Capítulo único



N/A: Contém fragmentos do poema ‘As Três Irmãs do Poeta’, presente no livro ‘Espumas Flutuantes’ de Castro Alves.




Abriu os olhos, mas... estava acordado ou não? Naquele lugar dos infernos ele sempre perdia a noção das coisas. Há quanto tempo estava ali? No princípio tentou contar os dias, depois os meses e num dia qualquer a conta se perdeu, como se nunca tivesse começado.

Era Inocente.

Isso era só o que nunca esquecia, às vezes até se esquecia o porquê, mas sempre se lembrava disso. De vem em quando, nos momentos em que Comensais gritavam coisas, a lembrança de seu amigo Pedro lhe voltava à mente e o ódio ao coração. Ele, Tiago, Lílian, Harry... quantas vidas mais teria Pedro desperdiçado?


"Saúde, irmão! Eu sou a Indiferença.
Sou eu quem te sepulta a idéia imensa,
Quem no teu nome a escuridão projeta...
Fui eu que te vesti do meu sudário...
Que vais fazer tão triste e solitário?"


Ninguém se importava.

Para qualquer pessoa do mundo ele tinha o que merecia. Era um perigoso Comensal. Um traidor. Um nada.Tinha ali o mesmo destino de todos em Azkaban: a inexistência. Não havia uma só pessoa que se importasse de ele estar ali, não havia quem sofresse por seu destino.

Indiferença.

Como poderia não enlouquecer? Eles o ignoravam, mas como ele os ignoraria? Lá fora, por trás das paredes, além das águas, lá estava as pessoas que amava, pelo menos as que sobreviveram. Como os culpar, se todos foram enganados por Pettigrew assim como ele? Não havia saída, não havia consolo, não havia nada. Não havia.


"Saúde, meu irmão! Eu sou a Fome.
Sou eu quem o teu negro pão consome...
O teu mísero pão, mísero atleta!
Hoje, amanhã, depois... depois (qu'importa?) .
Virei sempre sentar-me à tua porta. . ."


Estava irreconhecível. O ambiente, as horas mal dormidas, a péssima alimentação... oh! A alimentação! Nos primeiros dias não conseguia engolir aquela coisa, não só pelo gosto de verme em decomposição, mas ainda tinha aquele cheiro horrível e a textura amolecida. Era um nojo.

Fome.

Agora já se acostumara, não sentia vontade de vomitar, não sentia o estômago embrulhar para a comida... não sentia. Tudo o que tinha era suas companheiras de cela, as três amigas, inseparáveis. Nem podia as mandar embora, pois quanto mais elas se iam, mais com ele estavam. E quanto mais perto ficavam, mais longe de se sentia. Não se sentia.


"Saúde, meu irmão! Eu sou a Morte. .
Suspende em meio o hino augusto e forte.
Marquei-te a fronte, mísero profeta!
Volve ao nada! Não sentes neste enleio.
Teu cântico gelar-se no meu seio?!"


Tinha se entregado a ultima amiguinha, jogara-se nela de corpo e alma, não havia nada a perder. Já não pensava em culpa ou inocência, em Pedro ou Tiago, no que deveria ter feito ou dito. Sabia que era inocente, sabia que Pedro era culpado e que Tiago estava morto, não havia como mudar nenhuma situação embora soubesse de tudo. Ele nunca sairia dali, Pedro nunca sentiria o gosto amargo de sua vingança e Tiago não voltaria à vida.

Morte.

Já não fazia sentido lutar, não havia razão para lembrar ou para desejar algo. Tudo era inútil, inalcançável. Ele compunha sempre o plano de uma batalha que não se realizaria. Hoje Fudge visitava as celas, talvez lhe pedisse que encurtasse seu tormento.

Quando Fudge entrou não quis se adiantar, tempo era algo que nunca lhe faltava.

-Posso ver o jornal? Sinto falta das palavras cruzadas.

Na capa do jornal estava Arthur e Molly Weasley, os conhecera outrora. Merlim, como a família estava grande! Egito? Deviam estar se divertindo bastante, mereciam isso. Continuou vendo e lendo a notícia quando de repente, no ombro de um dos garotos, ele viu...

Inocente.

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