Um Instante de Eternidade



Um Instante de Eternidade

Morrer não era tão assustador assim, afinal. Os momentos antes da morte, estes sim, fizeram um arrepio frio de terror percorrer seu corpo. Mas não a morte. A morte em si, aquela breve passagem, não causava nada a ela.

Andava – será que andava? Não tinha certeza. Ainda tinha pernas, braços, corpo? Ainda era, ou não era mais nada? Imersa em luz, continuava seu caminho em frente, sempre em frente. E as dúvidas iam se apagando, esquecidas em sua mente de viva que insistia sempre em se preocupar. Não se preocupava mais com nada.

Os raios brilhavam, nossa, brilhavam tanto que achava que seus olhos de viva não poderiam agüentá-los. Mas morta, era apenas lindo. Aliás, a luz tão forte, tão pura e aquele frescor leve de nuvem ao seu redor lhe deram vontade de chorar. Só não chorou porque ainda não sabia se podia. Os mortos choram?

Talvez fosse coisa de gente viva, chorar. Os vivos choram pelos acidentes que mudam suas vidas bem planejadas. Mas os mortos não fazem nenhum plano para sua morte. Os vivos choram pelos que já se foram. Os mortos não choravam pelos que ficavam, mas lhes desejavam sorte. Eles precisam mesmo, porque a vida é muito mais difícil do que a morte.

A morte era fácil e tranqüila, agradável, até. Contudo, era preciso que fosse assim tão solitária?

Não gostava de ficar sozinha. Era, ou tinha sido, uma pessoa alegre, cheia de amigos, cheia de amores, cheia de vida. Por que seu castigo seria uma morte sozinha, sozinha?

Aquele ar frio, que na verdade a aquecia, envolveu-a ainda mais enquanto se aproximava do ponto dourado e distante que a chamava. Ora, de onde viria aquilo, pensou, por um instante, antes de o pensamento se perder na imensidão. De onde sairia um ponto dourado no meio do nada? Aquele dourado quente, de ouro derretido, que fazia no meio de sua morte?

Movia-se lentamente. E, engraçado, mesmo ela que sempre fora tão apressada, um desastre ambulante, contentava-se com o ritmo lento com que flutuava pelo céu. E não derrubava nada, por que sem matéria nem mesmo podia causar qualquer estrago.

Era bom isso, não era? Acabavam-se os estragos. Os estragos e as dores e a angústia e o sofrimento. Tudo aquilo era para os vivos, não para ela. Não havia qualquer aflição ali. Só luz. E alegria, uma alegria plena que nunca sentira antes, que a preenchia por completo.

Já chegara a uma sensação próxima aquela. Ao menos tinha a impressão de que aquilo lhe era um pouco familiar. Será que tivera isso em vida? Mas a vida era tão difícil... Onde? Onde encontrara aquele conforto, aquele amor, a felicidade pura que entorpecia sua cabeça, em um mundo tão turbulento? Não era possível.

Mas coisas impossíveis aconteciam, também, disse a si mesma. Mesmo que fosse só um pensamento, podia ouvir sua voz ecoando ali, no silêncio. Coisas impossíveis aconteciam, sim. Lembrava-se agora. Perto da cor dourada que agora mudava constantemente de forma, começou a lembrar do que deixara para trás.

A vida não fora só de tormentos. Houvera momentos bons, instantes em que achara realmente que tinha tudo o que poderia querer.
Ted.

Foi o que lhe ocorreu primeiro, e foi quando descobriu que os mortos choravam, sim. Um choro de saudade, sem lágrimas. Ted, seu filho, seu bebê, seu amor. Aquele era o amor incondicional, sem cobranças, sem pedidos. Ted ficara para trás. Ele ainda teria suas aventuras antes de se juntar a ela novamente. Ficava feliz por isso, por ele ter sua chance. Todos mereciam uma chance de ter boas recordações quando chegassem aonde ela chegara.

Entretanto, podia ter ficado com ele. Porque tivera que partir, indagou-se pela primeira vez. Porque uma mãe tinha que se separar de seu filho? Porque uma mãe era proibida de ver sua criança crescer, e educá-la e ensiná-la e aproveitá-la, e ouvir sua risada? Não era justo. Não era justo ter que partir tão cedo.

Não era justo para Ted perder seus pais.

Mas tinha amigos também. Amigos queridos e preciosos, daqueles que poucos conseguem. Cuidariam dele, tranqüilizou-se. Tinha certeza, toda a sua alma afirmava, toda ela era a certeza disso.

Estava imune aos pensamentos ruins agora. Quando deu o próximo passo, ou o que quer que fosse que sequer se fazia sentir, uma brisa leve soprou seus cabelos do rosto. Então, como se pudesse ver a si mesma em um espelho, notou que agora era ela novamente, era sua imagem como conhecia, com braços e pernas e corpo. Tocou seu corpo pra assegurar-se de que estava ali. E estava.

Olhou para frente outra vez. Mas não importava para que lado olhasse, na verdade, por que lá podia simplesmente escolher a direção que quisesse e qualquer uma seria a frente. Não precisava seguir uma instrução ou caminho. Iria aonde quisesse. Assim era a morte. Mas se estava na morte, havia algum lugar para se ir?

Deixou a forma dourada guiá-la. Tinha a silhueta de um homem agora, e caminhava adiante, sem sair de seu campo de visão. Mesmo assim era longe, porque sua visão não era mais a visão que tinha quando viva. Sua visão alcançaria toda a Terra, se de fato estivesse na Terra.

Talvez se os vivos vissem assim ficassem tão encantados com o mundo que poderiam ver que se esquecessem das guerras. Talvez. Talvez se a vida fosse como a morte não houvesse discórdias. Mas é preciso viver, primeiro, com guerras e discórdias, para depois apreciar aquele sentimento inexplicável de paz.

Uma paz tão, tão completa que nunca fora sentida por nenhum vivo. Uma paz absoluta, sem mais nada. Era isso. Nada.

Nada, a não ser o homem que seguia. O homem parou de repente, longe, e estendeu os braços dourados. Ainda não podia ver suas feições, mas sentiu algo dentro de si que o denunciava.

Amor.

Era ele, não era? Era aquele que ela amava. O amor que não pudera ser impedido pela morte, e sem o qual não poderia viver. Ali estava ele, e agora o via nitidamente, com um sorriso no rosto que continuava a brilhando. E ela também brilhava, de amor. E também sorria.

Correu para ele. Correu o espaço infinito das nuvens até seus braços. E o abraçou.

E então veio o nome, mesmo que o nome não importasse na morte, mas era o nome que fazia seu coração inflar de tanto sentimento e ela tinha que lembrá-lo. E dizê-lo. E disse seu nome e ele disse o dela, e agora estava tudo bem.

Agora estava tudo terminado.

E desapareceram.

*

N/A: Bom, mais uma fic sobre a morte de Remus e Tonks. A outra foi mais triste, queria que essa passasse uma emoção melhor, que foses mais feliz. Então. Eu escrevi a short toda agora a pouco, toda de uma vez, então se tive algum erro me avisem para eu corrigir! Comentários são muito bem vindos!
Beijos
Drusilla Tonks


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