmo ao sonserino mais tapado. Não tinham o menor senso de realidade.


E eles estavam cara a cara com a realidade há dias. A realidade era que os dois mal haviam ficado acordados no dia anterior, que os esforços do Esquadrão de Prevenção do Sono — como eles tinham, de maneira muito grifinória, se batizado — tinham sido insuficientes para mantê-los acordados depois das oito da noite. A realidade era que naquela manhã ele e Potter estavam tão exaustos que mal conseguiram se vestir, e Seamus Finnigan tinha inventado algum motivo para sair do quarto enquanto os outros três tentavam fingir que não se importavam de vê-los deitados na cama juntos, nus como nos dias em que vieram ao mundo e cansados demais sequer para puxarem os lençóis e se cobrirem. Se aquilo não era a realidade, Draco não sabia o que era.


Deveria ter discutido mais. Ou pelo menos discutido um pouco. Porque só a discussão em si iria deixar Potter cansado. E Potter havia conseguido vencer quase todo o corredor até a sala de Poções, mas agora, quase chegando, tinha parado, se encostado contra a parede e fechado os olhos. E Draco não tinha escolha se não parar e esperar por ele, enquanto o resto dos grifinórios continuava andando.


"Potter". Draco o puxou para longe da parede. "Anda".


Potter balançou a cabeça e seus olhos estavam cansados quando ele encarou Draco e começou a escorregar devagar pela parede.


"Não, Potter, vamos. Pare com isso!"


Nenhuma resposta, só os olhos de Potter fechando enquanto ele atingia o chão. Draco se inclinou um pouco para baixo.


"Que droga, Potter, eu não vou conseguir te carregar, eu mal consigo ficar de pé. Levanta!"


Potter não se mexeu.


Oh, Merlin.


Não, aquilo não podia estar acontecendo. Aquele não podia ser o fim.


Que droga, que se danasse o bom senso sonserino, ele precisava daquela fé grifinória idiota de que Potter poderia fazer qualquer coisa, porque talvez se ele acreditasse o suficiente, se tornaria verdade. Porque ele precisava que Potter levantasse e continuasse a andar, precisava que ele não desistisse… o sonserino olhou para a sala de poções, esperando que alguém aparecesse para ver por que eles não estavam lá. Pansy ou Blaise… ou Granger, Weasley, qualquer um.


“Potter!”, Draco disse meio desesperado, sem obter resposta alguma.


Por deus, não.


Ele tentou limpar sua mente, reunir forças, pensar no que fazer. Mas era tão difícil… e ele estava tão cansado… e Potter, o desgraçado, havia falhado. Que belo papel para o herói do mundo bruxo, para o Garoto-Que-Sobreviveu, que podia fazer qualquer coisa — de repente, a frustração e o medo de Draco superaram seu cansaço, e ele se afastou da parede, a fúria lhe dando energia renovada.


"Seu maldito grifinório!". Ele chutou Potter, que sequer reagiu. "Levante!". Ouviu um barulho vindo da sala de aula e chutou Potter de novo, e então deu um soco forte na parede. "LEVANTE!"


Potter gemeu, incapaz de reagir de outra maneira, e a raiva de Draco morreu tão de repente quanto havia surgido. Ele escorregou pela parede, se ajoelhando ao lado de Potter, mal registrando os sons de passos apressados. "Potter, anda. Por favor… por favor, levante". Ele começou a chacoalhar Potter pelo braço. "Acorda, vai, por favor-"


Weasley apareceu do lado dele, Granger logo atrás. "Seu filho da mãe! Qual é o seu problema?". Ele agarrou Draco pelo braço e o afastou de Potter, que começou a tremer e tentou se aproximar dele de novo, os olhos verdes abertos agora, mas completamente vazios e desfocados. Draco ofegou pela queimação do contato com as mãos de Weasley, tentando se desvencilhar dele.


"Ron! Isso machuca Harry também!", Granger o puxou para trás e os dois se abaixaram, parecendo desolados. Draco segurou a mão de Potter, que se arrastava no chão cegamente tentando alcançá-lo. Ele olhou para cima e se concentrou em Granger.


"Granger. Chame Pomfrey. Ele precisa de ajuda-"


"É claro que ele precisa de ajuda, seu idiota — você estava CHUTANDO ele-"


"Não, não é isso — ele precisa de ajuda… ele está… eu não consigo… — chame Pomfrey, ele precisa… não, shhh", ele murmurou no ouvido de Potter, e o puxou para mais perto, o segurando fracamente e abafando seus gemidos semi-conscientes. "Nós vamos para o hospital, nós vamos ficar bem, shh...". Ele olhou de novo para Granger. "Por favor, chame Pomfrey-". Granger acenou para Weasley, que saiu correndo.


"Seu cretino!", Granger gritou furiosamente para Draco. "Como você pôde?"


Draco não se deu o trabalho de respondê-la, apenas abraçou Potter, que se agarrava a ele desesperadamente, sem perceber a multidão de alunos que saía das salas de aula e se juntava ao redor deles. Maldito Potter por desistir bem no meio do corredor mais movimentado da escola em uma segunda-feira de manhã.


"Shh...", ele fechou os olhos, abraçando Potter mais forte e tentando se livrar das ondas de náusea e fraqueza que invadiam os corpos de ambos. "Nós vamos ficar bem logo", murmurou, e Potter, quase inconsciente, respondeu alguma coisa. Ele afagou o cabelo de Potter, a mão tremendo, e Granger soltou uma exclamação de surpresa.


"Malfoy- sua mão", ela disse. "Você está bem?"


"Eu pareço estar bem?" respondeu Draco. Grifinórios… francamente.


"Você está- você está sangrando", comentou Granger. Draco confirmou com a cabeça.


"Hmmm… eutôbem", disse ele, começando a sentir seu corpo entorpecer.


"Não… espere, eu acho melhor que você não… Madame Pomfrey disse que vocês não podiam se entregar, não é bom… Malfoy! Fique acordado!"


Parecia que ela estava preocupada com alguma coisa, Draco pensou vagamente, mas era difícil entender quando tudo ao redor estava ficando embaçado e o mundo se resumia a ele, Potter e o abençoado cansaço que os chamava…


"Malfoy! Harry!", Granger estava começando a entrar em pânico. Ela segurou Draco pelo ombro, e ele ofegou de dor e abriu os olhos. Qual era o problema dela?


"Draco? Draco!", a voz desesperada de Pansy estava vindo de algum lugar. Provavelmente, ela já estava na aula de poções quando tudo aconteceu, mas Draco não sabia dizer onde ela estava agora-


"Malfoy!", Oh, graças a deus, aquela era a voz de Pomfrey. "Tudo bem. Vamos, levante, vamos para a enfermaria".


"Ele não vai conseguir, os dois estão exaustos, não conseguem nem ficar de pé mais-", Granger estava gaguejando.


"O que vocês estão olhando?", Draco ouviu de longe a voz de Pansy estrilar. "Será que nenhum de vocês tem outro lugar para ir? Goyle-"


"Todo mundo, FORA!", Goyle gritou, e Draco percebeu os sussurros e barulhos de muitas pessoas se mexendo. "Primeiroanistas idiotas- SAIAM! Caiam FORA!"


"Todo mundo, a não ser Granger, Parkinson, Weasley e Goyle, voltem para suas salas de aula!" gritou Pomfrey.


"O que eles têm?", perguntou Pansy.


"Eles precisam voltar para o hospital, e não de um monte de fofoqueiros os espiando — eu não estou falando de você, srta. Parkinson, pelas barbas de Merlin — vocês dois, ajude-os a levantar-", e o braço de Draco quase explodiu de dor quando alguém que não era Potter o tocou. "Sim, eu sei que isso machuca, não tem outro jeito e irá mantê-los acordados. Sr. Potter, você vai ter que levantar- sim, eu sei que isso dói mais ainda, e é uma pena-"


Draco tentou se impedir de gritar alto quando Goyle o ajudou a levantar e passou seu braço pelo ombro dele. Era como se um lado de seu corpo estivesse em chamas. Não conseguiu evitar pequenos gemidos de dor, ele estava queimando-


"Quanto mais rápido chegarem lá, mais rápido vão poder se afastar deles. Vamos", Pomfrey disse rispidamente, e Draco se perguntou se teria como seu pai conseguir que ela fosse demitida assim que estivesse melhor, por tratá-los como garotinhos fazendo birra quando a verdade era que os dois tinham que escolher entre a agonia de tentar andar e a agonia de serem praticamente carregados por Weasley e Goyle.


"Isso está machucando Draco!", disse Pansy, preocupada. "Você não pode levitá-lo?"


"Para isso seria necessário petrificá-los, o que a curandeira quer evitar", Pomfrey respondeu. "Sr. Malfoy, quando você chegar na enfermaria, poderá ficar sentado e sem ser tocado por ninguém. Agora, mexa-se".


Sentar. Sem toques de ninguém. Exceto da única pessoa que podia fazê-lo sentir-se um pouquinho melhor. Valia a pena o esforço de suportar a dor e a tontura.


Não que ele tivesse outra escolha.


ooooooo


Hermione ficou tensa e se aproximou de Harry quando Lucius e Narcissa Malfoy entraram na ala hospitalar. Ela desejou poder tocar Harry, fazê-lo saber que, mesmo que ele não tivesse pais para visitá-lo, havia pessoas que o amavam junto a ele. Ela e Ron estavam ao lado da cama há horas. Mais cedo, Neville e Ginny e um monte de outros alunos e professores haviam aparecido, até que Pomfrey expulsou todos, menos Ron, Hermione, Pansy Parkinson e Snape.


Infelizmente, Harry tinha intercalado entre períodos de consciência desde que chegara no hospital, mas agora passava a maior parte do tempo inconsciente.


Narcissa cobriu a boca com a mão quando se aproximou de Malfoy e olhou para ele. Hermione seguiu seu olhar, se perguntando como seria vê-lo da mesma perspectiva de uma mãe — e ficou imediatamente agoniada. O rosto normalmente pálido estava tão sem cor que as sombrancelhas loiras pareciam quase escuras em comparação. A pele estava translúcida, frágil, quase incorpórea. A respiração era tão fraca que parecia inexistente. Hermione olhou para Lucius Malfoy.


Lucius não demonstrava sentimento algum.


Hermione voltou a olhar para cama, surpresa por ver que Malfoy se mexia.


"Eles disseram que você estava inconsciente", Narcissa murmurou quando ele abriu os olhos e abaixou do lado do filho, espalmando as mãos junto ao peito, claramente tentando impedir-se de tocá-lo.


"É...", Malfoy disse, a voz distante, se concentrando nela com dificuldade. "Ouvi vocês... entrarem".


"Draco, o que aconteceu?"


"Estávamos indo para a aula...", Malfoy se interrompeu, fechando os olhos, o esforço de falar parecendo ser demais.


"Eles estão perdendo energia constantemente nos últimos dias", disse Snape. "Conseguiram levantar essa manhã, mas não agüentaram chegar na sala".


"Por que nós não fomos informados de que a situação era tão séria?", Lucius perguntou, os olhos fixos no filho e a voz perigosamente baixa.


"Seu filho não queria preocupá-los", Pomfrey disse, acenando com a varinha para mover algumas cadeiras para perto da cama para os Malfoys sentarem. "E não haveria nada que vocês poderiam fazer. Nós estávamos — estamos — nos esforçando ao máximo para descobrir o que está acontecendo e ajudá-los".


"O que vocês descobriram até agora?", Lucius perguntou, ignorando a cadeira, ainda olhando para Malfoy, cujo rosto havia se virado na direção de Narcissa.


"Nós temos algumas idéias", disse Pomfrey. "A curandeira Esposito e a auror Pantere lhes darão mais informações depois". Pomfrey limpou a garganta. "Nesse exato momento, seu filho precisa de você. Por favor, sente-se perto dele".


"Meu filho está quase inconsciente e não faz idéia de que nós estamos aqui", Lucius respondeu rudemente, lhe lançando um olhar severo. "Ele mal consegue formar uma frase coerente. Eu gostaria de saber o que está acontecendo".


"Você irá, assim que todos nós estivermos presentes".


"‘Nós’ quem?"


"Todo mundo envolvido nesse caso. Estamos esperando por Remus Lupin e pelo professor Dumbledore".


"O lobisomem! Mas-"


"Papai…", Malfoy disse de modo fraco, e Hermione se assustou um pouco. Nunca tinha ouvido o outro chamar Lucius de nada além de pai ou senhor. "Por favor. Apenas... sente."


Lucius imediatamente foi para o lado do filho. "Draco, por que você não nos disse-"


"Lucius, não é hora para isso", Narcissa disse em voz baixa. "Draco... como você está?"


"Péssimo", Malfoy murmurou fracamente, os olhos cinzas desfocados.


"Bem, nós estamos aqui. Nós estamos aqui, querido", disse ela, os olhos se enchendo de lágrimas.


"Oh, droga, mãe, não", ele respondeu, se virando. "Não-", ele enterrou o rosto contra o ombro de Harry, respirando fundo para se acalmar. Narcissa concordou com a cabeça e passou as mãos pelos olhos rapidamente, secando as lágrimas. Lucius sentou na cadeira ao lado da esposa, seu olhar frio passando pelas pessoas reunidas ao redor de Harry e Malfoy, ignorando Hermione e Ron e se focando em Parkinson e Snape.


"Por que você não me informou da gravidade da condição dele?", ele perguntou para Snape, mantendo a voz baixa.


"Eu não sabia da extensão do que estava acontecendo até hoje. Tinha presumido que a situação estava sob controle-"


"Era para você estar monitorando o meu filho".


Snape concordou com a cabeça. "Eu deveria ter sido mais atento. Peço desculpas".


"Os grifinórios sabiam", Parkinson disse com frieza. "Mas eles acharam que não valia a pena contar para mais ninguém".


Lucius e Narcissa encararam Hermione e Ron acusatoriamente, e Hermione sentiu Ron segurar sua mão.


"E o que vocês fizeram?"


"A curandeira disse que deveríamos tentar mantê-los acordados tanto quanto possível", Hermione disse. "Nós tentamos, mas-"


"Por que vocês não disseram nada para os amigos de Draco?", Parkinson perguntou com raiva. "Nós poderíamos ter ajudado-"


"Nós estávamos fazendo tudo o que podíamos", Ron respondeu.


"Só vocês dois?", ela desdenhou. "Talvez se vocês tivessem ajuda, poderiam ter-"


"Estávamos em seis!"


"Seis?", Parkinson exclamou. "Todos grifinórios, eu imagino? Vocês não acharam que os amigos de Draco mereciam saber-"


"Olha, o Malfoy não-"


"… não queria preocupar vocês", Hermione interrompeu. "Eu acho que nenhum deles percebeu como as coisas estavam piorando".


Lucius a encarou com um olhar enervantemente calculado, e ela apertou a mão de Ron de novo, tentando comunicar que ele realmente não deveria abrir a boca. E então a atenção de Lucius se voltou para o filho, e Hermione desejou saber o que ele estava pensando. Ele estava irritado por Malfoy ter escondido a gravidade de sua condição de todo mundo? Satisfeito por ele não ter confiado nos outros sonserinos? Com raiva por, aparentemente, ter confiado em grifinórios?


"O que as curandeiras disseram?", Narcissa perguntou. "O que está causando isso? Tudo que nos disseram era que o elo estava fazendo os dois se sentirem cansados".


"Erm...", Ron começou. "Bem... eles, eles – quando, hmmm-"


"Eles se sentem cansados depois de fazer sexo", Hermione disse de uma vez.


Parkinson rodou os olhos. "Bem, quem não se sente?", perguntou, impaciente. "O que isso tem-"


"Não, eles se sentem cansados demais. E descansar não ajuda. As coisas só ficam piores. Por isso que estávamos tentando mantê-los acordados".


"Então por que estão deixando que eles durmam agora?"


"Isso é o mais conscientes que eles conseguem ficar. O curandeira e Madame Pomfrey estão dando todos os tipos de poções que podem ajudar, lançando feitiços-"


"Sr. e sra. Malfoy?", Pomfrey chamou. "Estamos todos aqui". Ela apontou para o pequeno escritório na ala hospitalar, onde Remus Lupin acabara de entrar.


Lucius curvou os lábios em desgosto. "Ah, sim, o lobisomem achou apropriado aparecer". Ele levantou, e acenou para Narcissa e Snape seguirem-no.


"Não, Lucius, eu quero ficar aqui", Narcissa disse, sem tirar os olhos do filho. Ele concordou e se virou na direção do escritório, parando, surpreso, quando Hermione levantou e Snape deu um passo para trás para permitir que ela entrasse.


"O que-"


"A senhorita Granger também vai para a reunião", Snape disse de modo neutro. Lucius levantou uma sobrancelha em desdém.


"Que sorte que o sr. Potter tem", ele zombou. "Trouxas ausentes, um lobisomem e uma adolescente como figuras paternas".


"Não estou aqui como figura paterna", disse Hermione. "Estive ajudando a curandeira nas pesquisas, e ela pediu que eu lhe acompanhasse para apresentar o que nós descobrimos até agora".


Hermione teve que se lembrar que era completamente inapropriado que se sentisse satisfeita pelas expressões ultrajadas nos rostos de Lucius e Narcissa Malfoy.


ooooooo


Dia 36, Terça


"Escute, o senhor não pode-", Pantere estava dizendo no dia seguinte, enquanto ela e Esposito seguiam Lucius e um homenzinho em trajes de curandeiro pela ala hospitalar. Ron, Narcissa e Snape olharam para a cena.


"Nós vamos levá-lo para casa", Lucius disse para Narcissa de modo breve.


"O quê?", Ron e Snape disseram ao mesmo tempo enquanto Narcissa concordava nervosamente e levantava devagar.


"Sr. Malfoy-" Esposito começou.


"Não se meta", Lucius disse para Pantere quando ela se pôs entre o novo curandeiro e a cama.


"Você não vai remover esse garoto da escola", Esposito disse. "Ele precisa ficar aqui, onde nós podemos ajudá-lo-"


"Ele não está a salvo nessa escola", Lucius respondeu friamente. "Só durante esse ano, Draco recebeu esse maldito feitiço, acabou no hospital porque ninguém estava monitorando para ter certeza que ele e Potter não fariam nada estúpido, quase foi morto em uma briga e agora está morrendo por culpa de uma maldição que ninguém sabe a cura". Ele gesticulou com as mãos. "Minha família pode pagar curandeiros que irão lidar com essa situação muito melhor do que qualquer um aqui. Estou levando-o para casa".


"Você não pode levá-lo sem Potter", Pomfrey retrucou, se unindo a eles na beira da cama. Ron engoliu a seco e ficou de pé, segurando a varinha com firmeza para defender Harry caso Lucius tentansse alguma coisa.


Lucius lançou a Pomfrey um olhar cortante de desprezo. "Mas é claro que eu levarei o sr. Potter também".


"De jeito nenhum você receberá permissão para levar Harry Potter para sua casa, sr. Malfoy," Pantere comentou calmamente. "O senhor deve imaginar isso. As acusações que existem contra o senhor seriam suficientes para-"


"Eu irei recorrer à Corte Suprema dos Bruxos para-"


"Você irá nos fazer perder um tempo valioso nos tribunais, tempo que poderíamos passar tentando curá-los ou tentando encontrar quem fez isso".


Harry se mexeu, e Ron rapidamente foi para perto dele, perdendo a linha da discussão. Ele e Pomfrey se certificaram que Harry estava acordado e consciente do que acontecia. Que hora mais apropriada, Ron pensou. Acordar para descobrir que Lucius Malfoy quer te remover para a Central dos Comensais da Morte.


"O que está acontecendo?", Harry sussurrou.


"Nada, só o pai do Malfoy sendo um idiota. Não se preocupe".


"Seja razoável, Lucius-", Snape estava dizendo, e Lucius estreitou os olhos para ele e mudou de tática.


"Certo, então. Ele irá para St. Mungus. Tenho certeza de que lá pode ser considerado um lugar ‘razoável’, não?"


"Ele vai ficar aqui. Os dois vão ficar aqui", Pomfrey disse firmemente.


"Vocês não têm autoridade para manter Draco aqui. Ele é maior de idade. Se estivesse consciente, poderia escolher para onde ir, e ele escolheria ir para St. Mungus".


"Mas eu não", disse Harry fracamente.


Lucius o ignorou. "Não há motivos para que eles dois não sejam levados para St. Mungus-"


"Além do fato de que seus curandeiros particulares provavelmente iriam querer testar todas os tipos de artes das trevas que não não seriam permitidas em Hogwarts", disse Pomfrey friamente. "O que eles estão prontos para usar? Sangue de unicórnio? Coração de fênix? Alguma outra coisa que irá salvar a vida deles a um preço que pelo menos Potter não estaria disposto a pagar?"


"Fique quieta", Lucius recomendou perigosamente.


"Você não pode me levar para St. Mungus", Harry disse baixinho, se sentando na cama.


"Eu posso levar o meu filho", Lucius finalmente se dirigiu a Harry. "Se você escolher ir ou não, não é problema meu".


"Mas é um problema para Draco, Lucius", argumentou Snape. "Se você separá-lo de Potter-"


"Há maneiras de se livrar do elo", Lucius cortou. Ron olhou para Esposito, surpreso, e ela concordou com a cabeça, como se esperasse por aquilo.


"Sr. Malfoy", Esposito respondeu com uma paciência forçada. "A maioria das pessoas sequer sabe que isso é possível, e por um bom motivo. Tal medida só é apropriada quando os cônjuges estão em perigo mortal-"


"Que é precisamente o caso aqui".


"'Perigo mortal' significa 'prestes a morrer'. E não ‘recebendo cuidados médicos que o senhor considera inadequados’. Quase nunca se tenta destruir um elo desse jeito porque, mesmo com todas as precauções, o resultado geralmente é a morte de um ou dos dois cônjuges".


"Pode ser feito", Lucius repetiu teimosamente.


"Sim, pode. E muito provavelmente mataria o sr. Potter e até mesmo eles dois".


"Assim como continuar aqui. Eu prefiro arriscar".


"Arriscar pode matar os dois", Pantere interrompeu. "Mas talvez seja isso que o senhor queira".


"O quê?"


"Nossa teoria é de que o feitiço foi lançado por um Comensal da Morte, para matar o sr. Potter. Não seria conveniente se as suas ações fossem a causa dessa morte? E o senhor poderia argumentar que só agiu assim para salvar seu filho".


"Como você ousa?"


"E o senhor não se importa que isso colocaria seu próprio filho em perigo?"


Lucius parecia sem fala.


"Parem com isso", Harry interrompeu. "Ele pode ouvir vocês".


"O quê?", Pantere olhou para Harry e Malfoy, confusa.


"Os dois relataram durante os momentos de lucidez que às vezes podem ouvir o que acontece ao redor, mesmo que não consigam responder", Pomfrey explicou para Pantere. "Nós não sabemos se o senhor Malfoy pode ouvir ou entender o que você está dizendo para o pai dele nesse exato momento. Mas não quero que você aborreça meu paciente acusando o próprio pai de estar disposto a matá-lo".


"E eu não irei dignar essa acusação com uma resposta", Lucius acrescentou. "Estou levando meu filho para St. Mungus. Agora".


"Você não pode dizer com certeza que Draco escolheria ir para lá se pudesse", Pantere disse.


"Draco está inconsciente, ele não pode tomar decisões sozinho. Eu sou pai dele e eu digo que-"


"Você não é o parente mais próximo dele", Harry disse devagar. "Eu sou".


Houve um longo silêncio.


Ron engoliu a seco de novo e foi para mais perto de Harry. Harry havia dito uma vez que tivera certeza de que Lucius Malfoy iria lançar-lhe uma Avada Kedavra quando fez com que ele libertasse Dobby. Olhando para o rosto do homem agora, Ron conseguia acreditar naquilo. E Harry estava completamente indefeso.


Na verdade, não totalmente indefeso. Além das pessoas ao redor, prontas para se colocarem entre ele e Lucius, a grande ironia era que a maior proteção de Harry contra Lucius Malfoy naquele momento era o próprio Draco Malfoy.


"Ele tem razão, sr. Malfoy", Pomfrey disse, por fim. "O senhor não é mais a pessoa com poder de decisão para falar pelo seu filho quando ele não pode se pronunciar. Potter é".


"Isso é ridículo. Não é nem um elo adequado-"


"Isso não importa".


"Eu vou levar meu filho para um lugar onde ele possa ser ajudado-"


"Não", Harry o interrompeu. "Ele não vai".


"Você sabe que ele iria querer ir".


"Ele não pode dizer isso nesse exato momento", Harry respondeu, e Ron se perguntou se Harry achava que Malfoy escolheria ir ou ficar. Mas não importava.


"Eu irei entrar com uma ação na justiça-"


"Lucius… nós não podemos ganhar essa", Narcissa disse suavemente. "Eu... eu não gosto disso mais do que você, mas acho..."


Lucius encarou a esposa em silêncio, e depois o filho. Ele bufou enquanto visivelmente tentava retomar o controle.


"Muito bem", ele disse. "Então eu irei usar os recursos da minha família para tentar encontrar quem lançou o feitiço. Narcissa, fique aqui para o caso de ele acordar, e então pergunte o que ele quer fazer. Fique preparada para levá-lo imediatamente. E eu espero que você", ele dirigiu-se a Snape, "fique aqui também, para servir como testemunha". Ele olhou para o curandeiro que havia trazido, apontou com a cabeça para a porta e caminhou para fora do quarto sem olhar para trás.


Narcissa Malfoy voltou a sentar, tremendo, e Snape tocou em seu braço.


"Narcissa?"


"Ele– ele não-" e Narcissa colocou a mão sobre a boca e balançou a cabeça, obviamente não querendo falar na frente de Ron e Harry. Snape olhou para Ron e depois para Harry e franziu a testa. Ron seguiu seu olhar.


"Harry…", o ruivo disse baixinho, balançando a cabeça. Harry tinha voltado a dormir.


ooooooo


Dia 38, Quinta


Hermione passou a mão pelos cabelos enquanto Esposito falava, esperando que parecesse mais confiante do que se sentia. Olhou para as pessoas com quem estivera trabalhando nos últimos três dias: Esposito, Pomfrey, Lupin, Snape, Narcissa Malfoy e dois curandeiros que os Malfoys trouxeram. A não ser por Narcissa Malfoy, os outros pareciam bastante otimistas. Hermione pensou que nunca mais confiaria em outro curandeiro depois de descobrir que eles podiam ser tão dissimulados. Não havia motivos para otimismo. Nenhum deles tinha idéia se aquilo que propunham iria funcionar; só que não havia tempo para pensar em outra coisa.


Os últimos três dias tinham sido exaustivos e tensos, com curandeiros e aurores trabalhando freneticamente enquanto Harry e Malfoy só pioravam, os períodos acordados cada vez menos freqüentes e menos lúcidos, até que os dois mal conseguiam respirar sozinhos, e os curandeiros concluíram que, sem um contra-feitiço, todos os feitiços e poções aplicados nos dois não os manteriam vivos por nem mais um dia.


E, como Pantere e os outros aurores quase não haviam feito progresso para localizar quem lançara o feitiço, o grupo trabalhando para solucionar o problema acabou sendo forçado a arriscar com o contra-feitiço que desenvolveram, o mais perto que chegariam de uma solução. O que não era nada bom.


O feitiço desenvolvido por eles era complexo e não poderia ser realizado por apenas uma pessoa; ele dependeria, em grande parte, das emoções, lembranças e do poder mágico de um grupo de pessoas que o lançaria em conjunto. Treze pessoas, o professor Vector dissera após um estudo profundo de Aritmancia. Cinco próximas a Harry, cinco próximas a Malfoy e três partes “neutras”. Por isso que estavam fazendo aquela reunião, para explicar o feitiço às pessoas selecionadas para lançá-lo. Um grupo que era tristemente deficiente em equilíbrio e força. Pais para Malfoy; não para Harry. Amigos próximos, verdadeiros e confiáveis para Harry; Pansy Parkinson e Blaise Zabini para Malfoy, sendo que Hermione não confiaria um galeão a nenhum dos dois, menos ainda a vida de Harry — ou mesmo de Malfoy.


Não dava para confiar nem mesmo nos pais dele, pensou Hermione enquanto observava o rosto sem expresão de Lucius Malfoy. Eles sequer sabiam nem como Lucius reagiria à proposta do feitiço, considerando o que Malfoy havia feito dois dias atrás.


Hermione não estivera lá para ver a reação de Lucius; só vira a de Narcissa. Durante uma das últimas vezes que Malfoy acordou, Narcissa havia falado com ele por bastante tempo, baixinho e de uma maneira muito mais gentil que Hermione julgava possível vindo dela. A mãe de Malfoy explicou-lhe o que estava acontecendo e, por fim, perguntou se ele queria ser levado para St. Mungus. A expressão no rosto de Malfoy havia sido impossível de ler. Ele olhou para Harry, adormecido a seu lado, por um longo momento antes de negar com a cabeça em silêncio. Hermione desejou que pudesse saber por que ele escolhera ficar, se por medo de deixar Harry ou simplesmente por não querer ir, ou se ele não confiava em seu pai. Não havia como saber.


Narcissa havia apenas concordado com a cabeça, dizendo de maneira carinhosa para o filho: "Está tudo bem, eu explico para seu pai. Não se preocupe". E Hermione percebeu que Narcissa estava aliviada, por mais que parecesse nervosa com a perspectiva de dar a notícia ao marido.


Lucius não voltara ao hospital desde então. E Hermione não tinha idéia do que ele diria sobre a proposta. E, sem ele…


A vida de Harry dependia da boa vontade de Lucius Malfoy. Era dolorosamente irônico.


Sem falar que também dependia da boa vontade de Narcissa Malfoy, Snape, Zabini e Parkinson. Não dava para escolher uma seleção de salvadores mais improvável para o Garoto-Que-Sobreviveu nem se eles quisessem. Hermione desviou o olhar quando percebeu que Parkinson a encarava enquanto a curandeira explicava que eles estavam lidando com uma Maldição Desbalanceada, que havia rompido o balanço mágico natural entre opostos. Nesse caso, Vida e Morte. Sexo, um forte condutor da Magia da Vida, de alguma forma havia sido alterado para Magia da Morte. O balanço neutro entre os dois estava sendo destruído, e a única coisa que poderia conter esse desequilíbrio era neutralizá-lo com equilíbrio.


"Vocês sabem que um dementador, que traz à tona emoções e sentimentos negativos, é combatido pelo poder mágico de lembranças boas e alegria", Esposito estava explicando. "Do mesmo modo, nós esperamos que a parte ativa dessa maldição, que se alimenta do desequilíbrio, seja combatida pelo poder do equilíbrio. E, para proporcionar esse equilíbrio, precisamos de vocês. Escolhemos sete pares equilibrados de elementos mágicos, e precisamos que vocês produzam a magia e as lembranças necessárias para evocá-los", Esposito pausou por um momento, olhando ao redor do quarto, medindo a recepção das pessoas ao redor.


"Todos vocês sabem que lançar uma magia em grupo é difícil e exaustivo e requer uma boa quantidade de confiança. Há alguns riscos, a maioria relacionada aos perigos de lidar com uma magia tão forte e ser pego por essa força caso um membro quebre o círculo. Cada um de vocês estará ligado a um outro membro do círculo, e isso pode ser… desconfortável. Intrusivo e constrangedor. No entanto, quando um feitiço necessita de emoções fortes e lembranças para ser lançado, sempre há um certo… bem, vazamento entre o grupo. Vai acontecer uma espécie de legimancia involuntária. Certamente não será fácil de lidar com isso, pois vocês vão ver as lembranças de outros membros do círculo, sabendo que eles podem ver as suas lembranças também”.


"Nós sabemos que estamos pedindo muito de cada um de vocês. Também sabemos que, devido à natureza desse grupo, muitos de vocês têm histórias desagradáveis entre si, e muitas razões para hesitarem em expor a si mesmos e às suas lembranças aos outros. Mas essa é a melhor chance que esses dois jovens têm de se verem livres da maldição. Nós não pediríamos isso se houvesse outra escolha".


Ela parou e limpou a garganta. "Uma outra coisa. Se concordarem em fazer parte disso, cada um de vocês terá que ser interrogado sob Veritaserum, para nos certificarmos que não têm nenhuma informação sobre quem lançou esse feitiço. Eu mesma irei tomar o Veritaserum primeiro, e então conduzirei o interrogatório". Ela olhava diretamente para Lucius enquanto falava. "E eu também irei pedir que Lucius Malfoy e Albus Dumbledore me ajudem nos interrogatórios, depois de eles próprios terem tomado Veritaserum".


Lucius levantou as sobrancelhas, mas continuou impassível.


"Vocês têm três horas para decidirem e se prepararem antes que nós comecemos a ensinar o feitiço. Se você decidir não participar, pedimos que avise tão rápido quanto possível, para que possamos encontrar algum substituto".


Hermione engoliu a seco. Não havia nenhum substituto para o lado de Malfoy. Se algum deles decidisse não participar, as outras possibilidades eram apenas Vincent Crabbe e Gregory Goyle, nenhum dos quais tinha um poder mágico forte, além de ambos terem uma relação com Malfoy mais de guardas-costas do que de amigos de verdade. E se um dos pais de Malfoy não concordasse…


Malditos sonserinos com rosto de cera. Não havia como dizer o que Lucius, Parkinson ou Zabini estavam pensando. Narcissa e Snape já tinham se comprometido; a própria Narcissa declarara isso. Mas, os outros três…


ooooooo


"Ele não irá nos perdoar por isso, Narcissa", Lucius disse, sem rodeios.


A conversa não havia começado de modo promissor, para dizer o mínimo, pensou Snape enquanto ele e Narcissa trocaram um olhar. Snape inclinou a cabeça em sua direção, indicando que ela deveria começar.


"Lucius, nós temos que fazer isso".


"Os curandeiros não têm certeza de que vai funcionar".


"Eu assisti ao desenvolvimento do feitiço. Há chances de funcionar".


"Não muitas", Lucius disse amargamente.


"É a melhor chance que ele vai ter".


"Usando os métodos deles".


"Nós não temos escolha", ela ponderou. "Eles têm preconceitos com os métodos que nós poderíamos usar".


"E eles não vão mudar de idéia. Você sabe disso, Lucius," Snape disse. "Não há nenhuma chance de Dumbledore, Esposito ou qualquer outra pessoa naquele quarto concordar com o que seus curandeiros sugeriram".


"Os riscos-"


"Eu sei", Snape o interrompeu. "O efeito negativo do uso de sangue de unicórnio para estender a vida tem sido exagerado por covardes fofoqueiros. Não há efeitos negativos associados ao uso de coração de fênix, a não ser para a própria ave. Tentar fazer a maldição retornar a quem a lançou sem saber a identidade dessa pessoa não é tão perigoso quando os hipócritas naquele quarto disseram", ele respirou fundo. "Mas você não vai conseguir convencê-los disso. Não a tempo de salvar Draco".


Lucius balançou a cabeça. "Se você os tivesse confrontado quando Draco disse que queria ficar aqui… a própria curandeira disse que ele estava confuso-"


"Sim, todos nós sabemos disso", Snape respondeu, consciente de que era mentira, mas a única maneira de Lucius lidar com a escolha do filho era fingir que Draco não havia entendido o que estava fazendo. "Mas você sabe que não temos chance de levá-lo embora quando ele mesmo escolheu ficar. Confuso ou não, é a decisão dele que prevalece. Mesmo se ele não tivesse dito nada, teríamos que seguir os desejos de Potter".


"Ele estava tão confuso quanto-"


"Mas ele não aparentava isso", lembrou Narcissa. "Ele parecia estar lúcido".


"Tão lúcido quanto aquele garoto insuportável pode parecer", Snape murmurou.


"Você sequer tentou fazer Draco mudar de idéia", Lucius acusou Narcissa.


"Eu não podia, não com os outros lá".


"Você não podia porque estava aliviada por ele ter decidido ficar", Lucius disse com raiva.


Snape ficou tenso, desejando estar em algum outro lugar, em qualquer outro lugar, onde ele não precisasse testemunhar uma discussão entre os Malfoys.


Narcissa respirou fundo e encarou o marido nos olhos, apreensiva. "Si-sim, eu estava. Eu não acho que você está pensando o suficiente no Draco. Eu…”, seus lábios tremeram, mas ela se recompôs e continuou, "Eu acho que você está dando prioridade demais ao que o Lorde das Trevas vai pensar. Você deveria estar mais preocupado com o bem-estar do seu filho".


"Eu estava. Eu estou. Você está preocupada com os perigos de tentar quebrar o elo. Mas já parou para pensar nos perigos de Draco continuar casado com o inimigo mortal do nosso Lorde? Eu estou pensando no bem-estar dele-", a voz de Lucius fraquejou e ele imediatamente apertou os lábios e deu as costas para eles.


Snape desviou o olhar, desconfortável por presenciar o medo de Lucius finalmente romper sua máscara de indiferença calculada e fria. Esperou que o outro se recomposse, sabendo que Lucius não perdoaria a nenhum deles se fosse pressionado a falar antes que retomasse o controle. Porque um Malfoy não demonstra dúvidas ou medos, nem mesmo quando seu único filho está à beira da morte.


Maldito Lucius, Snape pensou impacientemente. Já tinha passado da hora de ele pensar que era um pai antes de ser um Malfoy, por uma vez na vida.


Pessoalmente, Snape tinha opinião de que, independente dos seus talentos para os negócios, política ou magia, Lucius era um péssimo pai. Sua combinação de negligência emocional e cobranças impensáveis em relação a Draco aliadas à prática de mimá-lo ridiculamente haviam produzido um garoto que tinha muito mais em comum com Potter do que qualquer um jamais admitiria.


Muito mais inteligente, mas com a mesma posição arrogante de que tudo poderia ser feito do jeito que ele queria, porque a maior parte das coisas era. E, assim como Potter, ele não tinha nenhuma disciplina ou caráter. Não era adequado, em modo algum, para eventualmente se tornar o chefe de uma família bruxa poderosa — não mais do que Potter era adequado para liderar qualquer pessoa em uma batalha contra Voldemort. Um garoto imprestável e mimado, rapidamente se tornando um homem imprestável e mimado, com uma enorme quantidade de inseguranças escondidas por trás de arrogância e maldade. Por mais que Snape se importasse com o menino, não era cego aos seus muitos defeitos.


E Lucius, na maior parte do tempo, sequer se importava. Quando não estava exibindo orgulho ridículo ou completo desprezo pelo filho, se mostrava completamente desinteressado e se ocupava com assuntos mais importantes, como ser o “braço-direito” de Voldemort.


E agora lá estava ele. Forçado a se interessar por Draco para salvar a vida do garoto. E nem isso Lucius podia fazer sem se referir a Voldemort de alguma maneira.


Snape baixou os olhos quando Lucius se virou de novo, seu controle visivelmente frágil. Porque, por pior pai que fosse, ele amava o filho, da sua maneira inadequada. Estava preocupado por Draco estar morrendo. Snape não se lembrava de ter visto Lucius mais irritado, frustrado e com medo em toda sua vida.


Lucius falou em voz baixa, mas intensamente para Narcissa. "A única proteção que Draco tem enquanto estiver ligado a Potter somos nós. Nós precisamos nos relacionar bem com o Lorde das Trevas, para o bem de Draco. E você sabe que ele não irá nos perdoar por isso. Harry Potter está morrendo e nós vamos entrar em um círculo de magia para salvá-lo? Sem falar no risco de divulgar algum segredo sobre o Lorde e seus seguidores. Não há como nós fazermos isso sem sermos vistos como traidores".


"Você não tem muita escolha se quiser Draco vivo", Snape apontou, e Lucius desviou o rosto, mordendo nervosamente o lábio, algo que Snape não o via fazer desde que era jovem.


"Participar desse feitiço não vai trazer problemas para você, Severus?" perguntou Narcissa.


"Minhas instruções são para participar de qualquer ato heróico que me peçam. Eu irei, obviamente, tentar conseguir o máximo informações possível sobre os outros durante o feitiço, embora duvide que haverá algo que já não saiba. Mas é uma boa oportunidade para tentar arrancar algo novo de Potter. E possivelmente de Dumbledore também".


"Aquele velho caquético provavelmente vai tentar fazer a mesma coisa com Draco", disse Lucius. "Com todos nós".


"Eu duvido. Ele é um nobre grifinório", desdenhou Narcissa.


"Ele é tão ruim quanto qualquer sonserino", comentou Snape. "Deve ser por isso que nos odeia tanto. E ele vai tentar invadir nossas mentes, sim, se puder".


"Eu ainda não acredito que ele foi convidado para ser um dos participantes ‘neutros’", disse Lucius. "Todo mundo sabe como ele é com Potter".


"Não havia mais ninguém", respondeu Narcissa. "Nós tentamos, Lucius". Ela tocou no braço dele, que se afastou. Ela limpou a garganta. "De qualquer modo, ele não irá conseguir muitas informações úteis sobre nós com o Draco", ponderou. "E nossos pensamentos não estarão tão visíveis quanto os dele. Vai ser mais a mente de Draco que ficará exposta para os outros verem".


"Sim, 'os outros'", repetiu Lucius com desprezo. "Sangues-ruins, Weasleys e lobisomens".


"Uma sangue-ruim, um Weasley e um lobisomem vão salvar a vida do seu filho, Lucius", Snape apontou. "Por mais desagradável que a idéia seja, você vai ter que aceitá-la. E fique feliz por ser apenas um Weasley. A filha caçula deles era uma das candidatas do lado de Potter, assim como o pai e a mãe dos Weasleys, representando os pais de Potter".


"Eu também não confio naquele garoto Zabini", comentou Lucius.


"Ele tem que estar presente", pediu Narcissa. "Nós precisamos de pessoas com dons premonitórios e, infelizmente, os únicos com algum indício foram Blaise, Dumbledore e Pomfrey. E mesmo eles não têm a Visão forte o suficiente para serem realmente videntes".


"E a família dele nunca se aliou definitivamente ao Lorde das Trevas", disse Snape. "Provavelmente não vão se opor à participação do garoto no feitiço".


"E a filha de Parkinson? A família da garota sempre foi fiel à nossa, mas Draco não contou o que estava acontecendo para ela".


"Draco confia nela… tanto quanto ele confia em alguém", atestou Snape.


"Nós consideramos Crabbe ou Goyle", Narcissa explicou, "Mas eles não têm muito poder mágico. E nós não tínhamos certeza de que os pais deles permitiriam".


"Eles permitiriam, se eu mandasse", disse Lucius. Ele estreitou os olhos. "Permitiriam, sim. Na verdade, um deles poderia entrar no meu lugar. Seria totalmente compreensível que eles quisessem ajudar um amigo, e nós poderíamos dizer ao Lorde das Trevas que achamos que o feitiço não iria funcionar se um deles me substituísse-"


"Nós poderíamos dizer isso porque é a verdade. Eles não têm poder o suficiente. Sem você no círculo, Draco vai morrer", Narcissa se desesperou. "Lucius... nós não temos mais ninguém. Esse feitiço requer pessoas com laços fortes com os dois para funcionar. Se Blaise ou Pansy recusarem, podemos substituí-los por outros amigos de Draco. Mas, se você recusar… eu e você temos os laços mais fortes com Draco. O círculo já corre o risco de não ser poderoso o suficiente porque Potter não tem pais para participar, para proporcionar o tipo de força que nós dois temos. Não podemos perder você".


"Você tem que decidir, Lucius", Snape interrompeu bruscamente. "É literalmente seu filho ou seu Lorde. E o tempo está acabando".


ooooooo


"Eu introduzirei todos vocês no círculo, um por vez", Esposito anunciou algumas horas depois, em uma grande sala na torre de Astronomia. Os treze estavam dispostos em dois círculos ao redor de Malfoy e Harry, o círculo de dentro composto por Esposito, Pomfrey e Dumbledore, o exterior com os outros dez membros. "Vocês irão dizer as palavras do ritual e se concentrar em criar um círculo forte, prestando atenção especial à pessoa do seu par. Uma vez que os círculos estiverem firmes, nós iremos lançar o feitiço de equilíbrio, e vocês deverão se concentrar nas duplas de elementos que iremos evocar. Estão prontos?"


Todos concordaram com a cabeça. Não havia mais tempo para checagens de último minuto para se certificar que estava tudo certo. Nem para dúvidas, desistir ou trocar de pares. Ou aquilo iria funcionar ou não.


Esposito levantou a varinha e começou o processo, trazendo as mágicas de Pomfrey e Dumbledore para o círculo junto à dela, raios finos de luz unindo as varinhas.


"Diga seu nome", Esposito disse para Hermione. Hermione respirou fundo e limpou a mente antes de levantar a varinha, desejando que tivesse alguma experiência anterior com feitiços de grupo além de uns simples truques para controlar água na aula de Feitiços do sexto ano e alguns feitiços numa atividade extracurricular de Magia Musical há dois anos.


"Eu sou Hermione Granger e uno a minha mágica à de vocês", ela disse. Um raio fino de luz saiu da sua varinha e lentamente se espalhou até a luz vinda da varinha de Esposito.


"Diga seu nome".


"Eu sou Pansy Parkinson", disse a voz ao lado de Hermione, que não se virou para olhar, apenas se concentrou na varinha de Esposito. "E uno a minha mágica à de vocês".


Concentre-se, Hermione disse a si mesma enquanto os nomes continuaram e mais luzes se ligavam. Minerva McGonagall. Blaise Zabini. Ron Weasley...


"Diga seu nome", Esposito falou, sua voz sem demonstrar a menor trepidação quando a parte mais complicada de lançar o feitiço começou.


"Eu sou Narcissa Malfoy e eu uno a minha mágica à de vocês", a mãe de Malfoy disse suavemente, e Hermione se arrepiou quando a luz da varinha de Narcissa se juntou ao círculo e então se conectou devagar com um leve… tranco… à luz de Hermione. Ela sentiu uma conexão estranha com Narcissa, sua parceira no círculo. Sentiu o nervoso dela, sua hesitação. Seu desconforto.


Será que era assim que era o elo entre Harry e Malfoy? Essa desconfortável consciência dos pensamentos e emoções de outra pessoa dentro da sua mente? Essa sensação desagradável de estar concectado com alguém que você despreza? Hermione podia quase tocar no desgosto instintivo de Narcissa, quase ver a palavra “sangue-ruim” flutuar no espaço entre elas.


Era incrivelmente estranho. Mas a ligação estava firme. Estava funcionando.


Um par a menos, quatro faltando.


"Eu sou Neville Longbottom e uno a minha mágica à de vocês", Neville disse nervosamente, e sua luz se juntou ao círculo e então, depois de uma pausa agonizante, se ligou à de Parkinson, a conexão entre eles fraca, mas estava lá.


Menos dois. Severus Snape se uniu à McGonagall, Remus Lupin a Zabini, e então...


"Eu sou Lucius Malfoy e uno a minha mágica à de vocês", disse a voz fria, e Hermione fechou os olhos, não querendo ver o rosto pálido de Ron enquanto ele se preparava para a mágica deles se unirem, sentindo o desejo quase frenético de Narcissa de se manter calma enquanto o círculo esperava que a última conexão fosse feita.


E esperaram.


E esperaram.


Hermione abriu os olhos, encontrou o rosto de Ron do outro lado do círculo, viu que ele estava se concentrando com toda a força na rede de luz, um filete de suor escorrendo pela sua testa, murmurando alguma coisa. Ela podia senti-lo tentando alcançar Lucius, trazê-lo para dentro do círculo...


E Lucius não estava vindo. Aquilo iria falhar antes mesmo de começar, porque Lucius Malfoy não iria — ou não podia — entrar em um círculo de inimigos, nem mesmo para salvar a vida do filho.


Pânico estava começando a fluir entre Hermione e Narcissa, e ela tentou desesperadamente acalmar a ambas.


Por favor, por favor, por favor, ela se viu pensando, por favor, não deixe isso falhar, por favor, por favor…


Esposito moveu o círculo interno um pouco para o lado, de modo que Lucius pudesse ver claramente Malfoy e Harry. Hermione não pôde evitar uma exclamação de susto. Os dois pareciam tão frágeis. As luzes e sombras das varinhas flutuavam acima das duas figuras pálidas enquanto eles dormiam, indiferentes ao mundo ao redor. Harry estava sem óculos, e a cicatriz se destacava na sua testa. Os lábios de Malfoy estavam ligeiramente entreabertos, os olhos com olheiras profundas. Ele suspirou e virou o rosto na direção de Harry, atraído por ele mesmo naquele estado.


Hermione ouviu alguém respirar fundo e um firme jorro de luz arqueou devagar da varinha de Lucius Malfoy para o centro do círculo, finalmente se conectando com a luz de Ron.


"Nós somos um círculo", Esposito proferiu calmamente, "e nós invocamos uma mágica antiga, de equilíbrio, de harmonia da Terra. Nós invocamos uma magia antiga para acertar o que está errado, para trazer equilíbrio ao caos".


"Nós invocamos a alegria e a tristeza", Dumbledore disse, e Hermione fechou os olhos de novo, pensando com toda força nos dois sentimentos. Ficou completamente atordoada quando, de repente, uma onda de imagens começou a ser exibida ao seu redor.


Oh, aquilo era muito mais difícil do que tinha imaginado, ela pensou, apavorada. De algum jeito tinha que manter os pensamentos nítidos e conseguir seu próprio equilíbrio, pensar nas suas memórias mais felizes e mais tristes. Como produzir um patrono, só que muito mais complicado. E tentar não pensar nas imagens que estavam vazando pelo círculo até ela, a maioria fragmentada e difícil de contextualizar.


Aquele garoto assistindo tristemente enquanto Mandy Brocklehurst se afastava tinha que ser Neville, no ano passado. E aquela cela em Azkaban — deveria ser uma memória de Lucius. Mas o garotinho loiro, que ria enquanto seu pai o girava no ar — aquele era Malfoy? E era uma lembrança do próprio Malfoy ou de um de seus pais?


E o apanhador em verde e prata, segurando uma taça de Quadribol — quem era? Com certeza não era Draco ou Lucius Malfoy, e nem qualquer outro sonserino que Hermione conhecesse; parecia uma garota, o uniforme era um modelo antigo, saído de “Hogwarts: Uma História”.


Um garoto adolescente deitado na cama, o quarto ao redor uma bagunça, desinteressadamente mastigando alguma coisa, uma dor no peito e a imagem de Sirius Black caindo no véu repassando repetidas vezes na sua cabeça — aquele era Harry, sem dúvida. E provavelmente não era uma lembrança que ele gostaria de compartilhar com os outros. Mas Harry não tinha controle algum sob as imagens que surgiam em sua mente agora, não mais do que durante sonhos.


E havia um garotinho se escondendo em um lugar onde o pai não poderia encontrá-lo — ele não deveria estar chorando, um Malfoy não chorava por um motivo tão bobo como ver seu bichinho de estimação receber um “Crucio” na sua frente, especialmente se ele tivesse merecido porque não conseguia aprender como fazer as portas abrirem e fecharem usando mágica, um Malfoy deveria ser bom naquele tipo de coisa-


Aquilo provavelmente era algo que nenhum dos Malfoy gostaria que os outros vissem. Hermione tentou limpar os pensamentos, trazendo suas próprias imagens de alegria e tristeza para frente da mente, tentando ver apenas elas. O dia em que Ron disse pela primeira vez que a amava. O dia que recebeu uma carta dizendo que sua avó havia morrido e percebeu que não a encontrava há anos porque estava ocupada com a escola e deixara o mundo trouxa para trás. Suas próprias lembranças, vívidas, reais e balanceadas.


"Nós invocamos a luz e a escuridão" disse Pomfrey, as palavras formais soando estranhas na sua voz, e Hermione respirou fundo, se preparando para a onda de imagens dos outros dessa vez. Um raio de luz da varinha de Harry e um patrono brilhante em forma de cervo se formando no ar e a escuridão do corredor do terceiro andar no primeiro ano, aquelas eram as memórias delas. Um pôr-do-sol luminoso sobre o lago, assistido de cima de uma vassoura — aquela provavelmente era de Harry. Mas de quem era aquela lembrança, de um garotinho magrelo e de aparência adoentada, com frio, fome e medo, escondido em um quarto escuro ouvindo os pais brigaram, sem ousar sair do esconderijo? E de quem era aquela lembrança, de cabelos negros bagunçados misturados a fios loiros quase brancos, emaranhados juntos? Era no dormitório masculino da Grifinória, e a memória mostrava Harry e Malfoy dormindo, então tinha que ter vindo de Neville ou Ron, mas ela não conseguia descobrir de qual deles.


"Nós invocamos o masculino e o feminino", Esposito anunciou, e Hermione pensou em seus pais. Suspirou de alívio quando percebeu que quase todos os pensamentos eram sobre os pais. Mas os pais de Snape… que casal nada atraente. E a mulher negra deslumbrante que parecia muito Blaise Zabini era... perturbadora. A imagem a fez lembrar de uma aranha viúva negra.


Um garoto bonito num uniforme de Quadribol, a vassoura na mão, sorrindo sedutoramente para uma fã do primeiro ano — e Hermione reprimiu uma risada histérica quando percebeu que a garota parecia a professora McGonagall. A primeira paixão de McGonagall. Que inesperado.


E lá estava a própria Hermione, no Baile de Inverno, com Viktor Krum — oh. Aquela era a lembrança de Ron. A primeira vez, ele tinha admitido mais tarde, que ele realmente percebeu que ela era uma garota.


"Nós invocamos o passado e o futuro", Dumbledore disse, e Hermione pensou nas suas lembranças mais tenras, seus pais a levando para conhecer a praia, seus pezinhos mal tocando as ondas do mar. E ela engoliu a seco quando viu a imagem de Bellatrix Lestrange, jovem e friamente bela, sorrindo maldosamente para uma garota que parecia bastante com Tonks. A outra irmã de Narcissa, Andromeda, ela imaginou. Um Draco-miniatura puxando o cabelo de uma mini-Pansy, e Pansy acenando com um galho de árvore para ele e gritando “Crucio”. E, quando não viu resultado, bateu com o galho nele. Um rapaz bonito falando com um professor em uma escadaria, sobre Hogwarts fechar e ele não ter para onde ir. Quem era aquele? E de quem era aquela lembrança?


O futuro — esse era um pouco mais difícil, mas ela abriu sua mente para as imagens que poderiam aparecer dos três membros com poderes premonitórios no círculo. Imagens confusas e borradas. Uma risada que soava como a de Ron, só que mais profunda. A entrada de um berçário, um bebê negro dormindo em um berço. Um campo de Quadribol, um sorriso de relance que parecia com o de Harry e olhos estranhamente familiares refletindo bom humor e carinho. Uma marca negra no céu.


Ela estremeceu, mas manteve a ligação firme, tentando não pensar que podia sentir o horror de Narcissa pela marca.


"Nós invocamos a dor e o prazer", Pomfrey disse.


Uma luz roxa vinda da varinha de um Comensal da Morte atingiu o peito de Hermione e ela caiu no meio do Departamento de Mistérios, a dor parecendo quebrá-la. Narcissa Malfoy gemeu de dor, tão real que Hermione abriu os olhos — mas Narcissa ainda estava de pé do outro lado do círculo, os olhos fechados, o rosto impassível, seus gemidos apenas uma lembrança. Hermione fechou os olhos de novo, ouvindo os sussurros de encorajamento de uma parteira-bruxa: "A dor é boa, há um grande poder mágico em mulheres que agüentaram a dor do parto, há poder nisso para as mulheres, poder que os homens nem sonham…"


E então o incrível prazer de quando Narcissa segurou Draco pela primeira vez.


O incrível prazer de quando Neville beijou Mandy Brocklehurst pela primeira vez.


Dois garotos trêmulos com roupas sujas de sangue, se beijando hesitantemente pela primeira vez na sala do lado de fora do escritório de Dumbledore, rapidamente se tornando deliciados um com o outro, e Hermione se perguntou qual deles estava lembrando daquilo. E — oh. Um momento mais íntimo agora, outro que nenhum deles iria querer dividir com ninguém, menos ainda um grupo que incluía pais e professores, mas lá estava, e Hermione tentou bloquear o som de ondas batendo na praia enquanto Draco trazia Harry para mais perto, o encorajando — oh, por deus, Hermione firmemente desviou seus pensamentos e tentou se concentrar em outra coisa, com certeza havia uma lembrança mais apropriada flutuando por ali-


Mas não aquela que invadiu sua mente com uma força incrível — duas, na verdade, marcas negras cortando e queimando na carne, gritos de agonia de duas gargantas, e ela reconheceu Severus Snape e Lucius Malfoy muito mais jovens e estremeceu ao pensar em como que eles podiam seguir alguém que fazia aquele tipo de coisa com eles-


E outro grito quando a pele humana se cobriu de pêlos e ossos estalaram e garras cresceram-


Um tipo diferente de grito quando Pansy Parkinson arqueou no abraço de um garoto que parecia ser Anthony Goldstein-


Tudo aquilo estava rapidamente se tornando um redemoinho fora de controle-


"Nós invocamos o calor e o frio", veio a bizarra entonação de Esposito, e Hermione se lembrou do que eles estavam fazendo. Pensou em quando foi esquiar com os pais nos Alpes e em uma xícara de chocolate quente.


Que coisa mais completamente surreal. De marcas negras e transformação de um lobisomem para sexo e chocolate quente. E Narcissa casualmente murmurando um feitiço para se aquecer enquanto caminhava pelos jardins de uma linda construção bruxa em algum lugar da Índia, pelo que dava para deduzir pela vegetação e pelos saris das bruxas. E então Narcissa tremendo de frio em uma sala em Azkaban, esperando para que deixassem-na ver o marido.


E, finalmente…


"Nós invocamos o amor e o ódio", Dumbledore disse, e Hermione ficou tensa. Eles tinham discutido sobre não usar aquela dupla, devido à volatilidade das pessoas que estariam no círculo, mas era uma combinação poderosa e… bem… eles precisavam de poder.


Amor. Hermione podia pensar em amor facilmente. Amor pelos seus pais, por Ron, Harry, sua avó, Ginny e todos os Weasleys. E Narcissa logicamente pensou em Draco, Lucius e em pessoas que Hermione imaginou que fossem seus pais. E, com uma pontada de surpresa, Hermione sentiu o amor vindo de Pomfrey por toda a legião de crianças que já tinham vindo a ela com dor ao longo dos anos…


...e um mar de sardas e cabelos ruivos, não era surpresa alguma…


...e... um relance do futuro? Parecia ser. Uma decisão difícil a ser tomada, um rapaz saindo de uma sala de aula de maneira determinada, dividido entre duas direções por amor, fazendo uma escolha…


...e um garotinho que vivia dentro de um armário debaixo das escadas e sentia ódio e mágoa pelas pessoas que deveriam amá-lo, sentia ódio e desprezo por um garoto enorme que o batia e provocava, e odiava a todos, um ódio ressentido se tornando maior e mais amargo, chorando de ódio, sem querer sentir aquilo, mas sem conseguir parar...


...e outro garoto, desengonçado e sério, odiando uma dupla de garotos bonitos e sorridentes que eram tão metidos, tão arrogantes, um de óculos e outro com um sorriso aberto, o ódio o sufocando enquanto ele assistia aos dois rirem juntos no gramado...


...e Harry odiava Snape, o odiava profundamente, e o sentimento era retornado na mesma proporção...


...e o ódio aumentou, por Snape e por Voldemort. Hermione sabia que aquilo vinha de Ron, e o ódio se estendeu a todos aqueles que seguiam Voldemort. Ela ofegou quando o rosto de Lucius Malfoy se tornou o foco do ódio de Ron, por quase ter matado sua irmã no segundo ano — oh, deus, Ron e Lucius deveriam ser um par naquele círculo, mas agora o ódio estava vindo de Lucius para todos os Weasleys e traidores do sangue, e o ódio de Neville para Lucius, Narcissa e Draco, por serem parentes da mulher que havia lhe tirado os pais, e então de Pansy para Neville, por ele ser fraco e uma vergonha para todos os puros-sangue, e de Pansy para Hermione, por ela ser uma vaca de sangue-ruim que não havia confiado nela, e de Pansy para Harry, pelo que ele estava fazendo com Draco. E então Hermione reconheceu horrorizada seu próprio ódio contra Pansy e contra Draco, por machucarem Harry, por — as imagens estava girando fora de controle, Harry odiando Draco e Draco o odiando de volta, Harry pelas coisas que Draco havia dito sobre Sirius, sobre Cedric Diggory, Draco por Harry ter posto seu pai em Azkaban. As linhas de luz acima deles começaram a estalar e a ameaçar romper. Como eles podia ter sido tão idiotas, não importava quão poderosa era a combinação de amor e ódio, eles não deveriam ter arriscado, não com aquele grupo de pessoas, era forte demais, estava ficando incontrolável. E Harry e Draco se odiavam por estarem presos juntos, sufocados um com o outro, revivendo a briga no Grande Salão, uma janela quebrando e sangue escorrendo deles dois, e Lucius odiava Harry pelo que ele estava fazendo com seu filho, o odiava tanto a ponto de poder matar-


"NÃO!"


Um desespero frenético tomou conta de todos, e Hermione reconheceu a voz de Ron, tentando controlar seu próprio ódio, pelo bem de Harry. Foi ajudado por Esposito, Dumbledore e Pomfrey, que o conduziram a controlar a raiva em Lucius Malfoy, para o bem de Draco. E Snape estava lá também, assim como Pansy, e então, um por um, os outros estavam ajudando, trazendo a si mesmos de volta para o círculo, até que finalmente todos estavam concentrados em Draco e Harry, os dois membros do círculo com mais razões para terem ódio e com menos controle sobre o que sentiam.


Hermione empurrou para longe as imagens dois dois de raiva, ressentimento e desejo desesperado de se livrarem um do outro, as substituindo por imagens que tinha visto no círculo e nas últimas semanas, ofegando de alívio quando as memórias começaram a vir de todos os lados: Draco e Harry dormindo juntos na Grifinória, se beijando no escritório de Dumbledore, voando juntos sobre o lago, juntos no quarto, Draco se ajoelhando e segurando Harry no corredor da sala de poções…


E, lentamente, os estalos nas linhas de mágica diminuíram, se tornando estáveis e fortes de novo.


Esposito respirou fundo e todos se prepararam para finalizar o feitiço.


"Eu liberto você, Lucius Malfoy, do círculo", Esposito anunciou em voz baixa, e a luz vinda de Lucius desapareceu devagar. Ele baixou a varinha, sem fôlego e ofegante, e sentou na cadeira mais próxima, fechando os olhos.


"Eu liberto você, Remus Lupin, do círculo", disse, e Lupin lentamente baixou a varinha, os braços tremendo. Assim como Snape e Neville nas suas vezes. Neville se inclinou contra a parede, Snape caminhou até a janela, pressionando a testa contra o vidro e olhando sem expressão para o campo de Quadribol.


"Eu liberto você, Narcissa Malfoy, do círculo", Esposito disse, e Hermione sentiu o seu elo com Narcissa enfraquecer e desaparecer enquanto os outros membros do círculo era liberados um por um, todos tremendo com os efeitos do feitiço e tentando recuperar as forças. Ela respirou aliviada quando finalmente ficou livre e quase se jogou nos braços de Ron, os batimentos cardíacos dele ainda acelerados, mas seus braços quentes e firmes ao redor dela.


E então não havia mais nada a fazer. Exceto esperar para ver se o feitiço tinha funcionado ou não.


ooooooo

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