Metamorfose



Essas Flores,
Capítulo II – Metamorfose


Era noite. Naquele dia, Snape optara por não fechar as cortinas. A lua parecia distante vista de seus aposentos nas masmorras, estava acima dele, mas o brilho dela iluminava cada canto do espaço, fazendo desnecessária qualquer iluminação. Ele, que era homem de velas, nunca havia pensado em utilizar iluminação natural para seus ‘trabalhos noturnos’, agora via que a própria natureza dava-lhe belezas que ele, tolo, desprezara. Talvez ele ainda não soubesse que a partir daquele dia, passaria a enxergar as belezas naturais de maneira mais ampla, permitiria-se apreciar o doce, o simples, o belo.

Ao deitar na cama, a temperatura era agradável. O ar úmido do andar quase subterrâneo em que era acomodado contrastava com a temperatura quente do adeus da estação mais quente do ano, resultando num clima fresco e apropriado. Há um tempo que já se acostumara com os lençóis cheirando a alfazema dos quais reclamava no início, mas naquela noite notara que incomodou-se. Por estar acostumado com o mesmo perfume comum, o dele, acabara por não prestar atenção nos bons aromas que lhe eram apresentados. Porém ao sentir as narinas serem invadidas pelo perfume de rosas silvestres, recém colhidas, vindo de Rose, notara o quão simplório e indigno era aquele aroma: alfazema. Fez uma anotação mental para não esquecer-se de pedi-lo aos elfos que mudassem depressa o cheiro daquilo. Enquanto não o fez, usou um feitiço para neutralizar qualquer odor presente em seu quarto.

Inconscientemente, Snape esperava ter uma noite neutra, sem sonhos nem pesadelos, porém tivera um dos melhores sonhos de sua vida. Nele, via-se ao lado de uma moça jovem e bela que esbanjava sorrisos, coberta por cabelos vermelhos vivos, duas esmeraldas cercadas por cílios longos e acastanhados no rosto e demais traços delicados. Não, não era Lily. Era ela, Rose. Aquela jovem que encantara-lhe de modo singular apenas por existir, pelo jeito de falar, agir. Cada movimento dela parecia chamar-no para perto, como um convite. Ela esbanjava juventude, cantava e dançava entre as flores e Snape mal conseguia acompanhá-la, mas ela não parecia se importar. Pelo contrário, quando ele tombou ao chão de cansaço, deitou-se em seu peito e adormeceu, com uma margarida na orelha esquerda, debaixo de um sol dourado e imóvel num céu de mentira. Até que despertou.

E Lily, pela primeira vez em anos, não fazia parte das paisagens bucólicas que raramente apareciam para ele.Parece que a amada desde a infância deixara sua mente para sempre, dando lugar a alguém novo que pudesse abrir os caminhos de sua mente pra algo maior. O professor jamais comentara daquilo com alguém, mas as sensações que experimentou naquela noite ao lado da pequena desconhecidas foram completamente novas. Ele, que sempre fora um homem tão seguro de seus sentimentos, que se dizia amar uma mulher que nunca teve, estava começando a descobrir que o conceito limitado que ele mesmo atribuira a palavra ‘amor’ é que de certa maneira destruiu as possibilidades de uma realização. O sentimento que ele tanto falou a Dumbledore, que tantas vezes afirmou nutrir pela amiga, eram paredes que ele mesmo construíra para privar-se do mundo exterior. E algo dentro dele gritava, gritava que era hora de mudar.

Levantou-se, tomou seu café da manhã. Mas dessa vez com cautela, apreciando cada sabor, cada aroma diferente. Comera, não engolira, como sempre fizera. Pouco apouco, Snape tornava-se outro homem.

Naquele dia, não teria aula com a turma avançada de poções. Quando deu-se por conta de tal fato, não se surpreendeu por dar aquela importância a uma menina que mal conhecia. Porque ele sabia que Rose Delilah Cartier nunca fora uma estranha.

’Eu já te via muito antes nos meus sonhos...’


Naquele instante, declarou pra si mesmo que sua vida tinha um novo propósito. Cansara, finalmente, de viver a sombra de Dumbledore, trabalhando e sobrevivendo, queria viver. Queria encontrar motivos plausíveis pra sonhar. E seu motivo era ela: Rose. Tê-la, somente a ela. Era seu mais novo objetivo e esse ninguém o tiraria, jamais.

O sinal ecoara pelos corredores, era hora de começar.

Aulas, aulas e mais aulas. Poderiam ser todas iguais, mas nenhum aluno pode deixar de perceber a notável mudança no comportamento do professor. Notaram que suas explicações poderiam ser mais facilmente compreendidas, as repreensões perderam aquele ar de prazer, mas os alunos de Snape também notaram que o olhar dele às vezes se perdia...

Ao terminar sua jornada de trabalho, pensou em falar com Dumbledore. Precisava contar a ele o que sentia, por quem sentia e principalmente, contar a ele sobre a mudança que ocorria dentro de seu próprio modo de pensar. A estrutura de pensamento do ‘Príncipe Mestiço’ estava passando por uma metamorfose definitiva. Estava se tornando um novo homem e ninguém era mais aconselhado para ampará-lo (pois claro, Snape temia o novo). Se dirigia até a passagem, quando esbarrou em um aluno qualquer.

- Professor Snape, o senhor precisa puni-las!

Snape dirigiu o olhar a ele, seu tão útil informante. Não daria crédito algum ao menino em circunstâncias normais, mas resolveu ser gentil com ele já que o garoto dera-lhe de bom grado informações sobre sua Rose.

- Diga, Sr. Ritchcook.

- Elas estão fumando, professor! Na porta do banheiro feminino, fumando erva de fogo!

- O quê? Espere, erva de fogo é uma droga ilícita!

- E-exatamente, professor. – Ele ajeitou os óculos. – Vim denunciá-las.

- Claro, eu vou até lá com você, leve-me até elas.

Ao chegar na porta do banheiro, encontrou-se com figuras conhecidas, até demais.

- Francamente, Srta. Harrington, como sempre.

A garota mais alta enrubesceu. Melinda Harrington era uma jovem de cabelos escuros, compridos e desformes. Usava uma maquiagem pesada, saias curtas demais até pra Sonserina e botas de salto muito superior ao limite imposto pela Sra. Biggle nas regras de uniforme. Estava sempre metida em problemas, envolvendo tanto drogas quando sexo inapropriado. A desonra da casa, assim conhecida entre os professores. E Snape, claro, era quem sofria com as crises da garota, como direto da casa que lhe convinha.

- E você, Srta. ...

Quando a menina se virou para trás, a sensação repentina daquele perfume inebriante arrasou com qualquer ira que pudesse existir naquele homem. Era ela, sua Rose.

- Cartier. – Ela mesma completou. – O que vai fazer em relação a isso, Snape?

Em seu pescoço alvo brilhava uma gargantilha dourada com um pingente de coração que parecia que ia se abrir a cada momento. O homem permitiu que seus olhos se perdessem por ali por alguns ínfimos segundos, mas logo depois tornou a encará-la nos olhos, demonstrando toda a firmeza que ainda lhe restava.

- Simples, minha cara, detenção para as duas. Srta. Harrington, como minhas detenções parecem não surtir efeito na senhorita, designarei um responsável a altura para cuidar de você. Conversarei com Filch hoje mesmo sobre seu caso e ele a aguardará ansiosamente após o jantar, na sala de troféus, para tirar os germes que escaparam da estufa pela manhã e a pobre Madame Pomfrey ainda não conseguiu dar um jeito. E quanto a você, Srta. Cartier, na minha sala às 22h. Talvez duas horas de detenção curem essa sua paixão repentina por pequenos crimes. E ah, antes que eu me esqueça, - disse, retirando as piteiras e seus conteúdos das mãos das jovens – isso fica comigo.

Sem mais delongas, como repete o próprio, deixou-as sozinhas e partiu para o caminho que teria tomado se não tivesse sido interrompido por essa doce coincidência.

- Pudim de abóboras com caramelos ...

A porta nem se mexera.

- ... crocantes. – Suspirando e revirando os olhos. Dumbledore e sua criatividade excessiva.

Quase tropeçou ao subir as escadas, tamanha era a urgência.

- Ah, olá, Severus. O que te traz aqui?

- Ah, olá, eu espero que não esteja ocupado ...

- Severus, me conhece há tantos anos e ainda não sabe que jamais estarei ocupado para um amigo.
- Que bom, porque preciso lhe falar, falar sobre ela.

- Ela? Ora, Severus, não tem vergonha? Lily nem está mais entre nós.

Dumbledore nunca dera crédito ao sentimento dele por Lily e isso o incomodava, mas agora via que a sabedoria daquele velho era além do que supunha.

- Não falo de Lily. – A aspereza seria a última de suas características a serem revertidas, certamente que seria. – Falo de outra mulher, outra flor. Queria lhe falar sobre minha Rose ...

- Pelas calças de Merlin!

O diretor gritou, com toda a voz que ainda restava-lhe no peito. Estava surpreso, mas se calou e permitiu que o homem a sua frente falasse-lhe sobre aquela que despertara um sentimento até então desconhecido em seu coração.

Snape, após contar um resumo sucinto do dia e dos últimos minutos que se passaram, num rompante desesperado de romantismo, usou de um poema de Shakespeare, que lhe tirava as palavras da boca.

My mistress' eyes are nothing like the sun Os olhos de minha amante em nada ao sol se parecem,
Coral is far more red than her lips' red Seus lábios rubros, menos que o coral
If snow be white, why then her breasts are dun Se é branca a neve, os seios lhe escurecem
If hairs be wires, black wires grow on her head Negro o cabelo, em fios de metal

I have seen roses damask'd, red and white Vi rosas rubras, brancas, cor-de-rosa
But no such roses see I in her cheeks Mas nunca a face de rosas corada
And in some perfumes is there more delight E fragrância há bem mais deleitosa
Than in the breath that from my mistress reeks Do que o cheiro que exala a minha amada
I love to hear her speak, yet well I know Gosto de ouvi-la falar, mas bem sei
That music hath a far more pleasing sound Que a música apraz com mais perfeição
I grant I never saw a goddess go Uma deusa a passar nunca notei
My mistress, when she walks, treads on the ground Pois quando caminha ela pisa o chão
And yet, by heaven, I think my love as rare Ainda assim, o meu amor é tão raro
As any she belied with false compare Como o que o desmente quando o comparo


Enquanto recitava, cada palavra, até mesmo as mais inapropriadas lhe remetiam a imagem dela. Tanto sorrindo e cantando angelicalmente em seus sonhos secretos como espantada e amedrontada diante da descoberta de sua travessura. Seria esplêndido passar o resto da vida revivendo tão poucas, porém tão sublimes lembranças, mas os aplausos de Dumbledore trouxeram-lhe de volta à vida.

- Então nossa Rose teve todo esse poder?

- É o que parece. – Suspirava quase sem fôlego.

- Severus, há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe sua muito bonita, no entanto vã filosofia.

- Olha, eu sei que o Sr. tem um gosto peculiar em piadinhas, mas hoje eu estava precisando de conselhos, se não for pedir-lhe muito.

- Você disse que tem detenção com ela hoje, não é mesmo?

- Sim, mas onde isso muda alguma coisa?

- Vejo que tenho muito a te ensinar. Devo estar ficando louco, um velho gagá como dizem meus opositores políticos. Apoiando um amor entre professor e aluna!

- O Sr. acha que isso tem qualquer probabilidade de se tornar realidade ou eu estou entrando num barco furado?

- Muito mais probabilidades do que você pensa, Severus. Apenas trate-a com gentileza.

- Correto, gentileza. – Sibilava.

- E isso irá trazer-lhe a garota.

- Obrigado Dumbledore, espero que aquela parte de mim que não consigo controlar siga exatamente suas diretrizes.

- Assim espero, Severus.

- Adeus então.

- Adeus.

Severus Snape deixou a sala de seu velho amigo com a sensação de que estavam escondendo-lhe alguma coisa e essa coisa poderia ser importante, mas se há uma coisa que aprendera durante todos esses anos em Hogwarts fora a confiar no velho. Ao fechar a porta, deixou para trás um ancião risonho e esperançoso.

- Ah, quisera eu e você termos provado desses prazeres humanos, não é minha querida. – A fênix bicava seu dedo, brincando. – Se o que esses dois dizem sentir um pelo outro é verdade, teremos um belo casamento, Fawks. Ah, o amor.

__

GEENTE :D
agora a fic começou \o/
esse foi o capítulo inicial, pra dar o gostinho. a partir de agora tudo será betado antes, pela minha beta MARA Priscila, ou Bella/Mel Black, escritora da célebre HDM. Obrigada por lerem essa fic (na qual estou me empolgando pacas, diga-se de passagem).

Moltosbechos,
Gabie :@

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