Prólogo



Avril estava correndo no meio do bosque, seus cabelos vermelhos brilhando em volta do rosto, pela brisa suave. Sua pele era pálida e macia, e seu vestido rodado branco não tinha marcas ou máculas, como seu coração. Ela tinha 7 anos.
Seus pais estavam com ela. Riam, despreocupados, correndo também, chamando-a. "Vamos Avril". Avril gostava de ir ao bosque. Seu pai a ergueu nos braços, fortes, sem esforço. Ele a levou ao alto e girou-a no ar. De repente, ela um passaro e o mundo todo se estendia ao seu domininio. Ela poderia tocar as nuvens, o sol, o infinto, se estendesse a mão. Riu também, alegre, tomada pela mais doce inocencia, sem medo algum.
Seu pai a recolocara no chão. As folhas douradas de outono a receberam. Ele continuou correndo, seguindo a mãe de Avril, incentivando-a a alcança-los.
- Vamos, Avril! Vamos até o lago. Vamos nadar! - A vóz de sua mãe ecoou, se distanciando, lentamente.
Avril não parou de correr, mas começou a ficar para traz. Isso não a preocupou. Ela conhecia o lugar. Ela não tinha medo. Só seguiu seu caminho, sem ver aonde ia, porque seus pés a levariam automaticamente aonde queria ir. Sem perceber, ela parou de correr. Não conseguia ouvir mais os pais.
Mas ela sabia aonde ir. Era só subir a colina norte e veria todo o bosque. Ela sabia. Recomeçou a correr, agora com pressa. Percebeu que o vento parara. Seus passos descuidados vaziam um barulho de esfregar com as folhas caidas. Parou na base. O silencio se mantinha.
- Munsie? - Ela chamou, se balançando nas pontas dos pés. - Papá? - Não ouve resposta.
Era uma nuvem cobrindo o céu? A encosta da colina se arroxeava. A menininha olhou para cima. O sol se punha. Escurecia.
Avril começou a subir a colina, lentamente, a colina alta. Olhava para traz, sem ver ninguém. Teve medo de não poder ver os pais no escuro. Se apressou.
A colina não era lisa, mas seu topo era plano, como se uma parte da colina tivesse sido removida, com uma faca, depois de pronta. Não havia nada no topo elem de uma grande pedra plana, lisa e semi-enterrada na terra, onde Avril costumava subir e comandar o universo. Era a sua pedra.
Avril chegou ao alto da colina quando o céu era cinza, escuro, como coberto de fumaça. Ela não podia ver muitas estrelas. Venus brilhava timidamente. Sua intençao era subir na pedra para ficar mais alta, mas quando chegou diante dela, parou subitamente. Percebeu que não estava sozinha.
Havia uma mulher na pedra. Seu corpo se deixava meio de lado, languidamente estendido sobre a rocha plana, o rosto oculto por uma cascata de cabelos cor de sangue, dramaticamente esparramados, despenteados. A mulher era muito diferente para ser sua Munsie, mas era familiar. Avril nunca a vira.
A mulher ergueu o rosto lentamente, e mirou Avril diretamente nos olhos, como se soubesse exatamente onde esta se encontraria quando a olhasse. Avril piscou. Ela era surpreendentemente bonita, mas era uma beleza assustadora, estranha. Mítica. Seus olhos eram muito instintivos para serem civilizados. Ela era quase selvagem. E era muito mais jovem que aparentara. Poderia ter cerca de 15 anos, 16 talves.
Avril não sabia porque, mas teve medo. Deu um passo para traz. Deu outro, vacilante, e tropeçou. caiu de joelhos, as mãos apoiando-se no chão.
A moça deslizou para fora da pedra, e veio até Avril, num andar sensual, inconsciente. Parou diante dela, e também se ajoelhou. Segurou suas mãos, e as ergueu meito lentamente do chão, levando-as até os lados do corpo da menina. Se curvou sobre ela, e Avril afastou o corpo para traz, se afastando, acompanhando o movimento. Avril parecia hipinotizada, olhando os olhos da mulher, fixamente, sem dizer nada. Jamais pensou em gritar. Não conseguiria gritar, nem quando a moça apertou seus pulsos, e suas longas unhas rasgaram sua pele. Nem quando ela mordeu os proprios labios, lentamente, e eles começaram a sangrar. Avril estva aterrorizada, e fascinada.
A mulher girou lentamente o rosto, contornando o rosto de Avril, e começou a murmurar, com uma voz suave, aveludada,
- Não adianta procura seu pais, Avrilzinha - Ela a olhou bem nos olhos, gentil - Eles estão mortos. Já estão mortos... - Sua voz se tornou sarcastica, desdenhoza. Amargurada - Você não se lembra, Avrilzinha? Foi você que os matou.
Avril engasgou, e a seguiu com os olhos, e os cabelos da moça deslisaram, deixando exposta sua pele, logo abaixo da orelha direita. Havia uma pequena e fina cicatriz, uma clara linha quebrada, que formava três picos, o do centro mais alto, cada um encimado por uma ponto, semelhante a uma minuscula gota. O desnho todo tinha pouco mais de um centímetro.
Avril se moveu. O choque percorreu todo o seu corpo, e ela fechou os olhos com força. Sentiu como se fosse sugada por centenas de metros, e com um espasmo, acordou.
Se ergueu da cama rapidamente, desviando do dossel da cama, e cambaleou, arfando. "Está tudo bem", disse para si mesma. "Foi só um sonho. Só um sonho". Ela não tinha 7 anos, tinha 11, ela nunca fora a bosque algum, e nunca conhecera seus pais. Sabia que estavam mortos desde que nascera. Se dirigiu para o espelho, encolhendo os pés com o piso frio.
O espelho ocupava toda uma parede, e sua era moldura esculpida em prata. Havia dizeres gravados a fogo no lado esquerdo, numa lingua antiga. Avril parou, sua imagem minúscula refletida estava tremendo. Se aproximou mais, ficando a 30 centimetros da superficie, e ergueu os cabelos com a mão esquerda, esfregando a nuca com a outra. Baixou-a, procurando o sinal que mantinha escondido com suas madeixas rubras.
Brilhando perolada, nitida mesmo contra sua pele lívida, estava a parte de si mesma que ela não conseguia explicar, o enigma que não podia resolver. A marca, ou cicatriz que herdara do nascimento, desde que se entendia por gente, mas que era a única pergunta a qual nunca obtivera uma resposta.
Uma fina linha, formando tres picos, encimados por pontos.

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