Capitulo 3



Harry a observava manusear os estranhos instrumentos, e ela o pegou encarando-a.


 


 — Tem alguma água limpa?


 


 Ele assentiu e entregou-lhe um frasco de couro.


 


 — Eu trouxe da carroça. Imaginei que fosse precisar. — Ele estendeu-lhe um outro frasco. — E uísque.


 


 Gina segurou a parte solta da pele da cabeça de Hugh e jogou água sobre a ferida. Pouco a pouco, a sujeira do rio foi eliminada. Abrindo a tampa de rosca do segundo frasco, levou-a aos lábios de Hugh.


 


 — Dê um gole grande — ordenou.


 


 Olhando a expressão séria de Gina, ele obedeceu.


 


 — Harry, segure a mão de seu amigo. Isso vai arder. — Ela jogou uísque sobre a ferida.


 


 Hugh recuou, mas não emitiu um único som.


 


 Enquanto os olhos solenes de Harry observavam, ela enfiou linha numa agulha de ouro, colocou a pele solta no lugar e começou a costurar. Hugh fazia caretas de dor, e Harry segurou-lhe a mão com firmeza e murmurou palavras encorajadoras em gaélico.


 


Por fim, Gina deu um nó no último ponto, depois cortou a linha com uma pequena tesoura. Os dois homens suspiraram aliviados.


 


 A noite começava a cair e Gina mal podia enxergar quando examinou a cabeça de Hugh uma última vez.


 


 — Você provavelmente vai ficar com uma cicatriz, mas isso não vai prejudicar sua beleza — gracejou. Então, inclinando-se, roçou os lábios de leve nos pontos.


 


 — Para que isso? — Perguntou Hugh. Ela piscou de modo charmoso.


 


 — Ninguém nunca lhe deu um beijo para curar um machu­cado?


 


 Uma hora depois, estava totalmente escuro, sem lua para ilu­minar a jornada que ainda tinham pela frente. Após uma dis­cussão fervorosa dos três, chegaram a um consenso. Harry e Gina iriam até Sturgeon Creek, levando com eles alguns medicamentos que poderiam ajudar Draco.


 


 — Mas não podemos deixar um homem ferido sozinho na floresta — protestou ela.


 


 — Pare com isso — disse Hugh. — Não sou um bebé. Draco precisa mais de seus medicamentos do que eu. Harry a levará com segurança até ele e voltará para me buscar amanhã.


 


 Harry acomodou Hugh com o rifle sob uma árvore, deixando o frasco de uísque a seu lado.


 


 — Você não vai querer perder sua pontaria se um urso apa­recer. — O sotaque escocês ficou mais evidente, e Gina notou a preocupação de Harry quando deu um tapinha gentil no ombro do amigo.


 


 Ela se virou. Oh, como desejava que alguém a tratasse com tanto carinho. Contava com Draco para preencher-lhe o cora­ção vazio, mas agora... Suspirando, selecionou diversas ervas e essências da caixa, então as envolveu na manta.


 


 — Estou pronta.


 


 — Você pode montar um cavalo? — Harry olhou para a saia longa de Gina com uma expressão de dúvida.


 


 — É claro. — Com ar exasperado, ela ergueu a saia molhada até o alto das coxas.


 


 Harry olhou para as belas pernas sob meias de algodão e enrubesceu. Em seguida, montou e abaixou-se para ajudá-la. Segurando-se no braço forte, Gina passou uma perna por sobre o largo dorso de Gray.


 


 — Boa noite, Hugh — murmurou Harry e instigou o cavalo a partir.


 


Gina imediatamente perdeu o equilíbrio e balançou-se sobre o corpo do animal.


 


— É melhor você se segurar em mim, mo druidh, a menos que queira cair — disse Harry.


 


 Ela pôs uma das mãos de leve no quadril estreito.


 


 — Ora, não seja tímida. — Ele riu de modo perverso. — Uma moça que costura a cabeça de um homem certamente não pode ter medo de segurar na cintura de um outro.


 


Gina reprimiu um sorriso e deslizou o braço em volta dele, silenciosamente admirando a força dos músculos. O que mais aconteceria naquela viagem?


 


 Cavalgaram em silêncio, e logo Gina começou a ficar com sono. O pêlo de Gray era quente e macio contra suas coxas, e cada vez que ela mudava de posição, os pêlos do cavalo acariciavam-na, relaxando-a cada vez mais.


 


 Sonolenta, comentou a primeira coisa que lhe passou pela mente:


 


 — Gosto do nome de seu cavalo. Gray, simples, porém.


 


 Com um suspiro, descansou o rosto na curva do ombro forte. Certamente, ele não se importaria. Apertou mais os braços ao redor da cintura estreita e, por um instante, os músculos do estômago de Harry tremeram sob seu toque. A camisa dele secara no ar frio, e ela inalou o rico aroma masculino, mistu­rado com todo o verde da paisagem magnífica e mais alguma coisa. Canela, talvez? Gina não tinha certeza, mas era absolutamente delicioso.


 


 Quando ele falou de novo, a voz profunda soou alta na quietude:


 


 — Não fui eu que escolhi o nome. E sim minha filha Elizabeth.


 


 Gina começara a adormecer, mas diante de tais pala­vras acordou imediatamente. Então Harry tinha uma filha.


 


 — Você acha que Draco viverá? — Murmurou ela.


 


 Por um longo momento, o único som que se ouviu foram o das patas de Gray batendo contra o solo


 


 — Bem, se alguém puder salvá-lo, essa pessoa é você.


 


 Uma felicidade inexplicável a dominou, e ela se aproximou mais de Harry. O cansaço a estava vencendo e o sono era cada vez maior.


 


 — Harry, o que mo druidh significa?


 


 Uma calorosa mão cobriu a dela e ele puxou-a pelo braço, apertando-o mais sobre a própria cintura. Pela primeira vez na vida, Gina se sentiu completamente segura. Já meio ador­mecida, ouviu a voz suave sussurrar:


 


 — Mo druidh? Significa minha magia.


 


 — Srta. Weasley? Srta. Weasley, chegamos.


 


 Alguém a estava chamando. Com um pequeno gemido, ela abriu os olhos e descobriu-se montada em um cavalo, a face pressionada contra as costas de um homem.


 


 O que estava acontecendo? Pensou, endireitando a posição corporal. Então se recordou.


 


 — Considerando o que temos passado, acho que você pode me chamar de Gina — murmurou. E, para encobrir o súbito embaraço, desmontou. — Por favor, aceite minhas desculpas, Senhor. Não pretendia dormir.


 


 — Foi um prazer — disse Harry, sorrindo. Então, desmon­tou e colocou-se a seu lado. A lã do kilt escocês roçou-lhe a mão, e ela teve um pequeno sobressalto.


 


 — Chegamos? — Olhou ao redor.


 


 De cada lado, pinheiros escuros estendiam-se como sentinelas no céu noturno, e o barulho das ondas batendo na praia era bem audível. No entanto, tudo o que Gina podia avistar era um pequeno chalé, ani­nhado no meio do verde da vegetação profusa.


 


 — Mas onde está a cidade?


 


 — Já passamos por ela. Este é o chalé de Draco. Fica a aproximadamente dois quilómetros da cidade. Se é que pode­mos chamar Sturgeon Creek de cidade. Minha casa é um pouco mais longe. — Ele segurou-lhe o cotovelo e sorriu. — Vamos?


 


 Assim que chegaram ao chalé, a porta foi aberta e uma mu­lher apareceu. Ela passou por Gina sem um único olhar.


 


 — Oh, Harry, graças a Deus, você voltou. Eu estava preocupada.


 


 Harry apertou de leve o cotovelo de Gina e inclinou a cabeça numa reverência.


 


 — Lydia, permita-me apresentar-lhe a futura esposa de Draco, Srta. Weasley. Srta. Weasley, esta é minha cunhada.


 


Gina estendeu a mão.


 


 — Como vai, Sra. MacKinnon?


 


 Lydia tirou os olhos de Harry e fitou Gina com uma expressão de desprezo.


 


 — Muito bem — respondeu, ignorando a mão estendida.


 


 Gina abaixou o braço, nervosamente mexendo na saia amassada.


 


— Oh, Harry, achei que você nunca chegaria — repetiu Lydia, deslizando a mão no braço de Harry.


 


 Lydia era alta e tinha seios volumosos, embora a cintura fosse fina demais. O vestido cinza era bem cortado e os cabelos muito loiros tinham um corte moderno na altura do pescoço. Embora não houvesse como negar que a mulher era atraente, havia um ar petulante em suas feições, e ela mantinha os lábios fechados enquanto sorria. Os dentes seriam estragados?


 


Gina não pôde evitar o pensamento maldoso, mas en­tão se censurou. Sem dúvida, Lydia estava chateada com a doença de Draco. Podia ser difícil dar as boas-vindas a uma estranha naquele momento.


 


 Segurando a manta com as ervas, Gina entrou no chalé.


 


 No interior do local, o calor era sufocante e havia uma úni­ca vela acesa que refletia sombras nas paredes de madeira. Uma cama estava no meio da sala, e Draco encontrava-se deitado ali.


 


 Gina pegou a vela e inclinou-se sobre ele, então emitiu um gemido.


 


 Feridas imensas perfuravam as faces e o pescoço de Draco. A maioria tinha crostas, mas algumas ainda encontravam-se amareladas pelo pus. O mesmo líquido pútrido gotejava dos cantos dos olhos fechados e, sem precisar examinar, Gina sabia que a erupção espalhara-se no interior das pálpebras. Ela lutou contra uma súbita vontade de chorar. Independentemente de quantas vezes já vira aquilo, sempre a afetava da mesma maneira. A crueldade da varíola a devastava.


 


 Levantando a mão trémula, alisou o rosto do homem, sen­tindo as feridas ásperas sob os dedos. A pele ainda estava quen­te e, por um momento, ela imaginou que ele abriria os olhos, sorriria e diria que tudo aquilo era uma travessura.


 


 — Draco? — Sussurrou ela.


 


 Uma figura escura esbarrou no canto da cama. Então, ge­meu, inclinou-se para a frente e agarrou a mão de Gina, afastando-a do rosto de Draco. Gina recuou e fitou os olhos de uma mulher selvagem. Duas tranças pretas, brilhantes como asas de rapina, emolduravam o rosto magro. A luz da vela fez sombras misteriosas na pele morena da mulher, dis­torcendo o nariz reto e as bochechas grandes. Gina con­teve um grito e tentou, sem sucesso, puxar a mão.


 


 A mulher, obviamente índia, gemeu de novo, e, dessa vez, os olhos brilhantes se encheram de lágrimas. Embora a sala estivesse muito quente, Gina sentiu um calafrio na nuca. Sem desviar os olhos, depositou a vela sobre o criado-mudo. A índia ainda segurava-lhe o pulso com firmeza, e Gina tocou-lhe a mão de leve.


 


 — Eu sei — sussurrou. — Mas devemos deixá-lo partir em paz.


 


 Alguém tocou o ombro de Gina. Ela e a índia se separaram.


 


 — Mo druidh — murmurou Harry, ajoelhando-se ao lado da cama.


 


 Os cabelos longos brilhavam à luz da vela, e os lábios carnudos moviam-se numa prece inaudível. Gina esten­deu a mão para confortá-lo, mas recuou. Era uma estranha ali. Não era apropriado intrometer-se no sofrimento dele.


 


 De repente, Harry praguejou e bateu com o punho sobre a cama. Em um instante, ela estava ajoelhada a seu lado, esque­cendo todos os pensamentos do que era próprio ou impróprio. Ternamente, acariciou-lhe os cabelos, os quais deslizaram atra­vés de seus dedos.


 


 — Sabemos que você o amava...


 


 Harry virou-se e segurou os ombros de Gina, a face bonita transtornada pelo sofrimento,


 


 — Ele era meu melhor amigo. O que farei sem ele?


 


 Uma única lágrima escorreu pelo rosto anguloso. Sem pen­sar, ela levantou um dedo e traçou o caminho da lágrima, até que o diamante salgado desapareceu. Então, entreolharam-se pelo que pareceu uma eternidade.


 


 — Posso saber o que você está fazendo? — A voz de Lydia soou no silêncio fúnebre do quarto. — Devo dizer, Srta. Weasley, que não esperava encontrá-la nos braços de meu cu­nhado quando seu futuro marido está morto a sua frente.


 


Gina se levantou e respirou fundo.


 


 — Eu não estava nos braços de Har... do Sr., Potter.


 


 — Certo. — Lydia emitiu um som de desgosto. — Se é isso que diz, Srta. Weasley.


 


 Ela aproximou-se da índia.


 


 — Mollyocket, vá buscar água no lago. Temos que nos pre­parar para enterrar Draco. Ele não vai durar muito neste calor.


 


 Mollyocket lançou a Lydia um olhar de puro veneno e partiu. Gina ergueu a vela e inclinou-se sobre o corpo de Draco. Desconsiderando os danos causados pela varíola, era ób­vio que ele fora um homem atraente. Os cabelos levemente grisalhos eram sedosos, e o nariz reto e elegante parecia-se com o de Harry.


 


 — Vocês eram parentes? — Ela arqueou uma sobrancelha para o escocês alto e continuou a examinar o rosto de Draco.


 


 — Não. — Harry se aproximou, e ela pôde sentir o calor emanando do corpo viril. — O clã Malfoy seguiu o clã Potter em batalha e aliou-se a nós em disputas. Membros de nossas famílias se casaram também, mas Draco e eu não éra­mos parentes, apenas amigos e irmãos de alma.


 


 Ela assentiu e depois afastou o cobertor de cima do corpo de Draco.


 


 Lydia tirou-o da mão dela.


 


 — Srta. Weasley, o que está fazendo?


 


 — Deixe-a — interferiu Harry. — A srta. Weasley é uma curandeira muito experiente.


 


 Gina lançou-lhe um olhar agradecido, então hesitou quando viu o que um dia fora a perna direita de Draco.


 


 Ele a perdeu em Culloden — contou Harry, seguindo-lhe o olhar. — Imagino que tenha lhe contado nas cartas?


 


 — Não.


 


 Ela voltou a fitar o rosto de Draco. Os olhos pareciam sorrir, e, mesmo morto, a expressão revelava que fora um ho­mem bom. Sabia que ele tinha sido sensível e educado, assim como um guerreiro corajoso. Inclinando-se, beijou-lhe o topo da cabeça.


 


 — Ele não me contou, mas isso não teria importado.


 


 Mollyocket apareceu na soleira da porta, carregando um balde de água. Colocou-o perto de Gina e desapareceu nas sombras. Gina olhou para Lydia.


 


 — O Sr. Potter me contou que você cuidou de Draco?


 


 — Sim, fiz tudo que podia. Mas Draco sempre foi o mais fraco.


 


 — Posso perguntar por que as feridas dele não foram lava­das? — Gina manteve a voz neutra, mas os punhos esta­vam cerrados dentro dos bolsos.


 


 — Perdão?


 


 — As feridas dele não foram lavadas há vários dias. Isso provavelmente não o salvaria, porém, o teria deixado mais con­fortável.


 


 — Como ousa falar comigo dessa maneira? Quem é você, afinal? Alguma inglesinha prepotente que queria se casar com Draco...


 


 — Basta! — Interrompeu Harry com voz grave. — Lydia, faça o trabalho necessário. Levarei a Srta. Weasley para sua casa, Lydia. Ela certamente está exausta da viagem.


 


 — Mas eu gostaria de ajudar — protestou Gina.


 


 — Não, moça. Não é apropriado para uma dama... ver um homem sem roupa.


 


 — Mas...


 


 — Sem mas. Você vem ou não? — Ele foi para a porta, o kilt balançando graciosamente ao redor dos joelhos. Naquele momento, Gina decidiu que afinal de contas não era tão estranho um homem de saia. Na verdade, a visão era bastante agradável.


 


 — Sim, senhor — concordou. Depois, voltou-se para Lydia: — Quando você acabar, tire as roupas de cama, as roupas dele, suas roupas. Tudo tem de ser queimado. Ela ergueu a mão para deter o protesto de Lydia. — Caso contrário, as roupas espalharão a doença. Alguém que nunca contraiu varíola este­ve perto de Draco? Seu marido ou qualquer um do vilarejo?


 


 — Não. Samuel já teve e levou a filha de Harry e nossos três filhos para ficar com a Sra. Mitchell, assim que percebemos que Draco contraíra varíola. — Lydia começou a remover os lençóis por baixo do corpo de Draco, virando os olhos azuis com uma careta.


 


 — Ótimo. Vamos rezar para que não se espalhe. — Gina pegou sua manta e ervas e seguiu Harry para fora.





Continua....




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