Capitulo Unico



Quando tinha cinco anos eu me pendurava na janela do quarto e ficava olhando para minha vizinha de dezessete, beijando o namorado no portão da casa dela. Sonhava em como seria quando eu estivesse na porta da minha casa com alguém assim. Acho que mamãe não deixaria. Claro que não deixaria. Ela sempre disse que amar cedo faz mal. Que tipo de mal eu nunca entendi. E também nunca me interessei pela real significado da frase. Eu queria amar cedo. Queria chegar em casa logo com o meu namorado e ficar beijando ele no portão para as minhas vizinhas verem e ficarem morrendo de inveja. Queria que meu namorado me chamasse pro cinema, ou pra ir tomar um suco na lanchonete. Queria que a gente dividisse um prato de espaguete e pegasse sem querer no mesmo pedaço. Queria que a gente se amasse do mesmo jeito que eu imaginava que minha vizinha e o namorado dela se amavam. Mas eu só tinha cinco anos.

Quando eu fiz oito, minha vizinha se mudou. Eu nunca tinha falado com ela na vida, mas a falta que ela me fez foi muita. Em vez de passar meus momentos livres na janela esperando ela chegar com o namorado, eu ficava lendo livros românticos. Foi assim que comecei a gostar de ler. Depois disso comecei a me ocupar com outras leituras. Comecei a estudar muito.

Quando eu fiz dez anos, recebi uma carta dizendo que eu era bruxa. Devo dizer que eu não gostei da idéia logo de cara. Estudar em um colégio interno, longe dos meus pais. Longe das lembranças da minha vizinha que beijava o namorado dela no portão.

Me acostumei com a idéia, quando descobri que lá também estudavam garotos. Não que eu fosse pra lá pelos garotos, mas eles me ajudaram na escolha do vou ou não vou?

Primeiro ano em Hogwarts. Eu era a sabe-tudo metida e irritante. Porém, mesmo sendo a chata, fiz amizade. Só duas. Uma, se você pensar bem, afinal, o Rony não ia com a minha cara. Mas o Harry me fez descobrir que nem todos os garotos tinham que ser como o namorado da minha vizinha. Não precisava ficar beijando uma garota na porta de casa para ser o garoto perfeito. O Harry era o garoto perfeito por ser meu amigo. Meu melhor amigo. E só isso. Porém, com o Harry como melhor amigo, eu comecei a imaginar como seria meu primeiro namorado. Eu não queria mais um beijador que me beijasse sempre que passasse na porta da minha casa. Eu queria um amigo. Um amigo além do Harry. Pra poder ficar com ciúmes dele, pra poder me dar conselhos de o que usar nos nossos encontros, pra poder ser meu príncipe encantado que chegaria em um cavalo branco no dia do nosso aniversário de um mês de namoro.

Na verdade eu só queria poder ver um garoto gostando de mim como garota, e não como amiga. Se ele fosse perfeito ou não, isso eu veria depois.

Foi aí que chegou o segundo ano, e eu e o Rony também ficamos amigos. Foi quando eu esqueci esse papo de príncipe, e comecei a imaginar o lugar onde eu daria meu primeiro beijo. Seria em um baile ou em um jardim? Talvez fosse no jardim de Hogwarts, em uma noite de natal. Ou talvez fosse na torre mais alta do castelo, em uma noite de Lua cheia, sem nuvens e cheia de estrelas. Mas eu preferia que fosse nas nuvens. Eu era uma bruxa, não era? Por que não podia arrumar um jeito de ir até as nuvens e dar meu primeiro beijo lá?

Quando fomos para o terceiro ano, eu havia acabado de notar, que todos os filmes, no beijo do casal principal têm uma musica de fundo. Comecei a imaginar então qual seria a musica do meu primeiro beijo. Seria clássica? Como nos filmes, aquela trilha sonora de tirar lágrima dos olhos? Queria que a minha trilha sonora fosse marcante e bonita. Não queria musica agitada, pois a dos filmes não são agitadas. Sempre que ouvia uma musica pensava “e se for essa? Será que alguém vai me agarrar e me beijar agora?” Mas sempre descobria que a hora não era aquela.

O terceiro ano acabou, e o meu primeiro beijo ainda era apenas um sonho na minha cabeça. Nada de concreto. Nenhum pretendente. Nada além de sonhos.

Quando o quarto ano começou, eu entendi que a gente não deve sonhar demais, por que o tempo demora mais para passar. Descobri que o jeito era deixar que ele passasse. Quando tivesse que ser, seria. E seria perfeito. Meu príncipe, no paraíso e com uma musica perfeita de fundo.

Foi no baile de inverno do quarto ano que eu percebi que meus sonhos de infância estragavam muita coisa. Eu tive a chance de ter um primeiro beijo quase perfeito e não quis, por que estava esperando o perfeito. Quando Victor Krum me convidou para o baile, eu achei que estava tudo certo. Um garoto perfeito. Um lugar perfeito e provavelmente uma musica perfeita.

A gente estava dançando no meio de todo mundo quando ele aproximou a boca dele da minha. Eu notei então que tinha alguma coisa errada. O lugar não era o paraíso. Era só o salão principal arrumado. A música não era trilha sonora de filme romântico, era as Esquisitonas. E o príncipe. Não era um príncipe. Era só um búlgaro vestido a rigor. Ele nem mesmo falava o meu nome direito: Hermi-o-ni-ni.

Sai correndo e deparei com Harry e Rony parados. Fui me juntar com eles, mas a única coisa que consegui foi brigar com o Rony.

Mas aqui estou eu, um mês depois, na primeira semana de aula, tentando ao máximo evitar Victor Krum.

Estávamos sentados eu, Harry e Rony em um banco no jardim de Hogwarts, quando apareceu Victor e seu fã-clube. Quando ele me viu ele parou de andar e começou a vir na minha direção.

Foi meio sem pensar que eu peguei minhas coisas e puxei o braço de algum dos meninos ao meu lado. Sai correndo puxando essa pessoa. E parei quando já estava dentro do castelo.

—O que foi isso? — perguntou Harry.

Ao ver que tinha puxado ele, só pensei em dizer desculpa. Mas não disse. Simplesmente não consegui evitar que as palavras saíssem de minha boca.

—Ele tentou me beijar no baile. Eu não deixei.

—E o que tem demais? — perguntou ele me encarando.

—Nada! — respondi tentando acabar com o assunto — Só não quero falar com ele. Desculpa te puxar, nem vi.

—Tudo bem. Mas e o Rony?

—Não sei. Pode ir lá com ele, mas eu não vou.

Harry deu uma pequena espiada para o jardim.

—Ele está conversando com o Victor. Deixa eles lá.

—Tá bem! — respondi.

Fomos andando, então, sem direção pelo castelo. Estávamos passando sem rumo, quando ouvimos um barulho forte de coisa batendo, e depois vidro quebrando. Notamos que estávamos no corredor do banheiro da Murta. Harry abriu a porta do banheiro, sem se lembrar que aquele era um banheiro de garotas.

—O que foi isso? — perguntou ele espiando para dentro. Fui atrás.

Era horrível. Murta estava em algum lugar ali em cima chorando. O chão estava completamente ensopado, e coberto por papel higiênico. Havia um vaso sanitário no meio do chão também. O espelho estava quebrado.

—Mas o que aconteceu aqui? — perguntou Harry caminhando até o meio do banheiro e olhando para a Murta.

—NÃO É DA SUA CONTA! — gritou ela chorando.

Eu segui Harry e parei atrás dele.

—POR QUÊ VEIO AQUI? — gritou Murta me olhando

Harry se virou como se pretendesse me ver respondendo.

Mas não foi isso que aconteceu. Eu estava tão perto dele que quando ele virou a minha boca e a dele ficaram a pouco mais de dois centímetros de distância.

Não sei como, nem por que, mas elas simplesmente foram chegando cada vez mais perto. Como um imã, elas eram arrastadas uma na direção da outra, e finalmente se colaram.

Eu não senti exatamente o que achei que iria sentir no meu primeiro beijo. O que senti foi pavor. Aquele era um banheiro imundo. A musica de fundo era o choro irritante da Murta.

Empurrei Harry, e sem nem mesmo olhar pra ele, eu sai correndo do banheiro sentindo as lágrimas invadirem meu rosto.

Me encostei na parede e deixei meu corpo escorregar por ela. Encolhi as pernas e as abracei. Minha cabeça eu escondi no meio das pernas e chorei.

—Hermione? — disse alguém ali perto.

Eu levantei um pouco o rosto. Foi naquele momento que eu notei que a pessoa que eu havia beijado sabia falar o meu nome. Notei também que eu nem ao menos sabia quem havia me beijado. Quem eu achei que era não passava do meu melhor amigo. Por que ele me beijaria?

Olhei para os olhos da pessoa que me chamara e deparei com os olhos verdes de Harry. Sim. Era Harry. Eu havia beijado Harry. Meu melhor amigo.

—Desculpa... — começou o garoto baixinho.

Foi nesse momento que eu me lembrei que Harry nunca havia beijado ninguém antes de mim, também. Foi nesse momento que percebi que meu sonho de cinco anos era apenas uma fantasia mal desenhada em minha cabeça. Foi quando notei que eu não queria um namorado só para fazer ciúmes para as vizinhas, nem para ficar beijando na frente de casa. Eu não queria o primeiro beijo perfeito, eu não queria a musica perfeita, eu não queria o príncipe.

Eu queria o banheiro imundo da Murta, eu queria o choro da Murta. Eu queria o Harry. O tempo todo eu quis o Harry. o príncipe amigo, companheiro, diferente. O meu Harry.

Percebi que o primeiro beijo que eu queria era exatamente como tinha sido. Percebi que sonhar demais só fez a realidade perder a graça. Me senti culpada por te acabado com o momento mais feliz da minha vida.

Harry ainda me olhava a espera de uma resposta. Ele parecia arrependido. Mas eu não estava arrependida. Queria que ele soubesse disso.

Olhei no fundo dos olhos dele e sorri. Sorri como nunca havia sorrido antes.

—O que foi? — perguntou o garoto surpreso.

—Não é engraçado? — perguntei a ele de repente. Sem nem ao menos saber o que estava falando.

—O que é engraçado? — ele perguntou curioso.

Devia me achar maluca, pela cara que fez. Na verdade eu também estava me achando. Procurei no meu cérebro o que eu queria dizer quando disse que algo era engraçado, mas não havia essa informação no meu cérebro. Preparei-me para dizer “Não faço idéia”, mas de alguma maneira as palavras que saíram foram outras.

—Eu te amo!

Ele me olhou sem entender. Eu olhei para o corredor. Vazio. A única pessoa que poderia ter dito aquilo era eu. Olhei então para Harry querendo demonstrar a surpresa que sentia pelas palavras que havia dito. Porém ele sorria. Não era assim que eu queria que eu queria que fosse. Estava estragando o meu plano.

Foi quando me lembrei que planejar demais tira a graça das coisas. Sorri também.

—É! — disse ele me olhando — É muito engraçado.

Rimos.

Me levantei, e nós dois saímos juntos, andando em direção as nuvens. Minhas nuvens.

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