Um poema para Draco.



6. Um poema para Draco.


- Hermione! Onde você andou? Procurei por você o recreio inteiro! — Gina parecia aflita e havia pouco tempo para conversar antes da aula de português. — Seu rosto está vermelho... O que houve?
— Nada... acho que estou resfriada, Gina. Na saída, eu vou com você até o ponto de ônibus. Tenho uma coisa pra te contar que vai deixar você muito feliz.
— E eu também. Já não te disse que...
A fama do professor de português do colegial era de assustar. Diziam que ele era severíssimo. Na certa aquela severidade não devia ser semelhante à do Brucutu, o terrível bedel-chefe. O professor seria daqueles exigentes, para quem um erro de concordância era tão grave quanto empurrar escada abaixo a cadeira de rodas de uma velhinha paralítica.
Gina estava ao lado de Hermione e, afora a vermelhidão, que já desaparecia, era impossível notar qualquer indício de tristeza na fisionomia da menina. Ninguém saberia do vulcão que lhe queimava as entranhas, da vontade de gritar, de procurar alguém com quem pudesse dividir desolação. Mas ela havia prometido. Era a segura-vela, era o cupido do encontro entre o seu grande amor e sua melhor amiga. Mas ninguém saberia de nada.
"Será que alguém já passou por isso?", pensou a menina.
Redação. O forte de Hermione. Se somasse todas as médias de redação de seus oito anos de estudante, daria quase oitenta. O professo, falava sério, mas mansamente. Propôs que todos fizessem um texto, tema livre, de aquecimento.
Hermione olhou de lado para Gina. E o que viu foi pavor. Ambas sabiam que a tal redação de aquecimento era o modo mais rápido de o professor conhecer as possibilidades de cada aluno. Seria a primeira impressão, que definiria o aluno no conceito do professor. Como modificar depois uma primeira impressão desastrosa?
A menina sabia que desastre era uma definição adequada para as redações de Gina. Sorriu para dar confiança à amiga e pôs-se a escrever furiosamente. Em dez minutos, passou a folha de papel discretamente para Gina.
— Pegue. Copie com sua letra.
Bem, a redação de Gina já estava pronta. A amiga estava salva de se ver queimada com o professor logo no primeiro dia de aula. Agora, era a sua vez.
O tema era livre. Mas, que outro tema poderia passar pela cabeça de Hermione, senão a figura idolatrada de Draco? E ela estaria disposta a confessar no papel tudo o que sua expressão escondia?
“Idiota que fui. Pensar que Draco pudesse se apaixonar por mim, por mim, a gorducha...”.
Os pensamentos queimavam Hermione por dentro, e ela escreveu:

Quando você me beijou...

"Pensar que Draco poderia ler nos meus olhos, através dos óculos, e enxergar lá dentro toda a paixão da gorducha iludida...”.
Maquinalmente, escrevia sempre a mesma frase:

Quando você me beijou...

"Apaixonar-se pela desengonçada, pela feiosa piadista... Ah, que piada! Com o rostinho de Gina à frente... com o corpinho de Gina nos braços... nem pensar!”.

Quando você me beijou...

"Burra! O que Draco poderia encontrar em mim? A espinha amarela no nariz, como um aríete de pus abrindo caminho rumo à solidão?”.

Quando você me beijou...

"O que ele veria? O que todos vêem, além da gorducha iludida, da feiosa cretina? Harry tem razão. Eu acredito em tudo, como uma cretina. Acreditei até que Draco poderia me amar. Cretina! Acreditei até naquele beijo..."

Quando você me beijou...

"Draco... "
Vinda do fundo de seu desespero, uma lágrima solitária pingou sobre o papel.
— Hermione! Quem é Hermione? — o professor tinha dado por encerrada a redação.
— Sou eu.
O professor aproximou-se da menina com uma expressão que, com algum esforço, poderia ser chamada de sorriso.
— Meu colega da oitava série elogiou muito seus textos, Hermione.
Quero começar por ele. Pode entregá-lo para mim?
A folha de redação passou para as mãos do professor e o arremedo de sorriso desapareceu na hora.
— O que é isto? Há apenas a mesma frase escrita várias vezes!
— É um poema concreto, professor. Assim como "Uma pedra é uma pedra", do Carlos Drummond de Andrade. O leitor deve completar o poema de acordo com suas próprias experiências, de acordo com suas lembranças de um beijo de amor...
Risadinhas discretas fizeram o professor erguer um olhar duro, controlador, para toda a classe.
— Uma explicação hábil. Hábil e espirituosa, Hermione. Mas que não passa de uma saída para desculpar a preguiça. A preguiça e a falta de respeito... E isto? Que marquinha redonda é esta?
— Faz parte do poema, professor. É o cuspe do namorado... - Desta vez a gargalhada não foi contida e o olhar do professor, surpreso, não conseguiu transmitir autoridade. Tinha perdido o controle de uma classe pela primeira vez na vida.
— Começamos bem, não é, dona Hermione? Mas temos um ano inteiro pela frente. Que tal abrir o boletim com um zero?
Hermione sorriu.
— Vamos ver se esta classe vai me dar trabalho. Você, mocinha, como é o seu nome?
— Eu? Gina...
— Posso ver a sua redação, Gina? Hum... A estrutura não está má... a idéia é forte... breve, mas forte... tem um ritmo que... Parece que me informaram errado. Quem sabe escrever nesta classe chama-se Gina...
A redação de Gina ganhou oito. Nove o professor só dava para ele mesmo, e dez, só para Deus.

***


— Ah, menina, que judiação! Estou morrendo de remorso. Eu tirei oito com a redação que você fez, e você tirou zero!
— Não esquente a cabeça, Gina. Eu dou um jeito naquele professor, pode crer. Na próxima, ele vai ter de me chamar de Deus e me dar um dez.
— Puxa, oito em redação! Nunca tirei isso. Uma nota oito vezes maior que a sua, para duas redações feitas pela mesma pessoa...
— Além de redação, acho que você vai ter de rever a sua matemática, Gina. Oito vezes zero dá zero mesmo.
As duas riram-se e Hermione passou o braço pelos ombros de Gina. Quem visse as duas, assim abraçadas, assim sorrindo, teria uma imagem falsa daquela felicidade. Uma das duas mentia ao sorrir. Mas mentia como um mestre.
— Acho que nunca vou poder pagar tudo o que devo a você, Hermione. E não estou falando de redação. Estou falando de amor...
— Para mim, escrever também é um ato de amor, Gina. Quem escreve ama aquele que vai ler, quer conquistar o amor daquele que vai ler.
"Só que Draco nunca lera o que eu escrevi para ele. Nunca saberá do meu amor. Não há esperança", pensava ela atrás do sorriso.
— Você é muito adulta, Hermione. Adulta demais...
— É que eu tenho sessenta anos, Gina. Mas sou conservada. Agora deixe de bobagem e continue com o amor e suas dívidas... ou dúvidas, sei lá.
— Nada de dúvidas! Eu estou apaixonada mesmo. Gamada, caída! A melhor coisa que aconteceu na minha vida foi você ter me convidado para aquela festa. Conhecer Draco foi...
Com a expressão mais interessada do mundo, Hermione ouviu o relato da amiga. Lá estavam no ponto do ônibus, cheio de gente, e Gina falava baixo, como segredo, como culpa, como num confessionário. Descrevia cada passo daquela noite inesquecível, cada dança, a pressão do rosto de Draco junto ao seu, as palavras sussurradas ao ouvido.
O único segredo que faltava era Draco debruçando-se sobre Hermione no jardim. O único segredo que faltava era aquele beijo. Mas Gina nunca deveria saber disso. Por que estragar-lhe a felicidade? Bastava que uma das duas fosse infeliz.
— Nos braços dele, eu...
Dentro de Hermione, por trás do sorriso interessado, a descrição feita por Gina ganhava mais detalhes, cheios de calor, de cheiros, de cobras, de contatos, de aranhas peludas...
— Meu único medo, Hermione, é que, para ele, eu não tenha passado de um presente de aniversário, de diversão para uma noite. Mas eu quero aquele garoto! Nem sei o que ele pensa de mim, mas é ele que eu amo. Preciso me encontrar novamente com ele!
— Que tal amanhã, às quatro horas, em frente ao cinema, na esquina da...
— O quê?! De que você está falando?
— Bobinha! Eu não disse que tinha uma novidade que ia fazer você cair para trás? Pois esta é a novidade.
— Você... você falou com Draco? Sobre mim?
— É claro que falei. Nós somos primos, não somos? Somos confidentes...
— O que foi que ele disse? O que foi que ele disse, Hermione?
Hermione sorriu, gozando carinhosamente a ansiedade de Gina.
— Hum... mais ou menos o que diria Abelardo sobre Heloísa...
— Isso foi numa novela? Não assisti...
— Ah, Gina, isso não é novela de televisão...
— O que ele disse, Hermione?
— Acho que você vai preferir que ele repita tudo pessoalmente, não vai? O importante é que ele quer encontrar-se com você. No cinema. Amanhã às...
— Ai, ai, ai! A minha mãe...
— Diga que você vai ao cinema comigo. Passo na sua casa lá pelas três e meia. Eu tenho mesmo de dar um pulo numa livraria. Na saída do cinema nos encontramos e voltamos juntas.
— Você é um amor, Hermione. Não sei o que eu faria sem você. Amanhã de manhã, no colégio, diga ao Draco que...
— Eu? Não acha melhor você mesma dizer?
— Não sei se poderia, Hermione. Quando eu o encontrar, vou ficar muda como uma porta!
— Então escreva um bilhete. Basta sorrir e colocar o bilhete na mão dele.
— Eu bem que gostaria. Ah, se eu pudesse, eu colocaria nesse bilhete tanta coisa, como se... como se...
— Como se o bilhete fosse um buraco de fechadura através do qual Draco pudesse conhecê-la melhor por dentro.
— É isso! Você sempre diz as coisas certas, Hermione.
"Eu também tenho um buraco de fechadura, Gina. Mas Draco quer espiar pelo seu..."
— Comigo é diferente. Eu sou burrinha, Hermione. Draco haveria de rir de um bilhete escrito por mim. Logo ele, que sempre foi o primeiro da classe. Não é isso o que dizem?
— Pelo menos foi isso que a mãe dele disse para a minha.
— Eu não posso bancar a burra com ele, Hermione. O que eu vou fazer? Por favor, me ajude!
— Como hoje, na aula de redação?
Lentamente, Hermione abriu o fichário. Lá estava a folha, com o poema feito na aula de física:
Nos teus braços me abandono,
ao teu lado sou mulher...
"Você vai receber o meu poema, Draco..."
— Aqui está, Gina. Um texto de meu estoque. É só copiar com sua letra e colocar seu nome. Tudo o que você quer dizer ao Draco está aí.
Gina pegou a folha, meio em dúvida.
— Como pode ser? Eu... nem sei o que dizer...
"Você nunca sabe o que dizer, minha querida", em pensamento, Hermione gozava a amiga.
— Pode deixar que eu digo por você.
— Mas... será que o que está escrito aqui serve para o Draco?
— Como uma luva.
O ônibus encostou naquele momento e começou a engolir a fila de estudantes.
— Obrigada, Hermione. Você é demais!
— Corra, se não, você perde o ônibus.
— Passe na minha casa às três, não quero me atrasar.
— Tchau, Gina.
A menina ficou vendo o ônibus se distanciar, levando sua amiga, sua rival, e a declaração de seu amor, de seu carinho, que serviria para aumentar ainda mais a paixão de Draco por Gina.
"O condenado à forca prepara sua própria corda...". E o pensamento de Hermione oscilava entre a resignação e o desespero.
De uma janela do ônibus, a carinha de Gina surgiu, jogando um beijo para a amiga:
— Eu te adoro, Hermione!
Hermione sorriu e devolveu o beijo. Agora não havia ninguém olhando. A menina deixou correrem as lágrimas represadas por seu orgulho.
"Todos me adoram... E quem me ama?".



***

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