Capítulo único






Some people laugh, some people cry.
Some people live, some people die.
Some people run right into the fire.
Some people hide their every desire.


O céu já não tinha mais lua. Era só escuridão que servia de palco pros primeiros e finos raios de claridade. Mas ali, entre as árvores, entre aqueles dois corpos, claridade alguma poderia entrar. Era só escuro. Vasto buraco negro que engolia os sorrisos puros. Afinal, já não tinha retorno. Ele estava irremediavelmente morto. Sem vida, sem ar, sem voz. Um corpo sozinho e estilhaçado. Mas Lupin ainda gritava, gritada pelos dois. O desespero lhe invadia a sanidade. Desespero banhado à culpa.


The day that you fall I’ll be right behind you
To pick up the pieces…
If you don’t believe me, just look into my eyes.
Cause the heart never lies.


Ele sabia que não era verdade, não tinha culpa, sua prodigiosa inteligência racional lhe lembrava a todo o tempo que era característica peculiar aos lobisomens não reconhecer quem quer que fosse nas fatídicas noites de lua cheia. Ele sabia, qualquer um sabia, a frase que ocupava todos os livros a respeito ainda dançava insistentemente em sua cabeça: “Mataria até mesmo seu melhor amigo.” Ele sempre soube mas agora era real, estava deitada a sua frente a perfeita prova de que ele o havia feito. Havia matado aquele que lhe dedicara a amizade mais pura, os sentimentos mais puros. Era ele, desde os 11 anos, sua maior fonte de sorrisos, o toque que lhe enlouquecia ao mesmo tempo em que o tornava decidido e motivado. Por Sirius moveria o mundo, carregaria o mundo, percorreria o mundo! A pé, descalço, pisando em chamas, gelo ou facas, se necessário. Não havia mais nada, afinal, quando a voz dele chamava. Era ele o dono de suas esperanças infantis, seus medos bobos, sua súbita vontade de cantar. Dono do primeiro beijo inocente, do primeiro abraço protetor e das cobertas que lhe cobriam e aqueciam pelas noites escondidas em Hogwarts. Noites que aumentavam sua segurança com provas concretas de que era tudo recíproco e nos braços de Sirius tudo estaria sempre bem. Noites em que a lua não descia.


Cause I’ve got you to make me feel stronger
when the days are rough and an hour seems much longer.
When I got you to make me feel better
When the nights are long they’ll be easier together…


Mas agora, afinal, o que lhe restava? Sua confiança de que tudo estaria bem, suas certezas ingênuas, haviam sido arrancadas. Pisoteadas, dilaceradas e rasgadas junto ao corpo frágil de Sirius. Corpo que ele, com seus dentes afiados e garras lupinas, havia abocanhado e destruído poucos minutos antes. Sentia nojo de si mesmo. Olhava as mãos, os dedos, os braços, estava completamente cortado e machucado devido à suposta briga mas não conseguia sentir dor. Eram aquelas as mãos que tinham, de alguma forma, arrancado a vida de Sirius, eram suas próprias mãos desprezíveis. Não podia sentir nada se não uma profunda culpa. E ódio, ódio avassalador, desesperadamente avassalador, profundo ódio.
Lupin se aproximou do corpo novamente. Sua expressão dura amoleceu por um instante quando fitou os olhos azuis e abertos. Tão azuis e fascinantes, olhos que sempre foram tão acesos. E agora pareciam ser de vidro. Sem brilho, reflexo, quase que sem cor. Desviou o olhar para não voltar ao choro e se pôs a tatear as vestes dele em busca da faca com a qual sempre andava. Pensou ainda na ironia de querer matar-se com uma faca pertencente àquele por quem vivia.


Looking in your eyes, hoping they won’t cry.
And even if they do, I’ll be in bed so close to you
Hold you through the night and you’ll be unaware
But if you need me I’ll be there


Lupin, afinal, o havia alertado tantas vezes. Sabia que não era necessário, Sirius conhecia bem os perigos de um lobisomem. Mas nunca parecia se importar. Brincava, ria, fazia piadas com a lua e, quando Lupin já começava a se irritar, ele o puxava em um abraço e lhe arrancava um beijo com promessas de que tudo ficaria bem. Tudo sempre ficaria bem. Mas ele se arriscava, sempre se arriscava. Teimava em ficar perto, por mais que Lupin o afastasse, cismava de seguí-lo quando a redonda lua chegava. Era teimoso e insistente, com suas teorias de que era perigoso estar na floresta, ainda que como lobisomem, com tantas diferentes criaturas por lá. Queria defendê-lo, protegê-lo, mesmo sabendo que – caso Lupin o encontrasse já transformado – quem precisaria de proteção seria ele. E precisou. Arriscava a vida freqüentemente em uma espécie de prova silenciosa de lealdade, preocupação, amor. E agora a havia perdido.


I never doubted you at all.
The stars collide, will you stand by and watch them fall?
So hold me ‘til the sky is clear and whisper words of love right into my ear.


Imerso em pensamentos nostálgicos, o homem secou as pesadas lágrimas pontiagudas que se arrastavam pelo seu rosto. Sentia-se fraco, fraco demais, como se metade de sua existência já estivesse morta. E, de fato, estava. Só lhe restava matar a outra – o que, considerando a situação, seria a parte menos dolorosa.
Pensou, então, em Sirius. O sol já se levantava, redondo e iluminado, parecia tentar reparar os danos que a lua havia causado. Era tudo culpa da lua, afinal. Mas nenhum espetáculo da natureza, por mais belo que fosse, seria capaz de colorir a cena. Nenhum espetáculo no mundo conseguiria ser mais belo do que a lealdade de Sirius. A prova – ainda que estrondosamente dolorosa – que ele havia dado com relação ao seu amor sempre subentendido, à sua cumplicidade fiel, estava ali: visível, palpável, concreta e mórbida. Era aquele corpo silencioso e sem vida a declaração que Lupin nunca pôde ouvir em palavras.


The world would be a lonely place
Without the one that puts a smile on your face…


Sorriu uma última vez ao passar os dedos pelos cortes no rosto sem vida. Os raios amarelados tocavam sua pele como se a pudessem curar, como se pudessem devolver a vida que se esvaía. Em um movimento certeiro, Lupin fincou a faca no próprio corpo e teve a certeza do inevitável. Mas a dor nunca veio, apenas o alívio. Caiu por cima do corpo de Sirius com uma certa segurança de que agora tudo estaria bem. Agora sim tudo estaria bem, não havia dor, noite ou perigo. Nunca mais haveria noite ou escuro, nunca mais haveria outra lua, nenhuma outra lua para separá-los. Viveriam, pra sempre, em dias de sol.


So hold me until the sun burns out
I won’t be lonely when I’m down.

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Comentários (1)

  • Lilian_Prince.

    Viveriam, pra sempre, em dias de sol. Eu amei eu to emocionada não sou uma fã de Sirius e Remus mais essa fic e fantastica... tudo é culpa da lua afinal.

    2012-02-04
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