Moscas Pela Casa



As folhas rodopiavam ao sabor do vento, num jardim repleto de gnomos impertinentes. O garoto desproporcional sentado embaixo de uma macieira, parecia não se importar com os insultos dirigidos à ele pelas pequenas criaturas.

Ele era muito alto, tinhas longas mãos e pés grandes demais para seu corpo. Era muito magro, e usava roupas de segunda mão, largas demais. Seu cabelo era muito vermelho, e seu rosto repleto de sardas.

Ron Weasley se encontrava sozinho em casa – o que ultimamente tornara-se comum -, fato inimaginável em outras épocas.

Ron era o penúltimo de sete irmãos, mas no momento cada um fazia algo que os levava a outros lugares.

Arthur e Percy no Ministério da Magia; Molly à serviço da nova Ordem da Fênix caçando os comensais da morte remanecentes; Jorge, e Bill, cada um em sua casa; Carlinhos na Romênia e Ginny adquirira o hábito de viver na casa de Luna Lovegood.

Ron remoia os fatos recentes praticamente todo o tempo, e tornara-se outra pessoa. A cada momento lembrava-se de Lupin, de Tonks, e o fato que mais lhe doía: A perda de seu irmão Fred; A vida perdera um bocado de graça com sua partida tão brusca, e A Toca já não era mais tão feliz.

Os bruxos que sobreviveram da Ordem da Fênix reuniram-se e voltaram a trabalhar. Comensais haviam sobrevivido também.

-Não por muito tempo. – Repetiu tantas vezes Molly.

Harry Potter, seu melhor amigo, andava muito ocupado, também. Ele mudara-se temporariamente para a casa de Andrômeda, onde a ajudava com seu neto e com afazeres domésticos.

-Que grande fim para o Menino que Sobreviveu. – Sussurrou Ron sombriamente, logo após constatando com um peso no coração, que nunca precisou tanto de sua amizade.

Ron tentava parecer calmo, o tempo inteiro. Ele tinha de ser o exemplo de calma, confiança e tranqüilidade, já que seus pais não conseguiam mais desempenhar esse papel. Ele não confiaria em Jorge para tal tarefa, ou na explosiva Ginny. Os outros estavam longe em demasia, e nada poderiam fazer.

Mas o fato é que, alguns meses depois dos acontecimentos fatídicos, ele já não suportava mais ser o pilar em que os Weasleys vinham se sustentar. Todos vinham se lamentar com ele, pois ele parecia inabalável, mas ele também tinha suas próprias queixas sobre a vida, mas ninguém para escutá-lo.

E agora, até Hermione se fora... Deixar Hermione foi uma atitude pensada, mas não menos doída. A ex-namorada era tudo o que ele não precisava naquele momento, pois ela parecia julgar-se a pessoa mais sofrida do mundo, e nunca deu abertura aos problemas de Ron. Mas sua companhia se fora, deixando Ron cada vez mais melancólico.

Ele olhou para a porta aberta de sua casa, para as janelas, as luzes apagadas. Uma sensação de vazio o invadiu, quando ele não ouviu nenhuma briga, nenhum som, ou uma risada exagerada.

Ele suspirou, segurando-se para não chorar.

“Fred riria, se me visse neste estado.”
Pensou, e um sorriso rápido apareceu em seus lábios, mas a sensação de dor logo o suprimiu.

Ele prometera não pensar mais em Fred com dor no coração. Os mortos eram para ser lembrados, mas superados.

“Preciso fazer alguma coisa” pensou Ron.



À noite, quando Ginny chegava às pressas em casa, apressando-se para chegar antes de Percy e Arthur, e Molly surgia exausta na lareira de casa, era que a melancolia instalada naquela casa se mostrava mais claramente.

Molly chorava pelos cantos, mas tentava ridiculamente parecer perfeitamente bem. Em todas as refeições ela se retirava de repente, e voltava com os olhos cheios de lágrimas. Arthur tornara-se uma pessoa fria, que mal notava a presença de seus filhos.

Percy andava mais mal-humorado do que o normal, quase insuportável.

Ginny era a que havia superado tudo mais rápido, mas ainda temia por Harry, tão vulnerável na casa de Andrômeda.

Naquela noite, antes de descer para o jantar, Ron ouviu sua mãe sussurrar com seu pai.

-... E Ron, - sussurrou Molly. – Tão forte... Ele deve estar destruído por dentro, pobrezinho.

-Ron parece ser mais forte do que imaginamos, Molly. – Comentou Arthur. – Ele sempre foi tão aberto quanto aos sentimentos dele.

Ron propositalmente fez barulho ao descer as escadas, e sentou-se a mesa, enquanto ao aceno objetivo da varinha de Molly, os pratos começaram a voar do armário para o prato.

Percy e Ginny chegaram a cozinha logo após, e todos sentaram-se para comer.

No meio do jantar, Percy olhou para os lados, inseguro, e tentou puxar uma conversa:

-Hoje lá no trabalho, parece que alguma espécie de feitiço para limpar carpete deu errado, por que o carpete começou a agarrar nossas pernas, como aquela vez em que o Fred... – E parou de falar abruptamente. Todos voltaram seus olhares para baixo, quando Molly recomeçou a chorar.

-Nós podíamos ter um jantar normal, pra variar? – Perguntou Ron, mal humorado. Seu comentário foi mais impactante do que esperava, até Ginny ergueu seus olhos para fitar Ron incrédulo.

Percy abriu a boca para falar, mas mordeu um dedo, achando melhor não quebrar o silêncio constrangedor que se formara.

Arthur largou sua colher na mesa e cruzou os braços, alegando não estar mais com fome, e ficou apenas observando os outros comerem.

Ron, envergonhado, também parou de comer e foi levar seu prato à pia.

-Você já chorou pela morte de seu irmão, Ron?! – Pergunto Molly em um grito histérico, repentinamente.

Ron ponderou sobre a pergunta enquanto voltava para a mesa, e com um aperto no coração, notou que não.

-Não há problema em sofrer, Ron. – Disse Arthur, fitando seu filho gentilmente.

-Então não me façam sofrer por vocês também! – Bradou ele. – Estou farto de vocês me olhando com piedade, ou comentando como eu fui forte! Desculpe se eu não deixei bem claro, mas eu não gostei nada da morte do Fred!

-Ron, não fale assim! – Bradou Molly debulhando-se em lágrimas.

-Encare o fato, mamãe! Fred foi, e nunca mais vai voltar!

-Ron! – Repreendeu Ginny, e neste momento até Arthur levantou-se.

-Fique quieto, Ron! A não ser que... – Começou Arthur. Mas Molly levantara-se e em passos rápidos contornou a mesa e chegou até Ron, onde deu-lhe um tapa. Apenas um tapa de força questionável, mas que transmitiu claramente a mensagem. Percy levou a mão à boca e correu logo para o lado de sua mãe, que desabara no choro mais uma vez. Ron olhou perplexo para sua mãe, e virou-se em direção à escada de forma brusca, derrubando a cadeira. Sem dizer nada, foi para seu quarto.



À noite, Percy foi até o quarto de Ron. Ele tocou seu braço, e ele acordou de súbito, alarmado.

Ele olhou curioso para Percy, que nunca o incomodava.

-Que foi?! – Perguntou, irritado.

-Você tem que pegar leve com mamãe. – Disse ele, simplesmente.

Ron levantou uma sobrancelha, e bufou. – Você me acordou para me deixar com peso na consciência? Eu falei por impulso, mas ela está se esforçando para que nós tenhamos piedade dela.

-Você notou o que você acabou de falar? – Perguntou Percy, parecendo realmente assustado. – Insinuou que mamãe chora a... – Parou de falar por alguns instantes e continuou – A morte de Fred para que sentimos pena dela? Te trata, Ron.

Ron não reclamou como faria normalmente. E Percy passou a mão na cabeça de Ron, como não faria normalmente. Ele sorriu, e assim que abriu a porta, Ginny se esgueirou para dentro do quarto.

Ginny sentou-se na cama de Ron, e ficou sem falar por muito tempo.

-Veio me fazer ficar mal também? – Perguntou Ron.

-Na verdade, eu vim dizer que eu te entendo. E que você pode contar comigo quando quiser desabafar. – Disse, bocejando. – E reclamar por que vocês dois me acordaram.

-Ainda não chegou o tempo em que eu vou chorar no ombro da minha irmã mais nova. – Disse, virando-se de costas para ela.

-Acho que você tem de arranjar algo para fazer de tarde. Você anda muito parado! Que tal se você fosse comigo à casa de Luna, amanhã?

-Agüentar aquela lunática? – Perguntou, num murmuro.

-Luna tem a incrível capacidade de captar os problemas mais profundos das pessoas. E tentar solucioná-los.

-Não, obrigado. Prefiro a minha fossa.

-Muito bem então. – Disse Ginny, saindo do quarto em passos leves.

Ron não comentou, mas passou boa parte da noite ponderando sobre a proposta de sua irmã.

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