Os sobreviventes
O sol havia nascido como um outro dia qual quer, o metrô estava cinco minutos arrasado, a linha amarela ainda estava sendo reformada, o trafego na Picadilly era simplesmente insuportável e não havia mais mesas para o almoço, não havia nada de especial se não houvessem corujas cortando o céu em plena luz do dia.
Mas não eram apenas as corujas que desfrutavam da indiscrição, pessoas de vestes insensatas eram vistas em grupos, com sorrisos exagerados nas bocas, e gestos explosivos. Como era possível que pessoas tão peculiares, para não dizer nada pior, podiam se sentir tão bem com eles mesmos?
Realmente aquela reação era algo incompreensível para muitas pessoas, não só para aqueles que caminhavam pela Picadilly, mas também para aqueles que se dispersavam pela escuridão em busca de seus iguais.
Naquela madrugada duas famílias conheceram a desgraça, e dois bebês conheceram a solidão, nem um mais ou outro menos, de maneira igual e isolada. Mas apenas uma delas teve a gloria da fama, a outra mal sabia-se da existência e não havia quem se importasse.
Musicas de todos os tipos soavam em casas de todos os formatos, fogos de artifícios que pareciam dragões, brindes, todos iguais, à mesma pessoa, da mesma maneira: A Harry Potter: O Menino que Sobreviveu.
Mas onde existe alegria, existe tristeza, onde há alivio, há desespero, onde há luz, há sombra. Se há riso, há lagrimas. Enquanto o mundo se ilumina, há sempre cantinhos de sombra.
Aquela era uma boa casa, confortável, nem grande, nem pequena: familiar. A luz que pendia na soleira piscava prestes a queimar, a luz da sala encontrava-se apagada, de dentro da casa vinha uma luz branca fraca, era pouca, e vinha de longe da entrada.
Os cabelos loiros estavam opacos, caiam sobre um rosto deformado em desespero e ensopado de lagrimas, os braços magros seguravam junto ao corpo um casaco preto de couro draconiano, havia bolsos por toda parte, mas não era por isso que aquela mulher segurava tais vestes com tanta força.
Em um canto da porta algo a espiava, dois olhos brilhantes da cor da lua estavam arregalados e focados, cabelos negros e lisos, indo ate aqueles ombros infantis, um vestido de pregas e laços no cabelo, um pequeno dragão de pelúcia entre os braços rechonchudos.
Não havia mais o que fazer, nada havia restado. Aqueles homens com vassouras e ar oficial haviam ido avisar, um deles chegava a dar medo, um de seus olhos saltava para fora e girava como louco, apenas parou para fita-la, a criança que reprimia o corpo e se escondia, espiando-os como se fosse proibido.
Foram embora. A porta se fechou, junto com as possibilidades, junto com o carinho, eles partiram. Não havia mais nada para ir ou vir, o filme acabara cedo, os créditos são curtos e não há musica de fundo, o cinema estava expulsando as moscas.
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