Capítulo único




Fleur corria pela casa desesperadamente. Os pés descalços sofriam o choque do chão gelado a cada passo mas, ainda que pisasse em facas, correria com a mesma velocidade. O fôlego parecia se perder dentro dela, misturado ao desespero que agora fazia de sua pele mais pálida e suas mãos mais geladas que o próprio chão. A casa nunca havia parecido tão grande e ao mesmo tempo tão vazia. Segundos de espera pareciam eternidades pelo ambiente escuro. Escuro, frio, aberto, exposto. O vento que entrava pelas janelas arrombadas balançava a destruição que antes ela tinha como suas coisas. Mas não se importava, todas as suas lembranças espalhadas pelo chão seriam nada perto do desespero de encontrar Dominique. Seu peito parecia afundar a cada batida de seu coração e o som dele só não podia ser ouvido pois o de sua respiração acelerada conseguia ser mais forte. E agora se misturava à doce canção de ninar que tocava, canção que Fleur usava pra niná-la, pra fazê-la dormir e se banhar em sonhos puros. Sonhos que já não tinha. Estava deitada no chão do quarto quando Fleur entrou. Se não fosse pelo sangue, poderia se dizer que estava apenas dormindo com sua camisola cor-de-rosa e o urso de pelúcia jogado ao seu lado. Tão pura e pequena, com as mãos delicadas abertas de forma irreversível, tinha a expressão de um anjo. Um grito intenso se misturou às notas da canção que ainda tocava. Fleur a abraçava desesperadamente como se seu toque pudesse fazê-la voltar à vida, como se quisesse morrer no lugar dela se tivesse chance. E morreria. Daria a vida e o mundo, daria os braços e as pernas, o que tinha e não tinha pra ter de volta sua menina. Afinal, ela não tinha tido a chance de olhar em seus olhos mais uma vez. Não ouviu sua última respiração, não percebeu seu sorriso uma última vez. E ainda que tivesse percebido seria sempre pouco, ficaria sempre o vazio implorando por mais um. Pra que ela acordasse e sorrisse com a delicadeza que só ela sabia usar. Seria sempre o vazio, o vazio eterno. Fleur já sentia-se fraca demais pra se levantar, queria abraçar Dominique eternamente e nunca abandonar seu corpo pequeno e sem vida. A canção já tocava as últimas notas quando seu choro se tornou mais leve... Tão desesperador quanto antes mas ainda mais sufocante e triste. E no quarto escuro só o que se ouvia era a respiração dela. Sem canção, sem vida. Só uma respiração sozinha implorando por companhia.

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