George - Parte I



George - Parte I

A atmosfera no tribunal era pesada. Os semblantes de todos que ali estavam, eram sérios e denunciavam que aqueles não eram julgamentos comuns. O esquadrão de aurores, à postos para qualquer eventualidade, zelava para que tudo ocorresse da melhor forma possível. Alguns membros da Ordem da Fênix, entre eles Harry Potter, Rony Weasley e seus irmãos Gui e Carlinhos, se encontravam sentados à esquerda das cadeiras onde os acusados estavam sentados, durante o julgamento.

Macnair e Rockwood, os primeiros a serem julgados naquele dia por suas participações na Batalha de Hogwarts e auxílio à ascenção ao poder pelo Lord das Trevas, tinham sido sentenciados a trinta anos de prisão em Azkaban e agora, Dolohov e Yaxley ocupavam as cadeiras no meio do tribunal.

- ...e estas são as acusações imputadas a cada réu... - Tibério Ogden, encarregado das acusações pelo Departamento de Execução das Leis da Magia, fazia seu discurso, quando foi interrompido pelo grito de uma voz engrolada.

- ESSE BASTARDO MATOU O MEU IRMÃO!

- George - Rony sibilou ao ver o irmão entrar, escancarando a porta do tribunal, ao mesmo tempo em que Gui se aproximava e o segurava.

- ME LARGA GUI! - George berrou, tentando se livrar dos irmãos, mas perguntando em seguida, com a voz pastosa: - Ele foi acusado pela morte de Fred?

- Foi...

- DESGRAÇADO! ME DEIXA ACERTAR ESSE FILHO DA PU...

- Venha George, vamos sair daqui. - Harry tentou interferir, mas George continuou tentando se soltar de Gui e Rony, os punhos cerrados prontos para acertar qualquer um.

- Não! - Ao ver o amigo parado diante de si, George o encarou, parando de se agitar e gritar. - Eu tenho que acertar umas contas antes, Harry. Você não vê? Eu vou acabar com ele e depois eu vou... Quim! O-oi Quim, que-quer dizer, ministro.

- George, por favor - a voz grave de Quim Schakelbolt fez com que George parasse de tentar alcançar Dolohov, que olhava a cena com ultrajante despeito.

- Me larga, caramba. Qual é a de vocês? - George perguntou para Gui e Rony que ainda o seguravam. - O Fred também era irmão de vocês, não querem se vingar?

- George, vingança não leva a nada - Harry falou com firmeza, olhando o amigo nos olhos. - E você não está ajudando.

George parou novamente de se debater nas mãos dos irmãos e pareceu cair em si. Baixou os olhos, o rosto vermelho de raiva banhado em lágrimas, e então perguntou:

- Harry, ele vai ser condenado, não vai?

- Vai George - garantiu Harry. Vendo a aproximação da antiga colega grifinória que atualmente fazia estágio no ministério, pediu: - Oi Angelina, será que dava para você levar o George para tomar um café?

- Claro Harry. - Angelina se aproximou de George e tocando em seu braço para conduzi-lo à lanchonete, continuou: - Olá George, vamos?

- Me solta. - George rosnou feroz, pegando todos de surpresa. - Eu não sou o Fred!

Tão bruscamente quanto chegou, George saiu do tribunal, pisando duro e deixando atrás de si além da comoção que causou, o cheiro forte do whisky de fogo com o qual se embebedara.

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Ele não se importava,então porque diabos os outros tinham que ficar lhe enchendo o saco? Esperava realmente que tivesse acertado Carlinhos em cheio, quando atirara nele seu sapato. Ou fora em Percy que jogara o sapato e em Carlinhos uma garrafa vazia? Tanto fazia. Ele não se importava. George só queria ficar em paz, ou melhor, queria ficar sozinho, pois em paz ele duvidava que voltasse a ficar algum dia.

Mas parecia que todos resolveram procurá-lo. Por que seus irmãos, seus pais e até mesmo Lino, não estavam em suas próprias casas sentindo a morte de Fred assim como ele? Como eles não estavam sentindo a mesma dor que ele sentia?

George virou novamente a garrafa de vinho dos elfos que segurava, em sua boca, só para descobrir que estava vazia. Dizendo um palavrão que faria seus irmãos corarem, soltou a garrafa e sentou no sofá onde se largara. O estado da sala não diferia do restante do apartamento em cima da loja de logros onde ele se escondia desde o funeral de seu irmão Fred, um mês antes: estava uma completa bagunça pontuada, aqui e ali, com cacos dos objetos que George atirara, ou para repelir alguém ou somente para aliviar sua dor.

A cabeça de George estava pesada e doía, enquanto tentava alcançar sua varinha que tinha caído no chão quando se mexera no sofá. Segurou-a o mais firme que suas mãos, trêmulas de fraqueza pelos incontáveis dias que só comeu o que encontrou próximo às garrafas, conseguiram, e disse:

- Ac-accio whisky de fogo... - ele esperou mas não houve nenhum movimento. - Ok. Accio vinho dos elfos! - A irritação recomeçou a se formar quando não aconteceu nem um ondular do ar ao seu redor. - Ok, ok! Vamos ver... Accio cerveja amanteigada!

Após alguns segundos de espera infrutífera, George se levantou do sofá, cambaleando furioso entre o lixo que se acumulara ao redor e dirigiu-se à cozinha, onde passou a abrir porta por porta dos armários, verificando cada espaço a procura de alguma bebida.

- Merda, - murmurou derrotado, sentando-se no chão frio e encostando a cabeça num dos armários recém-vasculhados. - Fred vai me mat...

Ele se interrompeu. Fred não iria matá-lo por ter acabado com todo o estoque de bebidas. Fred estava morto. E esse era exatamente o motivo pelo qual tentava amortecer sua dor. Enquanto tentava resolver o que faria a seguir - ir até o Caldeirão Furado ou afundar novamente no sofá -, o som de alguém chegando por sua lareira fez com que seus lábios se crispassem e ele passou a bater com a cabeça no armário, frustrado.

- Vão embora!

- Sua mãe preparou essa comida para você, filho.

Arthur parou à porta da cozinha, observando seu filho: as olheiras profundas abaixo dos olhos vermelhos, a pele sem viço, a aparência imunda. Nada mudara desde que o vira, alguns dias antes. Seu primeiro impulso foi gritar com George e obrigá-lo a passar alguns dias na Toca como sua esposa queria, mas ele não tinha forças para isso. Arthur, assim como Molly, queria que George estivesse protetoramente em baixo de suas asas, mas eles não podiam lutar contra todo o desespero que ele sentia, e que fazia parte de seus próprios sentimentos. Então, o mínimo que conseguiam fazer para ajudar George era relevar suas ofensas, (que sabiam que não existiriam não fossem a bebida e a circunstância), e cuidar para que ele tivesse forças quando conseguisse retomar a sua vida. Entrou na cozinha e depositou o grande farnel que trazia sobre o fogão.

- Sua mãe preparou aquela torta de rins que você tanto gosta.

- Eu não quero comer nada. - George resmungou, desviando o olhar para o lado contrário onde seu pai estava, mas arrependendo-se em seguida ao divisar a porta que levava à loja, no andar de baixo.

- Você precisa comer alguma coisa. Vai acabar no St. Mungus assim.

- Eu não me importo.

George se esforçou para se erguer, recusando a ajuda que seu pai oferecia, estendendo-lhe a mão como apoio. Num gesto de orgulho desesperado, alisou a roupa que vestia e tentou arrumar o cabelo desgrenhado, passando por Arthur e voltando a se largar no sofá da sala. Seguindo o filho de perto, Arthur sugeriu, mais uma vez:

- Por que você não passa alguns dias em casa, conosco?

- Essa é a minha casa. E eu já disse a todos vocês que eu quero ficar sozinho, ok?

- George...

- Pai, por favor.

O pedido, última tentativa de George para não ser grosseiro em demasia com seu pai, foi ríspido. Arthur deu um suspiro cansado, a aparência derrotada de quem sente que havia perdido os dois filhos gêmeos para a guerra. Aproximou-se de George, inclinou-se e beijou-lhe o topo da cabeça, como fizera tantas vezes antes, quando seus filhos estavam tristes e não tinha mais palavras para consolá-los. Em seguida, rumou para a lareira, apanhou um punhado de pó de flú no console e voltou para casa, escutando antes de desaparecer os soluços de George.

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George estava no corredor, saindo do banheiro, quando o barulho de alguém chegando pela lareira o assustou. Fazia agora quase uma semana desde que seu pai estivera lá, e depois disso aparentemente eles haviam desistido de incomodá-lo. Encostou-se no portal que dava para a sala, cruzou os braços em frente ao corpo e observou o recém-chegado, até que este percebeu que não estava mais sozinho.

- Ah, você está ai? - Rony deixou a caixa que trazia no chão, perto do sofá e voltou-se para o irmão. - Nossa, isso aqui está pior que o meu quarto!
- O que você quer?
George passou pela sala, indo direto para a cozinha, onde abriu o armário para pegar uma garrafa de cerveja amanteigada.
- Não precisa tacar nada em mim... – Ron falou, seguindo seu irmão. – Eu só vim deixar essa caixa que nossa amada tia Muriel exigiu que lhe entregássemos.
- Pode considerar entregue.
- Ei, eu aceito uma.
- É, e eu te ofereci realmente... - George ergueu as sobrancelhas, sarcástico.
- Deixa de ser pão-duro. - Rony puxou a varinha e apontou para o armário atrás do irmão. - Accio cerveja amanteigada.
- Rony, eu não sei se você percebeu, mas eu não ‘to muito a fim de conversa.
- Eu também não.
Sem se importar com a expressão furiosa do irmão, Rony voltou até a sala e se jogou na poltrona, apreciando a bebida. Mastigando um palavrão, George foi até o sofá, onde passou a observar o conteúdo da caixa que tia Muriel enviara. Quando começou a sentir os olhos arderem e um bolo se formar em sua garganta, voltou sua atenção novamente para Rony, que com uma cara amarrada bebia a cerveja em longos goles.
- Você e a Mione brigaram?
- Como você sabe?
- Você só fica com essa cara quando briga com ela. - Rony olhou-o pasmo, antes de esvaziar a garrafa. - Então, vocês se acertaram?
- Hum-hum. Vou pegar outra - Ele avisou, indo até a cozinha de onde ouviu George comentar.
- Bom, já não era sem tempo.
- Por que todos vocês falam a mesma coisa?
- Aquela tensão toda entre vocês era meio óbvio, não acha? – Um gesto obsceno foi a única resposta de Ron, fazendo com que George soltasse uma risadinha antes de continuar. - O que houve dessa vez?
- Não era você quem não queria conversar? - George rebateu com o mesmo gesto que o irmão fizera, acompanhado de um olhar sarcástico. - Ela não me deixou ir com ela para a Austrália.
- Ah... entendo.
- Entende é? Então me explica, porque eu não consigo essa façanha. Uma hora ela jura que me azara se eu abandoná-la novamente, na outra fica ofendida porque eu disse que ia junto com ela, buscar os pais...
- Você abandonou ela? - George perguntou a meio caminho da cozinha.
- A cerveja acabou - Ron avisou antes de responder. - Longa história. Foi no final do ano passado, durante a nossa viagem.
- E quando você voltou...
- Foi meio assustador - Ron lembrou com uma careta.
- Lição número um, Roniquinho: as garotas sempre são assustadoras, mas nós não podemos deixá-las perceber que sabemos disso -filosofou George, servindo-se da garrafa que trouxera da cozinha.
- Põe para mim também.
- É whisky de fogo.
- E daí? Acho que depois de tudo que aconteceu nesse último ano eu tenho alguns direitos, não é?
Com um leve sorriso nos lábios, George serviu ao irmão, enquanto falava:
- Lição número dois: para a mamãe nunca teremos direitos, e se você chegar lá cheirando a bebida, ela arranca teu couro.
- Um brinde a isso...
A cabeça de George doía como se tivesse sido pisada por um dragão, mas mesmo assim ele resolveu que era melhor levantar do que se arriscar a vomitar no sofá. Com movimentos lentos, ergueu-se e abriu os olhos, notando que seu irmão Rony não estava mais ali. Percebeu também as duas garrafas de whisky de fogo que comprara no dia anterior, vazias, largadas pelo chão, mas desviou o olhar. Tinha bebido além da conta mais uma vez. Na verdade tinham, pois Rony o acompanhara bravamente. Mas suspeitava que aquele devia ser o primeiro porre do irmão, enquanto ele já não lembrava a última vez que ficara sóbrio. Na realidade ele tentava era esquecer esse dia... Uma tontura súbita o desequilibrou, fazendo com que ele tropeçasse na caixa que Rony trouxera, derrubando parte de seu conteúdo.
Um dos Detonadores Chamarizes que, George lembrava, Fred estava tentando aperfeiçoar para explodir somente no dobro do espaço, escapou da caixa e em seguida começou a se mover em sua direção. Mecanicamente ele se abaixou e pegou o pequeno objeto entre seus dedos. Talvez fosse melhor soltá-lo antes que explodisse, pensou dando uma risada triste. Não lembrava se o irmão tinha conseguido terminar de trabalhar no invento... Mas antes que fizesse qualquer movimento na intenção de soltá-lo, o Detonador prendeu seu corpo de buzina na camiseta de George, pareceu fungar por um instante e em seguida perguntou, causando um enorme susto nele, que não se lembrava de Fred ter cogitado colocar nenhum feitiço de voz ali:
- Hermione? - o Detonador fez outro movimento que lembrava vagamente a inspiração e antes de se soltar e tentar recomeçar a se mexer: - Hummm, não...
- INFERNO SANGRENTO! Ignorando o martelar ininterrupto em sua cabeça, George largou o Detonador - que tentava de todas as maneiras escapar de sua mão, e rumou para a lareira e em seguida para a casa de seus pais.

Uma forte naúsea fez George respirar fundo quando saiu na lareira da Toca, atraindo a atenção de sua mãe que estava na cozinha (e provavelmente tinha visto a movimentação em seu relógio mágico que voltara ao seu lugar na parede). A senhora Weasley esganiçou-se toda ao vê-lo.

- George, meu filho! Graças a Merlin - Molly segurou o rosto do filho entre as mãos enquanto continuava: - Você está tão abatido...

- Cadê o Rony?

- O Rony? Acho que ele está no quarto. Mas, venha até aqui, - a senhora tentou puxar George para a cozinha, sem muito sucesso. - Eu acabei de tirar um bolo...

- Agora não, mãe!

Com um gesto brusco, George se livrou do toque de sua mãe, que deu um passo para trás, os olhos arregalados e úmidos, observando enquanto ele subia as escadas até o sótão rapidamente.

Rony gemeu alto quando a porta de seu quarto bateu com força na parede, anunciando a entrada de George. Contudo, ser erguido da cama pela gola da camisa, definitivamente o assustara.

- O que...

- DESGRAÇADO, VOCÊ NÃO TINHA O DIREITO!

- Mas o que foi que eu fiz?!

- Você não tinha o direito de mexer nas coisas do Fred!

- Mexer no que?

- Nos inventos de Fred que estavam naquela caixa que você levou.

- Ei, para. Mas que merda! Eu só mexi num daqueles Detonadores Chamarizes, porque estava na caixa de "a terminar".

- O Fred estava trabalhando num modo de aperfeiçoar ele um pouco antes de sairmos para a batalha!

- E como eu ia saber? Eu só imaginei uma utilidade para aquela joça. Me solta!

- Nunca mais, ouviu bem! Nunca mais mexa nas coisas de Fred!

- Pode deixar que eu não vou nem mesmo chegar perto das coisas do Santo Frederico Weasley - debochou Rony, fazendo com que George urrasse furioso.

- Filho da mãe!

- Que diabos está acontecendo aqui? - Gina perguntou, entrando no quarto de Rony e se deparando com ele se defendendo dos ataques de George. - Merlin! George, o que deu em você?

- Sai daqui Gina! O assunto não é da sua conta.

- Ah, mas é sim.

Corajosamente, Gina se enfiou na frente de George, impedindo-o de tentar socar Rony novamente. Mas George não estava realmente se importando se iria machucar alguém ou não, e empurrou a irmã com força, fazendo com ela caisse no chão, junto à porta.

- EU JÁ FALEI! SAI DAQUI GINEVRA!

Rony empurrou George para longe e se aproximou de Gina, ajudando-a a levantar.

- Desça Gina. Vai ficar com a mamãe, pode deixar que eu resolvo isso.

- Ok Rony. Vou mesmo porque ela está aos prantos lá embaixo depois de ter encontrado esse ai - Ela acusou, empertigando-se.

- Vão à merda, vocês dois!

George xingou, mas Gina não parou de descer a escada para replicar. Rony esperou até que sua irmã chegasse no andar debaixo, então se virou para George, que tinha a respiração entrecortada como se tivesse corrido quilometros até chegar ali.

- Acho que está na hora de você escutar umas verdades. Eu não falei nada até agora, porque achava que você tinha o direito de sofrer da forma que bem entendesse. Afinal, Fred era seu gêmeo, e por isso mesmo vocês tinham uma ligação maior. Mas agora você passou dos limites! Todos nós estamos sofrendo com a morte dele, e o que você faz? Trata nossos pais como se tivessem culpa, agride as pessoas...

- Eu não agredi ninguém!

- Você acabou de brigar comigo e arremessar a Gina pelo quarto. O que vai ser depois? Azarar quem quer que atravesse seu caminho?

- Vocês não entendem!!

Sem dar chance para Rony falar mais nenhuma palavra, George desceu as escadas pulando os degraus. Passou pela porta da cozinha como um furacão, sem notar o rosto banhado de lágrimas de sua mãe e o olhar repreensivo de Gina. Lançou o pó de flú assim que entrou na lareira, voltando imediatamente para sua casa.

Tinha sido um erro terrível, ir até à Toca. Era para evitar descarregar toda aquela raiva que sentia em sua família, que preferira se refugiar no apartamento. Somente ele e as lembranças de Fred. Havia um pouco de seu irmão em todos os cantos daquele lugar, não deixando-o esquecer, por mais que ele quisesse. Isso é claro, se ele quisesse.

George revirou-se na cama novamente, depois de colocar a garrafa de whisky de fogo vazia no chão. Decidira que ao menos daquela vez iria se embriagar na cama que era mais confortável. Ele só queria um pouco de paz. Será que era assim tão difícil entender? Somente tempo suficiente para acalmar a dor quase física que sentia. Como as pessoas podiam supor que um dia ele conseguiria superar a morte de Fred? Ele nunca existira sem o irmão e duvidava que conseguisse sobreviver muito tempo sem ele.

- Por que você tinha que morrer, seu desgraçado? - George reclamou, chorando de encontro ao travesseiro.

Uma voz, muito familiar, respondeu da poltrona que ficava do outro lado do quarto:

- Digamos que não tenha sido algo planejado.

- Fred?

A figura de Fred Weasley sorria irônica para George. Não era um espectro como os fantasmas de Hogwarts ou Pirraça, o poltergeist. Era palpável - mesmo que George não se atrevesse a tocá-lo -, e estava largada confortavelmente na poltrona, como sempre fazia. Imediatamente George sentou na cama e encarou o irmão, fascinado.

- Eu tenho as duas orelhas, não é? - Fred zombou levantando um pouco os cabelos para mostrar bem o seu rosto sem deformidades.

- Fred! Mas... Você voltou?

- Claro! Alguém precisava por ordem nessa bagunça... Você não acha que tá dando muito na pinta, não? Chorando pelos cantos por minha causa...

- Eu não...

- Olha só pra você! Largado aí como uma coisa qualquer, olheiras, barba por fazer... E o cheiro? Há quanto tempo você não visita o chuveiro, hein? Isso sem falar no bafo que 'tá de matar hipogrifo voando.

Diante da careta enojada de Fred, George fez algo que nem sabia que seria capaz de fazer novamente algum dia: brincou:

- É fácil para você falar! Ficou com a parte fácil: anjos e nuvens douradas... Ou seriam diabinhas com tridentes?!

- Eu prefiro as anjinhas, se é que você me entende. Aquele ar de inocência enquanto me alimentam. Se bem que tem uns trouxas que falam sobre mil virgens e rios de mel, ou qualquer coisa do tipo. 'Tô pensando seriamente em saber onde que é...

- Ora, cale a boca, seu exibido! - George brincou, tacando um travesseiro na direção do irmão que agarrou facilmente.

- Eu não. Agora eu tenho a eternidade para te perturbar. Não posso desperdiçar essa oportunidade.

Fred sorria abertamente para seu gêmeo. Mas vê-lo assim, tão fisicamente vivo à sua frente, fez com que a dor da saudade ficasse mais forte e George desabafou:

- Eu sinto sua falta.

- Eu sei. Sinto muito por isso.

- O que eu faço?

- Se eu fosse você começava fazendo exatamente o contrário de tudo que fez até agora. É provável que funcione melhor assim.

- Como... sem você?

George soluçou, prendendo as lágrimas que teimavam em se formar nos seus olhos. Fred saiu da poltrona e sentou bem em frente ao irmão. Olhando-o nos olhos, falou com uma seriedade quase nunca usada em vida:

- A loja não era um sonho só meu, George. Foi você quem cogitou a idéia pela primeira vez. Você vai ter que aprender a viver sozinho agora. E vai ter que viver por nós dois.

- Eu não sei.

- Faça isso por mim. Faça por nós.

Carinhosamente Fred abraçou George, sentindo-o sacudir em soluços de encontro ao seu ombro. Era uma despedida e eles sabiam disso. Porém quando George abriu os olhos e tentou se levantar para poder mostrar para Fred o que Rony fizera com o Detonador, percebeu-se sozinho, deitado em sua cama. Apesar de poder ainda sentir o calor do abraço de Fred, havia sido apenas um sonho.

-x-x-x-x-x-x-

George parou em frente à porta em sua cozinha que descia até a loja de logros, por longos minutos, somente observando-a. Fazia quanto tempo que não entrava ali? Três meses? Parecia muito mais... Parecia que fora em outra vida. Uma vida mais completa, uma vida mais feliz. George apontou a varinha para desfazer os feitiços que ele e Fred fizeram para impedir que invadissem, mas hesitou. Como seria a partir de agora?

Quando finalmente desceu a escada e olhou para a cortina que separava o salão principal da parte dos fundos, esperou por um instante que Fred aparecesse de repente reclamando por causa de seu atraso. Mas agora não havia mais Fred. Agora era só ele. E ele se sentia partido, e não tinha nada a ver com a sua orelha decepada.

Respirou fundo e procurando se concentrar apenas no que fazia, meneou a varinha, formulando o feitiço que deixou o chão brilhando em seguida. Mais alguns feitiços e as bancadas e prateleiras também estavam, todas, livres do pó acumulado após os meses de ausência.

Trabalho pesado, era disso que precisava. Por isso tinha preferido arrumar os produtos que tia Muriel enviara, sem o uso da magia. Carregou a caixa em seus braços. Ocupou sua mente organizando uma lista mental das mercadorias a serem produzidas e coisas a serem providenciadas, além de como arrumaria uma substituta para Vera, que havia fugido para a França no auge da guerra e de quem não sabia notícias.

O tilintar do sino evidenciou que alguém havia entrado na loja, mas George não se importou em saber que era, apenas avisou:

- A loja ainda não está aberta.

- Eu sei. Oi George.

George fechou os olhos irritado e soltou o ar dos pulmãos com força, transformando-o num suspiro ao mesmo tempo que se virava e respondia, à guisa de cumprimento:

- Angelina.

- E-eu estava passando e vi movimento - ela disse, meio que se desculpando. - Então imaginei que talvez você estivesse aqui.

- Acertou, e como pode ver, estou ocupado - George respondeu ríspido, colocando a caixa de Penas Auto-corretoras que segurava sobre o balcão com força e cruzando os braços em frente ao peito. - Afinal, o que você quer?

- E-eu queria saber co-como você está.

Angelina murmurou, desviando o olhar para o chão, evitando claramente encará-lo. George percebendo isso, sentiu uma fúria gelada percorrer cada póro de seu corpo. A raiva estivera esperando apenas uma chance, uma pequena chance, para ser extravasada e Angelina fora o gatilho que necessitara para fazê-lo perder a cabeça.

- O que você veio fazer aqui se sente nojo de mim? - Ele sibilou se aproximando.

- Eu não...

- Você queria que eu tivesse morrido e não ele, não é? - George agora estava tão próximo que Angelina não teve outra opção a não ser olhá-lo diretamente nos olhos. - Você olha para mim agora, para o lugar onde estava minha orelha, e sente asco.

- George, eu não... Você está...

- Enganado? NÃO, temo que não. Você não sentia nojo quando Fred lhe beijava, mas olhando para mim só o que pode pensar é que vomitaria se eu lhe encostasse sequer um dedo. - Como se precisasse provar a si mesmo que tudo que falava era real, George agarrou Angelina, que olhava para ele abismada, pelos ombros e continuou: - Vamos ver o quanto eu sou realmente asqueroso...

Com a fúria latejando em seu ouvidos e os sentimentos confusos, George cravou seus lábios sobre os de Angelina que, imobilizada nos braços dele, tentava valentemente não ser subjugada. Mas com a força extra que o desvairio concedia ao rapaz, foi praticamente impossível não ser empurrada de encontro ao balcão e ter seu corpo esmagado pelo dele, que continuava a agir irracionalmente.

- Me larga - Angelina suplicou num murmúrio de encontro à boca de George, sendo calada pela avidez com que George lhe preenchia.

Ele mal raciocinava. Angelina tinha sido de Fred. Era como se o resgatasse através dela. Os braços de George que a prendiam, se afrouxaram levemente, quando ele passou a acariciar suas costas. Aproveitando para ganhar algum espaço, ela o empurrou no mesmo instante que ele olhava com desejo e perguntava:

- Eu tenho o mesmo gosto que ele?

- George, me solte por favor...

- Solta ela, George!

A ordem, dada por Harry ao entrar na loja, foi mais eficaz do que um rugido, mas apenas fez com que George parasse de tentar beijar Angelina. Ainda abraçando-a, ele perguntou:

- O que faz aqui, Harry?

- Acho que chegou a hora da gente ter uma conversa.

- Se você não percebeu, eu estou no meio de uma coisa importante aqui.

- Ah eu percebi sim! Angelina, você poderia nos dar licença? - A jovem olhou para Harry agradecida e soltou-se, dessa vez facilmente, de George. Ela saiu, murmurando um 'obrigado' para Harry quando passou por ele.

- E eu posso saber a que devo a honra dessa visita? - George escarneceu, cruzando os braços numa posição defensiva.

- Você não acha que está passando dos limites, não?

- Eu não sei do que você está falando.

- Sabe sim. Não foi só você quem perdeu alguém que amava na guerra, caso não tenha percebido.

- Eu sei que não.

- Não parece, pois anda por aí como se fosse o único. Maltratando a todos que se aproximam para tentar te ajudar!

- Acho que o que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta, Potter.

- Eu concordava com isso enquanto você não mexia diretamente com mais ninguém, mas agora você vai ter que me ouvir.

- Nossa, e não é que é "O Eleito" falando?

- Você está enganado. Quem está falando é o "Se você continuar agindo como um idiota eu acabo com a sua raça"! – Os olhos de George se arregalaram. Harry podia não perceber, mas a aura que emanava dele quando estava nervoso era quase palpável e capaz de atemorizar os mais desavisados. E os olhos verdes pareciam gelo quando ele deu mais um passo a frente e cutucou o peito de George. - Se você encostar um dedo sequer na Gina novamente, você vai se ver comigo!

- E se você encostar um dedo na minha irmã eu faço o que?

- Enquanto estiver bancando o imbecil irresponsável? Nada.

George e Harry se encararam durante longos segundos até que George desviou o olhar novamente para a caixa de Penas Auto-corretoras, que havia abandonado com a chegada de Angelina. Queria discutir com Harry, brigar à moda trouxa, duelar, qualquer coisa que o ajudasse, mas não podia. Não de Harry. Harry Potter era, possivelmente, a pessoa de quem a guerra havia cobrado mais. As pessoas que amavam Harry, e que ele também amava, foram sendo mortas pelo caminho para que ele triunfasse. Não todas, e ele agradecia fervorosamente por isso. Mas Harry sabia o que ele estava passando, sentira na pele e na alma a dor que George sentia, e ainda sim continuou em frente até alcançar seu objetivo e salvar o mundo mágico. Como rebater isso sem se sentir um completo egoísta?

- Todos nós amavamos Fred - Harry recomeçou. A voz baixa e triste enquanto apoiava uma das mãos no ombro de George. - Nunca vi seus pais tão arrasados quanto no funeral. Seus irmãos e eles estão tentando seguir em frente, mas se já é difícil sem nada atrapalhando, com você agindo desse jeito, fica praticamente impossível.

Harry soltou o ombro do cunhado e rumou para a porta. Contudo, antes de sair virou-se novamente e completou:

- Eles precisam de você, do mesmo modo que você precisa deles. Pense nisso.

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N/Sônia: Aaaahhhh, estou lendo um sonho antigo! =D – Desde a morte de Fred, a jornada de George após o que aconteceu me ronda os pensamentos, e tinha muita vontade de vê-la escrita. E eis que, como toda a boa história, esta encontrou sua narradora perfeita. Poucos conhecem e admiram a família Weasley, toda a sua sensibilidade, o gênio forte, a valentia e o amor profundo e incondicional que cercam e guiam estes fantásticos ruivos, como nossa Pri conhece! – Então, minha irmã, parabéns pelo começo arrasadoramente bom! Obrigada, pelo presente que está nos dando na forma de seu fantástico, atormentado e apaixonante George! – Conte comigo, sempre! – Nem preciso ser um Firenze da vida para te dizer, com certeza!: SUUUUUCEEEESSSOOOOOOOOOOOO!!! – Beijos muitos, amada! Até o próximo! =D


N/A: Pois é, a Sônia acendeu o pavio quando comentou que gostaria de fazer uma fic do George. Eu fiquei tempos sem nem pensar nisso, quando de repente... POFT! A fic começou a tomar forma na minha cabeça. O que eu fiz? Em vez de agir como devia e ficar quietinha até a vontade passar (hauhauhauah), eu cacei a Sônia e pedi para que ela me ajudasse. E juntando as minhas idéias com as dela surgiu “George”. Eu assino, mas pelo menos metade do que está escrito aqui é culpa da Sônia. Beijos querida. Parabéns para nós. Um beijo pra Sô também pelas arts que está fazendo para me... inspirar.

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Comentários (1)

  • Amy Peverell

    ÁHHHHH QUE LINDOOOOO TO CHORANDO RIIIOS AQUI!!! NOSSA! AIN!! SÉRIO! MUITO PERFEITOOO, FAZIA TEMPO Q N CHORAVA TANTO EM UMA FIC! 

    2011-11-19
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