Capitulo 6



CAPITULO SEIS

Hermione congelou. Não podia estar acontecendo! Devia estar sonhando. Um sonho muito ruim! Um pesadelo.
Fechou os olhos, desejando acordar. Abriu os olhos sob a risada nervosa e abafada da sra. Cantrell. Não era nenhum sonho! Harry ainda estava lá, com a camisola púrpura sugestivamente pendurado no dedo indicador.
Hermione arrebatou a peça antes de perceber que devia ter negado qualquer conhecimento.
— Estava chovendo... — ouviu a si mesma dizer, gaguejando — Fiquei molhada. Aquela tempestade ontem... Está lembrada não é senhora Cantrell?
A mulher estava tão atônita que só conseguiu assentir. Hermione continuou, aflita:
— Tive que trocar de roupa no chalé de Harry e esqueci isto lã
— Em frente à lareira — completou Harry.
Hermione quis fulminá-lo com o olhar antes de se voltar à sra. Cantrell.
— Fiquei enregelada. Está lembrada de como a temperatura caiu?
— Estava pendurada no abajur de pé — confidenciou Harry sra. Cantrell. — E se bem me lembro, a temperatura, na verdade, 'subiu' alguns degraus logo após a tempestade. — Com um complacente sorriso masculino, deu mais alguns detalhes que fizera Hermione corar.
— A biblioteca fecha em dois minutos — sentenciou Hermione, com os dentes cerrados.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou Wayne, en­trando na biblioteca.
Hermione se esforçou para não se esconder atrás do balcão.
— Nada. A biblioteca está fechando.
— Só vim devolver uma coisa a Hermione — explicou Harry, descontraído.
— Uma linda peça de lingerie púrpura — fofocou a sra. Can­trell.
— Que estava fazendo com a lingerie de Hermione? — ques­tionou Wayne, o rosto tão púrpura quanto a peça em questão.
— Descubra sozinho — respondeu Harry, lacônico. — Vejo você mais tarde, Mione — despediu-se, com um sorriso lento e íntimo. Dali a segundos, já saíra, deixando Hermione sozinha com a sra. Cantrell e Wayne.
— A biblioteca está fechada — informou ela, secamente.
— Claro — concordou a sra. Cantrell, apressando-se em sair. Hermione não vira a mulher se mover tão rápido em anos.
— Vai me contar o que está acontecendo aqui? — esbravejou Wayne.
Olhando para a própria mão, Hermione percebeu que ainda se­gurava a peça incriminadora.
— A biblioteca está fechada! — bradou Hermione, vendo que mais alguém chegava.
— Não tem importância — declarou Alberta Beasley. — Cruzei com a senhora Cantrell lá fora e ela estava falando sobre a lingerie púrpura de Hermione pendurada no abajur de pé de Harry Potter. A mulher extrapolou! Nunca ouvi uma história tão ridícula, e disse isso a ela. Como se a pobre Hermione usasse lingerie púrpura! Ela é muito... sensível. Ora, a pobre garota já tinha muito aborreci­mento sem essa história de lingerie púrpura.
— De acordo, é por isso que quero saber o que está acontecendo — comentou Wayne.
Hermione não disse nada. Sabia que se abrisse a boca estaria em apuros. Já estava furiosa com Harry, e agora Alberta estava botando lenha na fogueira com a crença de que Hermione fosse incapaz de usar lingerie sexy. Recatada demais, hein?
— A biblioteca está fechada — repetiu Hermione, pegando a chave e indicando a saída a Alberta e Wayne, que não tiveram escolha senão obedecer.
— Não vou a lugar algum até saber o que aconteceu — insistiu Alberta, teimosa.
— O que aconteceu? Vou contar o que aconteceu. Resolvi usar o meu enxoval — disparou Hermione, zangada.
— Oh, pelos céus! — exclamou Alberta. — Com Harry Potter? Hermione, como pode? Vamos todos parar no programa 'Os Mais Procurados da América'.
— Por esquecer minha camisola no chalé de Harry? — indagou Hermione. — Acho que não.
— O homem não é quem diz ser — afirmou Alberta, irritada.
— Do que ela está falando? — perguntou Wayne.
— Nada — respondeu Hermione, enquanto a anciã saía apressada. — Ela só tem a imaginação fértil.
— E quanto a Potter? — rebateu Wayne. — Ele também tem a imaginação fértil? Ele estava mentindo sobre o que aconteceu no chalé?
— Não posso falar nesse assunto agora, Wayne — argumentou ela, pousando a mão no tórax volumoso de Wayne e empurrando-o porta afora. — A biblioteca está fechada!
— Não acabei de falar com você — gritou Wayne, nervoso, através da porta fechada e trancada.
— Mais tarde, Wayne — gritou ela em resposta, suspirando de alívio quando percebeu que ele se afastava.
Hermione não podia enfrentar o ex-noivo antes de resolver seu assunto com Harry, o traidor, o homem que afirmara estar do seu lado, e que ela agora queria estrangular.
— Vou matá-lo — resmungou Hermione, apagando as luzes, pegando a bolsa e indo em direção à porta dos fundos, a camisola púrpura ainda na mão.
De carro, foi até o chalé de Harry em tempo recorde. Ele estava sentado numa das cadeiras de diretor na varanda, pés descalços elevados, esperando por ela com uma lata de cerveja na mão.
Indo direto a ele, ela bateu em seu pé, tirando-o do apoio.
— Como pôde fazer isso? Nunca fui tão humilhada na vida! Pensei que quisesse me ajudar! Ao invés disso, arruinou tudo!
— Vamos, Mione, está exagerando — respondeu Harry, calmo. Não se mostrava nem zangado, nem preocupado com ela. Sem reclamar nem insultar, sorria aprovador.
— Não estou exagerando — disparou ela. — O que aconteceu para dizer aquilo na frente de Wayne?
— Estava tentando fazer ciúmes. Funcionou. Viu a expressão dele?
— Claro que vi. Ele está furioso comigo. Wayne e eu jamais nos reconciliaremos desse jeito! Brigamos por causa disso. Tive que expulsá-lo da biblioteca.
— Ele tentou machucar você? — quis saber Harry, erguendo-se, o ar divertido instantaneamente substituído por uma raiva protetora.
— Não, claro que não. Ele só estava tentando descobrir o que aconteceu.
Harry relaxou.
— E o que contou a ele?
— Não pude dizer nada. Estava apressada demais para falar com ele.
— Qual é, Mione? — provocou ele. — Está com medo que ele veja a verdadeira Hermione?
— Do que está falando?
— Estou falando que você devia parar de tentar passar por uma garota recatada. Devia não ligar a mínima e se orgulhar de tudo isso.
— Assim como minha mãe não ligou a mínima?
— Claro que não. Você não é sua mãe. Você é você! E devia ser capaz de ser você mesma, principalmente diante das pessoas que diz amar. Ouça, Emerson já resumiu isso antes. "E fácil viver para os outros...” Desafio você a viver para você mesma. E sobre isso que estou falando, Mione. Desafiando você a viver para si mesma.
— Eu estou vivendo para mim mesma. Para quem mais estaria vivendo?
— Para Wayne.
— Se esse fosse o caso, então teria ficado e conversado com ele ao invés de vir aqui brigar com você! — respondeu ela, zan­gada.
— Não ficou porque não queria que ele visse a verdadeira Hermione.
— Já disse antes, não falei com ele porque estava furiosa demais.
— Mesmo que ele quisesse falar em voltar para você? — pressionou Harry. — Provavelmente era o que ele queria conversar com você, sabe disso.
— Duvido.
— Eu não. O que diria se ele realmente quisesse voltar? Acei­taria o imbecil de volta? — Harry franziu o cenho, incrédulo. Hermione se sentiu provocada.
— Amo Wayne. Claro que o quero de volta — afirmou Hermione, teimosa.
— Cuidado com seus desejos — advertiu ele, irritado, a voz um grunhido grave. — Pode ser atendida.
— Esse era exatamente o propósito de nosso plano, está lem­brado? — desafiou ela. — Conseguir Wayne de volta.
— Isso foi antes de quase termos feito amor na noite passada, ou já esqueceu? Garanto que eu não esqueci. Me lembro de cada segundo. Cada toque. Cada beijo. Talvez devesse reavivar sua memória. — Sem esperar, agarrou-a nos braços.
Dessa vez, os gentis preliminares ao beijo foram deixados de lado. Não havia suavidade diluindo-lhe a irritação. Mas havia desejo e honestidade, enquanto sua boca devorava a dela com paixão plena. Era um beijo em sua forma mais concentrada, apaixonado, direto, exigente, irresistível.
Ele tomara um atalho a seu coração, driblando a lógica e ape­lando aos elementos mais primitivos do desejo e da necessidade, aos sonhos e esperanças. Comunicava-se através da língua ave­ludada, e ela estava a ponto de corresponder, desmanchando em seus braços até que ele a afastou com raiva.
Os olhos verdes de Harry brilhavam de emoção.
— Você quer aquele estúpido do Wayne, ótimo! Tenho certeza de que vai conseguir.
Hermione estreitou o olhar de maneira bem peculiar. Sem dizer nada, deu a volta e pegou o carro, espalhando cascalho enquanto manobrava.
Passando a mão pelos cabelos compridos, Harry se deixou cair na cadeira de diretor. Queria que Mione se revelasse como real­mente era, que expressasse as emoções ao invés de sufocá-las, e, na tentativa, abrira uma caixa de Pandora. Queria Hermione para si mesmo. Não queria ser apenas seu amigo ou conhecido. Queria ser seu amante. Por mais que doesse.
Entretanto, ela deixara claro que ainda amava Wayne. Aceitara essa declaração com dificuldade, recordando por que mantivera distância emocional das pessoas ao longo dos anos. Quando se entregava, era doloroso demais. E não fazia nada bem. Não al­terava os fatos.
Além disso, conforme lembrara a si mesmo, não merecia Hermione. Era um homem com dinheiro no banco, mas sem amor na vida, um homem que sabia sequer se era capaz de amar alguém, um homem que desistira de tentar se livrar das emoções confusas.
Portanto, quanto mais permanecia perto de Hermione, menos queria voltar para Chicago. Queria ficar com ela. De qualquer forma, raciocinando, não havia muitas oportunidades para um arquiteto numa cidade pequena como Greely. Para completar, es­lava a ponto de recomeçara vida profissional, mas não se sentia seguro quanto a tal mudança.
Embora Hermione merecesse alguém melhor que Wayne, Harry sentia que deveria ser alguém melhor do que ele mesmo. Preferia cortar o braço direito a magoá-la.
Então, era isso, concluiu Harry, desolado. Dividia-se entre desejar Hermione para si mesmo e querer fazê-la feliz, mesmo que a felicidade dela dependesse de Wayne. Sentia-se nauseado com a idéia, mas não tinha escolha. Mione merecia ser feliz.

Hermione estava empoleirada no sofá, em sua posição favorita, a saída do ar-condicionado soprando direto em seu rosto, mas nem ainda se refrescava. Sentia o rosto queimar à lembrança do beijo de Harry. Ele tinha razão. Sua reação ao beijo na varanda havia pouco e o abraço na noite anterior não correspondiam a uma mulher apaixonada por outro homem. Ela correspondera. Que inferno, praticamente se derretera toda junto ele!
O que estava acontecendo com ela? O que havia de errado com ela? Sentia-se tão confusa. Sequer podia atribuir o com­portamento a fatores hormonais. Era mais que isso. E o fato assustava ainda mais. Não era apenas atração física. Era en­crenca certa.
Magic pulou sobre um braço do sofá, indo parar no colo de Hermione. Entendia a inquietação da gata. Não se sentia segura em semanas. Se bem que vivera momentos de puro contentamento com Harry, momentos de conforto, de liberdade... e momentos de prazer tão intenso que seu coração titubeava só de pensar nisso.
Pegando uma revista, abanou-a junto às faces, enquanto Magic se acomodava em seu colo. Absorta como estava pensando em Harry, esquecera-se completamente da vinda de Luna para uma noite de vídeo e pizza, até que a amiga bateu na porta.
— Você parece surpresa em me ver — notou Luna. — Algum problema?
— Não... sim... Entre.
— Trouxe dois dvd's: 'O último dos Moicanos' e 'A Firma'. Que tal?
— Ótimo — respondeu Hermione, ausente.
— E combinei que Tom Cruise apareceria mais tarde — acrescentou Luna.
— Parece ótimo,
Luna suspirou.
— Muito bem. O que foi? É o Wayne novamente?
Hermione balançou a cabeça.
— É complicado.
— Sua vida sempre é — corrigiu Luna, com a ternura de uma amiga de longa data.
— É, parece que sim — admitiu Hermione, sofredora. — E nunca quis que fosse complicada, sabe? Quero minha vida bem simples.
— Você não é simples. Você é complicada. Acho que ficaria aborrecida se fosse simples.
— Soa bem agora. Acho que ser largada no altar afetou meu cérebro.
— Sabe, conforme li num artigo numa revista, você não devia dizer "largada", devia dizer que passou por um 'ajuste de rela­cionamento' — informou Luna.
— Estou passando por muitos ajustes de relacionamento — resmungou Hermione.
— Muitos? De que estamos falando exatamente?
— Harry.
— Ah.
— O que isso significa?
— Nada. Eu o vi na loja algumas vezes. Homens como ele, não são comuns aqui em Greely.
— Como assim?
— Complicados — argumentou Luna, com um sorriso. — Então, vamos, me conte sobre você e Harry.
— Já sabe que fomos amigos na infância.
Luna assentiu.
— E também sei que ele devolveu sua camisola púrpura na biblioteca. A senhora Cantrell passou lá na loja esta tarde, deta­lhando que a peça estava pendurada no abajur.
— Ainda não acredito que ele teve a audácia de fazer isso. Podia matá-lo! Ainda estou furiosa.
— Então, como sua camisola foi parar lá?
— Está lembrada daquela tempestade no domingo? Bem, nós estávamos no lago quando a chuva começou. Ficamos ensopados. Troquei de roupa na casa dele.
— Parece bem inocente.
Hermione desviou o olhar.
— Tem mais, não é? — especulou Luna, astuta. — Pois bem vá falando.
— Ele me beijou. Junto à lareira,
— E?
— Uma coisa leva a outra... e foi inacreditável.
— Quer dizer vocês dois...
— Não, não fizemos amor, mas foi quase. Quase mesmo. Luna, eu devia estar me casando com Wayne, ao invés disso estava dando mole com o Harry!
— Podia ser pior — respondeu Luna, com um sorriso.
— Sou séria.
— Eu também. Mas então, está começando a sentir alguma coisa pelo Harry. Tem certeza de que não está só se desforrando de Wayne?
— Não tenho certeza de nada agora — resmungou Hermione, tirando a franja da frente dos olhos.
— E quanto a Harry? O que ele sente em relação a você?
— Não sei. Ele está tentando me tirar de uma situação difícil. Nós levamos adiante esse plano para que as pessoas parassem de sentir pena de mim. Para pararem de se referir a mim como a "pobre Hermione".
— Bem, acho que conseguiram. Agora você é a Hermione sel­vagem.
— Não quero mais escândalos ligados a meu nome, obrigada!
— Estava brincando. Sabe que é respeitada nesta cidade. Por que acha que todos ficaram tão chocados com a atitude de Wayne?
— Porque ele é o cara mais popular aqui na cidade.
— Você também.
— Não sei quanto a isso.
— Eu sei. Você estava dizendo que Harry só estava querendo ser solícito, apenas ajudando uma amiga em dificuldades? Não parece que os sentimentos dele sejam platônicos, Hermione.
— O que devo fazer?
— Como posso saber?
— O que faria se fosse eu?
Luna se endireitou desconfortavelmente.
— Não sou você.
— O que faria se estivesse em meu lugar?
— Não sei. Não sei se confiaria em Wayne depois do que ele fez.
Hermione percebeu que Luna estava dando vazão a um temor interior seu, um que ela mantivera sufocado.
— Harry acha que sou uma idiota por sequer considerar aceitar Wayne de volta — revelou.
— O amor faz as pessoas idiotas.
— Sim, mas não estou certa de amar Wayne como antes — segredou Hermione. — De outra forma, por que estaria me sentindo estranha em relação a Harry?
— Porque ele é bonitão?
— É muito mais que isso. Quando estou com ele, eu me sinto... — Hermione balançou a cabeça, incapaz de se expressar. — São tantas coisas. Posso ser eu mesma com ele, sabe? Posso gritar com ele, posso rir, posso ficar quieta.
— Tenho certeza de que estavam quietos em frente à lareira — provocou Luna.
Hermione socou de leve a amiga no braço.
— Não era disso que estava falando.
— Eu sei. Mas não acho que vamos resolver esse problema esta noite, e estou morrendo de fome. Quando a pizza vai chegar?
Hermione pôs a mão na boca.
— Oh-oh. Esqueci de pedir.
— Grande. Que anfitriã você é.
— Vou dar um jeito.
— Como?
— Vamos começar com sorvete de chocolate com gotas de chocolate enquanto esperamos pela pizza.
— Assim está bem.
Depois de acabarem com o sorvete e a pizza, assistindo a 'O último dos moicanos', Luna enxugou as lágrimas enquanto Hermione tirava o dvd.
— Que beijo — suspirou ela. — E toda aquela cena de ca­choeira... tão romântica. "Eu seguirei você" — repetiu as falas do filme, suspirando de novo. — Onde se encontram homens assim?
— Nos filmes — respondeu Hermione, cética. Luna não desanimou.
— Reparou que Harry tem o jeito do Daniel Day-Lewis naquele filme? Harry tem os cabelos compridos, mas os dois têm o tipo semelhante. O mesmo tipo de rosto. E ele certamente tem esse ar de auto-suficiência, não se deixa influenciar. É o tipo de homem que traça os próprios planos. Conhece Harry melhor do que eu. É uma descrição aproximada?
— Muito perspicaz — reconheceu Hermione, divertida.
— Oh, Hermione — Luna balançou a cabeça diante da expressão sonhadora da amiga. — O que vai fazer?
Foi a vez de Hermione suspirar.
— Não faço a mínima idéia.

Wayne estava à espera quando Hermione chegou à biblioteca na manhã seguinte. Sua expressão não era de boas-vindas.
— Wayne, não quero comprometer meu trabalho com questões pessoais — informou ela.
— Casos é a palavra mais apropriada — rebateu Wayne. — Tentei falar com você em sua casa na noite passada, mas Luna ficou lá até tarde. Além disso, achei que haveria menos comen­tários se eu a encontrasse num local público. Acho que já está muito falada por aí.
Wayne parecia julgar e condenar, fazendo Hermione cerrar os dentes de raiva.
— Ouça, foi você que me deu o fora — lembrou ela, zangada enquanto acendia as luzes do prédio. — Escolheu a Rosie. O que faço já não é da sua conta.
— Claro que é da minha conta — insistiu o ex-noivo, seguindo-a de perto. — Você foi minha noiva. O que você faz reflete em mim.
Ela voltou-se para ele, zangada.
— Oh, que singelo! E o que você faz reflete em mim, Wayne. Fugir com a Rosie dez dias antes do casamento não pegou muito bem!
— Não gosto que fale assim, Hermi — desaprovou ele.
— Como pode saber?
— O que quer dizer? — questionou ele, confuso. — Claro que sei. Conheço você há três anos. Acho que a conheço muito bem.
— Também pensei que o conhecia bem, Wayne — retrucou Hermione. — E o homem que conheci nunca faria uma coisa da­quelas.
Ele se empertigou constrangido.
— Já disse que sinto que às coisas tenham acontecido dessa maneira.
— Sentir não conserta nada, Wayne.
— O que quer de mim?
Que tudo volte ao que era antes, pensou ela. Sem complicações. Tudo seguro. Simples. Confiável.
Mas como confiar se ele praticamente a deixara no altar? O fato só mostrava que não se podia confiar. Se bem que Harry era confiável. Ele nunca sabotaria como Wayne sabotara.
— Ouça, Hermi, estou confuso agora — confessou o ex-noivo, em tom baixo. — Tanta coisa aconteceu, concorda?
Suspirando, ela assentiu.
— Eu sei.
— Sinto que tenha encostado você na parede. Quanto ao Potter, quero dizer. É só que a idéia de você com ele... é difícil para mim engolir, Hermi. Não vou mentir, ainda sinto alguma coisa por você.
Sente?
Claro que sinto. Não sou nenhum farrapo desumano, apesar do que as pessoas dizem. Estão todos do seu lado, você sabe. Me consideram o vilão nessa história, e provavelmente têm razão. Mas não acho que teria sido certo me casar com você quando estava ligado a Rosie.
Ela percebeu o uso do pretérito na frase.
— Só quero que seja feliz, Hermi — assegurou ele, tocando-lhe o rosto com um dedo. Um instante mais tarde, já se fora.
Hermione sentiu as lágrimas tomarem volume nos olhos, e ra­pidamente piscou para sufocá-las. Primeiro Harry queria que ela fosse feliz; agora Wayne queria sua felicidade também. Seria ótimo, se ela ao menos pudesse decidir quanto ao que a faria feliz.
Detestava essas dúvidas que a consumiam. Quando achou que estava fazendo progressos com Wayne, começou a imaginar se realmente o queria de volta. Até que ponto seria tola assim?
Não, não ela. Não era tola. Então, como explicar que estivesse apaixonada por Wayne três semanas antes? Agora, começava a sentir alguma coisa por Harry, sentimentos que iam além da pura amizade. Como confiar nos próprios julgamentos nessas circuns­tâncias?
— Que confusão — resmungou.
— Concordo — interveio Alberta, animada, do outro lado do balcão. — Não acredito que as pessoas larguem os livros desse jeito sobre as mesas. Chegou o livro de criminologia?
— Ainda não tive tempo de verificar o malote que deixaram aqui ontem. Espere um pouco, vou ver. — Hermione abriu a bolsa e retirou um pacote. — Aqui está.
— Que maravilha! — exclamou Alberta, agarrando o livro assim que Hermione desembrulhou o pacote. Pousando o volume sobre o balcão, verificou o índice, percorrendo os itens com o indicador, parando em "Impressões Digitais". — Perfeito! — fes­tejou, fechando o livro e já levando-o consigo. — Obrigada por providenciar isto para mim, querida. — Já se encaminhava à saída. — Até amanhã.
— Não está se esquecendo de nada? — replicou Hermione. No­tando a expressão confusa da senhora, acrescentou: — Preciso marcar a saída do livro.
— Ah, claro. Não sei onde estava com a cabeça. — Alberta voltou ao balcão com relutância, passando o livro antes de procurar o cartão na bolsa. — Viu Harry hoje?
— Não.
— Tome cuidado com ele, Hermione. Ele não é como os rapazes daqui. Ele tem noções e idéias estranhas.
“E beija como o diabo”. Hermione se sentiu excitada com o pen­samento.
— Escreva o que eu digo, a presença dele aqui não é nada boa — proclamou a anciã, antes de pegar seu livro.
Um tanto perturbada com as últimas palavras da usuária, Hermione verificou a agenda e, aliviada, viu que era dia de leitura. Era impossível pensar nos próprios problemas quando tinha quinze crianças de dois a cinco anos ao redor. Ler em voz alta para elas lhe exigia toda a atenção.
Era uma de suas atribuições favoritas acompanhar a aprendi­zagem das crianças sobre a magia dos livros e pelas histórias contidas neles. A hora marcada, o grupo de crianças se sentou a seu redor, sobre o grosso tapete doado por uma loja. Nesse dia, leria 'Onde as Coisas Selvagens estão'. As crianças passaram a ouvir atentas sua interpretação dramática, atribuindo uma voz di­ferente a cada personagem.
Ao fechar a biblioteca no final do dia, Hermione sentia que tra­balhara bastante. Além de realizar a sessão de leitura, atualizara os registros de circulação de livros, processara novos pedidos de empréstimos no sistema de intercâmbio entre bibliotecas e diagramara o panfleto da mostra anual de livros da biblioteca, que ocorreria no mês seguinte.
A verdade era que o trabalho lhe servia de linha mestra nessa etapa traumática da vida, proporcionando estrutura quando todo o resto desmoronava. Agora, mais do que nunca, precisava dessa estrutura, pois seu mundo estava de pernas para o ar e seu amor por Wayne era questionado pelos sentimentos intensos que tinha por Harry.

— Que gentil da parte aceitar nosso convite para um chá — comentou Beatrice com Harry, agitando o lenço. Exibia luvas bran­cas, finas, do tipo que as senhoras da época vitoriana usavam.
— Disse que queria me dizer algo sobre Hermione — lembrou Harry à senhora, considerando-se mais convocado do que convi­dado para aquele chá.
— Exatamente. Entre e vamos sentar.
Harry se sentou contente num sofá delicado que o fez se lembrar de uma charrete que alugara certa vez. Do mesmo modo que antes, ficou com os joelhos quase junto ao queixo.
— Você e Alberta podem conversar enquanto eu vou buscar a bandeja com nosso chá — declarou Beatrice.
Quando Alberta pousou seus olhos de águia sobre Harry, ele não se alterou. A velha senhora definitivamente estava preparando alguma.
— Então, o que queria me contar a respeito de Hermione — perguntou ele.
— No devido tempo, meu bom rapaz — declarou ela, agitando a mão enluvada de maneira superior, fazendo Harry se lembrar da rainha Elizabeth. — Vocês jovens andam numa correria hoje em dia. Devido à vida na cidade, suponho eu. Em que cidade disse que mora?
— Eu não disse.
— Por que não? Está tentando esconder alguma coisa?
Harry se endireitou no sofá, procurando uma posição mais con­fortável. Evidentemente essa seria uma visita longa.
— Moro em Chicago.
— Que bom para você. E o que faz lá?
— Sou arquiteto.
— Arquiteto. Quê interessante. Então sabe tudo sobre o tra­balho de Mies Van der Rohe, não é? E Frank Lloyd Wright? Visitei Chicago uma vez e vi seus trabalhos. Mies Van der Rohe projetou a Sears Tower em Chicago, certo?
— Errado. — Harry conteve um sorriso à tentativa descarada de ludibriá-lo. — A Sears Tower foi projetada pelo escritório de arquitetura Skidmore, Owings e Merrill.
— Oh. Mas é claro, sendo de Chicago, saberia disso. O que os seus pais fazem?
— Não muito — respondeu Harry, laconicamente. — Estão aposentados.
— E antes de se aposentarem? — pressionou Alberta. Harry não pôde responder devido à chegada de Beatrice. Ga­lante, levantou-se e tirou a bandeja pesada das mãos dela.
— Obrigada — murmurou Beatrice, agradecida, antes de se afundar numa poltrona. — Coloque aqui na mesinha de café. Agora, como gostaria de seu chá, Harry? Com leite ou limão?
— Leite.
Após passar-lhe o chá, a anfitriã perguntou:
— Açúcar? —, erguendo um açucareiro de prata ornamentado. Harry se serviu de duas colheres. A xícara e o pires elegantes pareceram pequeninos em suas mãos. Sentiu-se um grande polegar enquanto sorvia o chá, queimando a boca no processo.
— Oh, está quente, devia ter prevenido você — lamentou Bea­trice, em desculpa.
— Aqui... — Alberta segurou a xícara e o pires e passou-lhe um copo de água gelada. — Beba isto.
Harry sorveu metade do conteúdo em um só gole.
— Agora, me deixe levar isso. — Alberta arrebatou o copo, segurando-o como se fosse um legado inestimável, e o levou direto à cozinha.
— Lamento muitíssimo — desculpou-se Beatrice de novo, pa­recendo realmente arrependida.
Harry também lamentava. Tinha a língua insensível. Não tinha certeza se poderia sentir qualquer gosto nessa semana. Tanto so­frimento só para obter alguma informação sobre Hermione, informação que as irmãs Beasley não estavam com pressa de transmitir.
Para surpresa sua, não foi mais inquirido sobre o incidente na biblioteca no outro dia, quando devolvera a lingerie de Hermione. Na verdade, Alberta evitava todo assunto relacionado com Hermione. Ao invés disso, parecia muito mais interessada no passado dele.
Após uma hora de inquisição, Harry não se conteve em fazer uma pergunta também:
— Há alguma chance de seus parentes serem da Espanha?
— Claro que não — respondeu Alberta, com um resmungo desaprovador. — Nossos ancestrais chegaram a Illinois com Mor­ris Berkbeck da Inglaterra por volta de 1800. Foram os primeiros nesta região. Na verdade, esta cidade se chamaria Beasley cm vez de Greely, não houvesse Goose Greely colocado seu nome nos papéis da imobiliária antes.
— Ele se chamava Vermillion Greely — corrigiu Beatrice. — O apelido era Goose.
— Porque ele não tinha o mesmo senso que Deus deu aos gansos — explicou Alberta.
— Mas foi esperto o bastante para colocar seu nome na cidade — ponderou Beatrice.
— Só porque trapaceou — sentenciou Alberta.
— Mas estamos nos desviando do assunto — lembrou Beatrice — O que o faz pensar que temos algo a ver com a Espanha Harry?
-- Seu método de interrogatório — esclareceu ele, relutante
— Li um livro sobre a Inquisição espanhola — comento Beatrice. — O herói salvou a heroína no último instante...
— Oh, pare de falar bobagens, mana — disparou Alberta. Voltando-se para Harry, explicou: — Sinto que nossas perguntas o tenham ofendido, senhor Potter. Sendo assim, não vamos mais retê-lo.
Harry se sentiu expulso, dada a rapidez com que foi conduzido à saída. Diante da porta fechada, percebeu que não descobrira nenhum fato novo sobre Hermione. E imaginou se não fora logrado por um par de profissionais.

Para alívio de Hermione, os dois últimos dias tinham sido rela­tivamente tranqüilos, permitindo-lhe concentrar-se no trabalho. Nem Harry, nem Wayne, nem as irmãs Beasley haviam passado na biblioteca nesse período. Assim, gozara de mais espaço para respirar.
Não que soubesse o que fazer. Mas ao menos fora capaz de pensar em outras coisas, para variar, como no cuidado com as plantas que colocara na frente da casa, as quais já definhavam por falta de água.
Era cedo ainda, e ela regava os gerânios cor-de-rosa e brancos sob a janela, da qual a gata a observava. Então, viu Beatrice chegando pela calçada e, não querendo ser rude, acenou-lhe. Afi­nal de contas, não era culpa dela que a irmã fosse irritante.
Beatrice retribuiu usando o lenço que sempre tinha à mão.
— Nossa, esses pobres gerânios parecem meio fracos — co­mentou, aproximando-se. — E pelo jeito teve sua cota de dentes-de-leão este ano, não é, querida? — acrescentou, acenando com o lencinho para a treliça da frente, coberta de flores amarelas. — A lenda diz que são ótimas para o volume de esperma, você sabe.
Espantada, Hermione quase largou a mangueira que segurava. Mas conseguiu se recuperar, embora molhasse os vidros da janela com água e atingisse a gata.
— Sei sobre os pássaros e as abelhas, minha querida — com­pletou a senhora, com um sorriso. — Quase me casei uma vez, na juventude. — Deixou de sorrir. — Ele foi morto na Segunda Guerra. No último dia da guerra. Nunca mais houve ninguém para mim.
— Lamento — murmurou Hermione. Beatrice bateu em sua mão livre.
— Só quero que saiba que entendo como é perder o homem amado. A menos que Wayne não seja realmente o homem certo para você. Então, tudo se modifica radicalmente. Mas volte a seus gerânios... — Beatrice continuou falando: — Sabia que os gerânios cor-de-rosa são usados em declarações de amor, e que os brancos aumentam a fertilidade? Fiquei sabendo num romance que li, um em que Harry ficaria perfeito como protagonista. É um reinado, e ele tem porte para isso, você sabe. Tem as pernas, longas e o rosto anguloso. Pude notar quando ele foi tomar chá conosco esta tarde. Ficou por duas horas, até que Alberta o espantasse com suas perguntas.
— Convidaram Harry para um chá? Por quê? — Hermione sabia que fora inconveniente, mas não pudera evitar. A imagem das irmãs Beasley massacrando Harry por duas horas era impossível de ignorar.
— Por quê? — Beatrice agitou o lenço. — Bem, acho... Ora, por cortesia, naturalmente.
— Beatrice, me diga a verdade. Sua irmã não continua com a idéia de que Harry é um impostor, não é?
— Não estou autorizada a revelar — respondeu Beatrice. — Mas não acho que Harry tenha matado alguém. Oh, querida! — Levou o lenço à boca, arrependida. — Não devia ter dito isso. Não diga a Alberta que falei, ou ela vai ter um chilique. Ela está convencida de que Harry matou o verdadeiro Harry e tomou o seu lugar. Afinal de contas, o sobrinho da senhora Abinworth era franzino. E Harry não é nada franzino agora.
— Acredite em mim, Beatrice. E o mesmo Harry, só mudou um pouco a aparência.
— Você sabe como Alberta é. Ela adora um bom mistério.
— E, se não existe um bom mistério, ela simplesmente inventa um — resmungou Hermione.
— Bem, tem isso também — concordou Beatrice.
— É por isso que ela queria aquele livro de criminologia? — indagou Hermione. — Porque queria aplicar em Harry? — A visão de Alberta percorrendo o índice do livro lhe veio à mente. — Impressões digitais!
Beatrice se denunciou pela expressão.
— Oh, Beatrice, você e Alberta não tentaram tirar as impressões digitais de Harry, não é?
— Não foi idéia minha — defendeu-se Beatrice, passando o lenço no lábio superior para enxugar o suor.
— O que vocês duas fizeram? Tentaram passar os dedos dele numa almofada de carimbo? Tiraram fotos de frente e de lado?
— Claro que não. Nossos métodos não são tão grosseiros — protestou Beatrice, ofendida. — Tiramos suas impressões num copo de vidro. Na verdade, Alberta está a caminho da delegacia neste instante!




Obs:Oiiii pessoal!!!!Desculpem pela demora na atualização!!!Creio que até a semana que vem eu posto o próximo!!!!Obrigada pela compreensão!!!Bjux!!!!Adoro vocês!!!

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Comentários (1)

  • Isis Brito

    Nossa! Essa Alberta quer colocar lenha na fogueira, apesar de não ter nenhuma, heheh... xD

    2011-08-27
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