Capítulo Único



A Valsa

Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co’as faces
Em rosas
Formosas
De vivo
Lascivio
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
-Não negues,
Não mintas...
Eu vi!...
Valsavas:
-Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias
P’ra outro
Não eu!
Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
-Não negues,
-Não mintas...
-Eu vi!


Casimiro de Abreu.


Scorpius entrou no salão já mal-humorado. Aquele não era exatamente o tipo de festa que preferia. Um baile de gala, músicas instrumentais, fraque, vestidos bufantes e largos. Mil vezes uma boate com música eletrônica e agitada, mulheres com vestidos curtos e colados, uma calça jeans e tênis confortáveis, ao invés daquele sapato preto apertado que sua mãe lhe comprara.

Ele não tivera escolha. Aquele baile era para comemorar a posse do novo ministro da magia, e seu pai, como um dos homens mais influentes dentro do ministério, tinha o dever de comparecer. E levar a família.

-“Lhe dou cem Galeões se você for e bancar o perfeito cavalheiro.” – disse seu pai, ao convidá-lo.

Scorpius, que havia bradado firme propósito de ficar em casa – ou, mais provavelmente, sair para outra festa mais a seu agrado – acabou por aceitar o acordo. E agora lá estava ele, sendo apresentado ao novo ministro, enquanto fazia planos mentais para escapulir dali e ir a alguma boate, procurar uma mulher que pudesse levar para a cama.

Após ser apresentado a meia dúzia de amigos de seu pai, Scorpius encontrou um velho amigo dos tempos de Hogwarts, Douglas Flint. Os dois cumprimentaram-se efusivamente e trocaram comentários sobre como haviam sido arrastados pelos pais àquela festa sem-graça.

À esquerda dos rapazes, uma orquestra tocava valsas harmoniosas e suaves. À frente do estrado onde estava instalada a orquestra, vários casais rodopiavam ao som da música. O salão era todo decorado em tons dourados e as velas acesas em grandes castiçais acentuavam aquela atmosfera áurica com suas chamas amareladas.

Do lado oposto aos dois rapazes, duas amigas também conversavam. Lílian Potter, sentindo-se uma verdadeira princesa em seu vestido verde-claro, tentava convencer sua prima, Rose Weasley, a se animar com a festa.

-“Vamos, Rose, aceite dançar com alguém!” – dizia ela, em tom de súplica. – “Uns dez rapazes já a convidaram, mas você não aceitou nenhum! Assim ficará solteira para o resto da sua vida.”

-“Não vejo problemas em ser solteira.” – respondeu Rose – “E não foram uns dez, foram seis rapazes. Além disso, não gosto de dançar valsa. Não com esse vestido apertado que mal me deixa respirar.”

-“Não aceita nem ao menos uma valsa com seu querido primo?” – disse Tiago Potter, aproximando-se das moças e fazendo uma reverência exagerada em frente a Rose.

A garota aceitou, em parte para não fazer uma desfeita ao primo, em parte para agradar à prima.

Tiago não era exatamente o que se pode chamar de exímio dançarino, mas sabia os passos básicos e não pisou nos pés de Rose nenhuma vez.

Enquanto rodopiava nos braços do rapaz, Rose teve uma visão geral das pessoas no salão. Avistou alguns de seus ex-colegas de Hogwarts com seus pais e dezenas de faces desconhecidas. Pensando no enorme trabalho de anatomia que teria de entregar no seu curso de mediebruxa na semana que vem, ela não conseguia relaxar. Mal terminara a valsa, ela afastou-se do primo dizendo estar com sede, e caminhou depressa rumo à mesa do bufet.

-“Está gostando do baile, Rose?” – era sua tia Gina quem falava, aproximando-se da jovem.

-“Para dizer a verdade, não muito. Todo esse falso ar formal me enoja! Veja, Tia, todos esses membros do ministério, os aurores, os inomináveis, o pessoal da reparação de feitiços acidentais e os outros; todos vestidos de gala, esbanjando sorrisos amarelos e falsos elogios uns aos outros. Não gosto disso. E o meu vestido está muito apertado.”

Gina riu, apanhou uma taça de champagne e disse:

-“Entendo o que você quer dizer, mas são essas atitudes que mantém a sociedade. Se todos fossem verdadeiros e nunca sorrissem amarelo uma única vez na vida, o mundo seria um caos. Eu sei que é difícil, mas um dia você vai entender que é preciso manter as aparências.”

-“Gina, querida, finalmente a encontrei! O ministro quer falar conosco.” – disse Harry Potter, aproximando-se da esposa.

-“Com licença, Rose, mas o dever me chama!” – disse Gina, piscando para a sobrinha.

Ela e Harry se afastaram de braços dados, deixando rose sozinha com sua taça de champagne.


-“Você ouviu falar que Hugo Weasley vai entrar para o Chuddley Cannons?” – disse Douglas Flint, fazendo uma expressão indignada.

-“Não me espanta!” – respondeu Scorpius Malfoy – “Um jogador medíocre para um time medíocre!”

E ambos os rapazes riram.

-“A última vez que joguei quadribol foi em Hogwarts. Já fazem três anos!” – comentou Douglas. – “Estamos velhos, meu amigo!”

-“Qual velhos qual nada!” – protestou Scorpius – “Sou muito jovem e feliz com meus vinte anos!”

-“E o que você tem feito desde que se formou?”

-“Nada. Ainda não decidi qual profissão seguir.”

-“Você pode, tem um pai rico que o sustente.”

-“Tenho mesmo!” – concluiu Scorpius, sorrindo amplamente.

-“Vamos pegar uma bebida?” – sugeriu Douglas, ao que o amigo concordou.

Os dois se aproximaram da mesa principal conversando e rindo. Não se cansavam de recordar velhos acontecimentos dos tempos de escola.

-“Aquele balaço com certeza afetou o cérebro dele!” – disse Douglas, entre risos – “Ouvi dizer que não conseguiu encontrar um emprego decente até hoje!”

Malfoy ria com ele, enquanto apanhava um pequeno salgadinho de aspecto exótico. Olhando ao redor, ele avistou uma moça de costas. Usava um vestido verde musgo, tinha o talhe esbelto e a cintura fina. Apenas uma parte de seus longos cabelos ruivos estava presa e as pontas formavam delicados cachos em suas espaldas. Quando ela virou-se, Scorpius pode ver seu perfil e concluiu que era uma garota realmente muito bonita. Pensando que aquele baile talvez não fosse um desperdício completo de tempo, ele murmurou um “volto logo” a Douglas e se aproximou da moça.

Rose bebericava seu champagne devagar. Seu irmão Hugo passou sorrindo de braços dados com uma loira desconhecida e lhe acenou animado. Rose retribuiu com um leve sorriso. Estava contando os segundos para ir para casa. Mais meia hora e ela desaparataria sem se despedir de ninguém.

-“Com licença, a senhorita me daria a honra desta dança?”

Rose virou-se para ver quem era. Um rapaz alto, com lindos olhos azuis e cabelos loiros estendia-lhe a mão, sorrindo.

Seu primeiro instinto foi recusar, mas aqueles olhos eram convidativos demais. Ela pousou sua mão na dele.

-“Por que não?” – disse ela, sorrindo de leve.

O rapaz a conduziu para a pista de dança e segurou-a pela cintura, de um jeito determinado, mas gentil. Seguindo perfeitamente o ritmo da música, ele a conduzia com precisão. Os dois rodopiavam com extrema leveza, valsando rápido, mas sem perder o ritmo e sem desviar o olhar um do outro.

Rose estava impressionada com a habilidade do rapaz em valsar. Como a dança fica diferente quando se tem por par alguém com tamanha leveza! Com ele, os rodopios não a deixavam tonta; ele a guiava por um percurso seguro, evitando colisões com os outros casais e eventuais acidentes na pista.

Logo, a maioria dos presentes passou a prestar atenção à eles. Os que conheciam o rapaz,comentavam como Scorpius Malfoy valsava bem com aquela jovem desconhecida. Os que conheciam a moça, comentavam como Rose Weasley e aquele desconhecido cavalheiro formavam um belo par.

Os cabelos ruivos de Rose balançavam de um lado para o outro como ondas de fogo, hipnotizando Scorpius, que sentia suas defesas fraquejarem. Rose, por sua vez, mergulhara fundo na imensidão azul dos olhos do rapaz, e sentia que dificilmente fosse conseguir sair.

Eles emendaram uma dança na outra e, quando se deram conta, já haviam valsado por três músicas consecutivas.

-“Estou um pouco cansada.” – disse Rose, parando no meio do salão.

-“Vamos até o jardim tomar um pouco de ar fresco.” – sugeriu Scorpius, oferecendo-lhe o braço.


De longe, Harry Potter avistou-os e comentou com a esposa:

-“O que a Rose está fazendo? Ela não sabe que aquele é o filho do Malfoy?”

-“Bem, talvez ela não saiba.” – disse Gina – “Já fazem dois anos que Rose saiu de Hogwarts e, se eu não me engano, Scorpius é um ano mais velho do que ela, então eles não deviam conviver muito nos tempos de escola.”

-“Então alguém deveria avisá-la!”

-“Avisá-la do que? De que ele é o filho do seu maior desafeto pessoal? Ora, francamente, Harry! Você não conhece o rapaz. É provável que ele seja melhor do que o pai. De qualquer forma, deixa sua sobrinha se divertir um pouco!”

Harry bufou, mas calou-se. Ele sabia que era inútil discutir com Gina, ela sempre estava certa.

O jardim era amplo e estava enfeitado com velas flutuantes. Havia vários banquinhos brancos espalhados, onde alguns casais conversavam. Ao longe, Scorpius avistou uma roseira e guiou Rose até lá.

-“Está uma bela noite.” – disse ela, para quebrar o silêncio.

-“De fato.”

Por algum motivo, nenhum dos dois encontrava o que dizer. Ajeitando o vestido, Rose sentou-se no banquinho ao pé da roseira. Com a ponta dos dedos, ela acariciou as pétalas de uma rosa branca, enquanto Scorpius a observava, ainda de pé.

O que havia naquela garota que o deixava tão preso? De alguma forma, ele sentia que aquela não era a primeira vez em que se encontravam, mas ele não conseguia lembrar o nome dela, nem aonde poderiam ter se visto antes. Teriam sido colegas em Hogwarts? Não, de jeito nenhum. Se fosse esse o caso, ele se lembraria.

Ele tinha que perguntar. Tinha que saber mais sobre ela. Abriu a boca para falar, mas as palavras não vieram. Ele sentia como se as palavras tivessem ficado entaladas em sua garganta, relutando em sair. “Vamos, Scorpius! Qual é o problema com você? Você nunca foi tímido perto de uma garota!” – era o que ele pensava, sem conseguir tirar os olhos dela.

De fato, Scorpius Malfoy sempre tivera todas as garotas que quis. Sempre soubera dizer as palavras certas nos momentos certos. Mas aquela garota ruiva, de certa forma, o intimidava. Sim, Rose emanada uma espécie de força que o deixava intimidado. Ele tinha, contudo, que se controlar. Sabia o que deveria fazer, e o faria.

Aproveitando que ela estava distraída com a rosa, ele virou-se de costas para ela e apanhou a rosa branca mais bonita que encontrou. Puxou a varinha do bolso e murmurou um feitiço, virando-se para Rose logo em seguida.

-“Sabe, eu vim a esse baile praticamente arrastado a força por meu pai.” – começou ele – “Quando cheguei, não imaginava que pudesse encontrar alguém como você.”

-“Como eu?” – Rose encarou-o no fundo dos olhos. Tudo bem, ele era bonito e gentil, mas ela não iria facilitar nada – “Como eu em que sentido? Bonita? Bem vestida?”

-“Não. Eu não pensei que fosse encontrar alguém mais parecida com uma rosa quanto você. Você é bonita, é delicada, mas não deixa de ter seus espinhos.” – ele sorriu, ela sorriu junto – “Você salvou a minha noite.”

Nisso, ele lhe entregou a rosa branca. Sem encontrar resposta, ela esticou mão para a flor. Quando Rose a tocou, porém, a rosa magicamente tornou-se vermelha.

-“Rose! Vamos!” – era Hugo Weasley quem gritava de longe.

-“Estou indo!”

-“Rose? Espere aí, você é Rose Weasley?” – Impressionou-se Scorpius.

-“Sim, eu sou. Imagino que você queira retirar algo do que disse, agora que sabe quem eu sou, Scorpius Malfoy.” – disse Rose, levantando-se.

-“Não, absolutamente. Eu só... não tinha reconhecido.”

-“Eu percebi. Só para constar: eu soube quem você era assim que a primeira música acabou. Bom, eu tenho que ir. Obrigada pela flor.”

Com aquelas palavras, ela virou-se para sair.

-“Rose, espera!”

-“Sim?”

-“Você vai aparecer no próximo baile de gala do ministério?”

-“Você não acha que me chamar logo para sair vai acontecer mais rápido do que esperar pelo próximo baile de gala do ministério?”

-“Próximo sábado?”

-“Me pegue às oito.”

Sorrindo, ela virou-se e se foi. Scorpius ficou parado, vendo-a se afastar. Em seu íntimo, ele sentia que o próximo sábado demoraria milênios para chegar.


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